Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

"A União Europeia continua a prolongar a chantagem sobre os portugueses"

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Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Os portugueses são livres de construir o seu futuro, de escolher os seus caminhos, sem pressões ou chantagens exteriores. Independentemente de ter havido quem cantasse «vitória» sobre o processo de sanções a Portugal no âmbito do chamado «procedimento por défice excessivo», a verdade é que esse processo não ficou encerrado. A União Europeia não só não desistiu como tem vindo a prolongar a chantagem sobre os portugueses. A pretexto do incumprimento de metas orçamentais, resultado da ação do Governo PSD/CDS, a União Europeia procura condicionar as escolhas políticas para os atuais e futuros Orçamentos do Estado e opções centrais de Governo. A pressão exercida agora, ou seja, as sanções não traduzem um mero instrumento orçamental ou económico da União Europeia, mas um instrumento político de chantagem, de ingerência que denuncia a natureza e a matriz ideológica da União Europeia. A mensagem que querem fazer chegar não é dirigida ao Governo português, é dirigida a todos os portugueses e pretendem dar uma lição: não ousem decidir dos vossos destinos, não ousem construir o vosso futuro, não ousem querer a riqueza que produziram, nem reconstituir direitos que vos foram roubados. Cada conquista que o povo português consegue com a sua luta, cada euro que os portugueses investem no seu Serviço Nacional de Saúde, na educação, na cultura, na justiça, nas forças de segurança, nas pensões e reformas, no desenvolvimento económico, é um euro a menos para a agiotagem e para salvar os grandes bancos nacionais e estrangeiros. E é a batalha por cada um desses euros que estamos a travar. No filme de Tarantino, Django Libertado, Stephen, sendo escravo, ascendeu à posição de capataz e revelase ainda mais sanguinário e cruel que o próprio patrão. O capataz é escravo, mas preservar essa posição implica ser mais patrão que o patrão. PSD e CDS são Stephen no que toca à forma como a União Europeia pressiona e chantageia Portugal e os portugueses, colocando-se como capatazes das grandes potências europeias, a quem, mesmo enquanto Governo da República Portuguesa, se orgulhavam de prestar vassalagem.

Ao invés de estarem do lado das conquistas, da recuperação dos direitos dos portugueses, PSD e CDS rejubilam com toda e qualquer medida de chantagem ou pressão que possa criar dificuldades a essa recuperação de direitos e rendimentos e posicionam-se como o capataz que faz queixinhas à União Europeia sobre a ousadia do seu povo.

Mas este processo e a forma como a União Europeia atua perante Portugal neste momento político têm significados que não podem ser ignorados. Em primeiro lugar, as sanções resultam de um quadro político e o PCP não se coloca na posição de apoiar e louvar o processo de construção da União Europeia, de acatar e aceitar as suas regras, mas depois contrariar os seus resultados. Ou seja, o PCP não combate apenas a aplicação de sanções a Portugal, o PCP denuncia e dá firme combate desde há muito a toda a arquitetura que permite que sejam, sequer, equacionadas sanções económicas a Estados. Em segundo lugar, a natureza das sanções demonstra que as intenções da União Europeia são precisamente as de concentrar riqueza e alargar o domínio económico e político das grandes potências europeias. Só numa perspetiva política distorcida se pode aplicar a um País um corte no financiamento pelo motivo de que o financiamento do ano anterior não foi suficiente para cumprir metas definidas por entidades alheias a esse País.

A União Europeia assume um papel de censor, de distribuidor de castigos, quando sempre no-la venderam como um apoio ao desenvolvimento, como uma livre união de Estados para melhorar a distribuição da riqueza e elevar as condições de vida dos portugueses. Em terceiro lugar, o processo de sanções, independentemente do seu desfecho, constitui já uma ilegítima e inaceitável pressão exterior sobre a soberania nacional, uma ingerência direta e concreta na vida dos portugueses e das suas opções políticas. Os portugueses foram enganados com a apresentação da União Europeia como um projeto de fraternidade, de liberdade, de desenvolvimento social e económico, de respeito pela soberania dos povos. Em momento algum foram chamados a legitimar uma União Europeia agressiva, militarista, federalista, punitiva e ao serviço dos interesses económicos das grandes potências, particularmente da Alemanha e dos seus grupos monopolistas. Contudo, essa foi sempre a União Europeia que se foi construindo nas costas dos povos e é com as suas pressões e chantagens que estamos novamente confrontados. Em quarto lugar, o processo de eventuais sanções não está desligado do funcionamento económico da moeda única e da situação concreta em Portugal. Apesar de as sanções se referirem a resultados orçamentais resultantes do mandato do anterior Governo, é sobre os compromissos orçamentais de futuro que estão a ser utilizadas como pressão. Ou seja, a União Europeia ameaça com a suspensão de acesso a fundos comunitários como forma de condicionar as opções de futuro, nomeadamente o Orçamento do Estado para 2017, pretendendo a continuidade do processo de exploração e empobrecimento que PSD e CDS impuseram aos portugueses para pagar os custos do constante assalto que os bancos exercem sobre a economia. Aqui chegados, talvez de forma mais clara do que nunca, é legítimo o sentimento dos portugueses ao questionarem se valeu a pena o conjunto de sacrifícios e a agressão de que foram alvos. Será que valeu a pena perder para o estrangeiro nos últimos anos mais de 500 000 jovens, muitos deles qualificados, lançar na pobreza um terço dos portugueses, desistir das pescas, da agricultura, da indústria, cortar salários e pensões, destruir emprego, privatizar empresas a eito? Tudo isso por um projeto de União Europeia que, afinal, é exatamente o contrário daquilo que sempre nos disseram. Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, essa questão leva-nos a afirmar, de cara lavada, que o Partido Comunista Português alertou desde o primeiro momento para as consequências de tal projeto da União Europeia. Mas, mais do que isso, leva-nos hoje a afirmar a necessidade de rejeitar a submissão às imposições da União Europeia, confrontando aqueles que, com as suas mentiras, permitiram, e ainda hoje legitimam, um quadro político europeu que permite a instituições estrangeiras exercerem inaceitáveis pressões sobre opções políticas dos povos. Não se trata de forjar uma falsa unidade partidária contra as sanções. Trata-se de recusar em absoluto a chantagem e a pressão da União Europeia e de denunciar os que hoje, perante os portugueses, dão ares de patriotas, contra as sanções, mas lá e cá, onde podem falar, votar e decidir, ajudam a construir os tratados e os pactos em que as sanções se definem. Romper com a prática desses partidos, construir uma alternativa patriótica e de esquerda e um Governo à altura do povo que representa é, nesta como noutras encruzilhadas políticas, a solução capaz de devolver a Portugal o progresso e o projeto de abril. É com esse projeto que está o PCP.
(...)
Sr.ª Presidente,
Esta manobra de diversão do PSD e do Sr. Deputado António Costa Silva revela bem o grau de comprometimento que o PSD tem com a atual situação do País e com a aplicação de eventuais sanções a Portugal, um grau de comprometimento que é resultado concreto das suas opções políticas e daquilo que fizeram enquanto Governo, dos resultados que obtiveram e da aceitação que têm vindo a revelar ao longo do tempo sobre as regras da União Europeia que definem e preveem as sanções. O comprometimento do PSD nessa matéria é total e não mereceu uma única palavra num pedido de esclarecimento a uma intervenção do PCP que era precisamente sobre essa matéria. Esse desvio caracteriza muito a forma como o PSD sabe das suas responsabilidades, mas ao mesmo tempo lhes quer a todo o custo fugir. Disse o Sr. Deputado António Costa Silva que o PSD é contra as sanções. O PSD tem vindo a revelar essa postura dando ares de patriota, mas ao mesmo tempo aceita todas as regras — aliás, contribuiu ativamente para impor aos portugueses todas essas regras que resultam atualmente nas sanções, não apenas nos resultados políticos e orçamentais que obtiveram em 2015 e que hoje ativam a possibilidade de sanções, mas na conceção da própria arquitetura que prevê a aplicação de sanções aos povos e aos Estados da União Europeia.
Aproveito também para lhe dizer, Sr. Deputado, que jamais estaria em causa a possibilidade de Portugal sair da Europa. Não consta que possamos pegar no continente e colocá-lo em África!

Quando muito, e se isso for positivo para o povo português e para o desenvolvimento social, económico e político de Portugal, então, colocar-se-ia, sim, a hipótese de abandonar a União Europeia. A geografia não nos possibilita ainda abandonar a Europa, portanto escusa de agitar o papão de, de repente, querer pôr Portugal sabe-se lá em África, ou coisa assim.
(...)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Jorge Costa,
Obrigado pelas questões que colocou. Em primeiro lugar, o processo de chantagens e de eventual aplicação de sanções a Portugal no âmbito do procedimento por défice excessivo não está concluído e muito menos se pode dizer que esteja satisfatoriamente encerrado, principalmente tendo em conta que, independentemente do desfecho que venha a ter, continua a ser utilizado como um instrumento de pressão sobre os órgãos de soberania portugueses, sobre o povo português e, também, como um instrumento de chantagem para com os portugueses que, de certa forma, tenta dissuadir o povo português de ousar conquistar direitos ou de recuperar direitos. Esse instrumento, mais até do que económico, financeiro ou orçamental, acaba por se traduzir num instrumento de concretização de um projeto político e ideológico da União Europeia, que é o da generalização e institucionalização do capitalismo e do neoliberalismo. Esse processo leva-nos, neste momento, a questionar — e é esta a questão que o PCP pretende trazer hoje à Assembleia da República — qual é a resposta que os órgãos de soberania, entre eles a Assembleia da República, e os portugueses dão perante a utilização do instrumento de chantagem por parte da União Europeia. Aliás, ficou muito claro que da parte do PSD e do CDS não há sequer rejeição da legitimidade da União Europeia para impor qualquer tipo de sanções, nem sequer há uma rejeição da parte do PSD e do CDS perante a instrumentalização política que a União Europeia tem vindo a fazer destas sanções para condicionar os destinos dos portugueses e o trabalho dos órgãos de soberania da República Portuguesa. A afirmação dessa não rejeição comprova, aliás, o que também frisou na questão que colocou, que é o comprometimento do PSD e do CDS quer com os resultados políticos e orçamentais que despoletam as sanções, quer com a própria conceção de sanções económicas a Estados no âmbito do procedimento por défice excessivo. Portanto, a questão que se coloca é a de saber se se rejeita ou não inteiramente, sem qualquer margem para dúvidas, a tentativa de ingerência que está a ser levada a cabo por parte de instituições da União Europeia, em articulação clara com os grandes interesses económicos do espaço da União Europeia e de Portugal e com partidos que estão dispostos a fazer o papel de títeres desses interesses e que têm vindo a defender este projeto. Ainda há pouco, o Sr. Deputado do PSD frisava que a União Europeia é como que um dogma inquebrável. Para nós, PCP, as regras da União Europeia são questionáveis na medida do interesse do povo português.

Para o PSD, mesmo que seja prejudicial, mesmo que prejudique o povo português e o seu desenvolvimento, devemos a todo o custo ficar na União Europeia, adotar as suas regras e aplicá-las sobre os portugueses. Pensamos de forma diferente. Para o PCP, em primeiro lugar, está o povo e o País e só depois a adoção de regras que possam beneficiar o povo.
(...)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Hugo Costa,
A dualidade dos critérios e a forma como a Comissão Europeia tem vindo a pronunciar-se sobre a situação política e económica portuguesa denuncia aquilo que na minha intervenção fiz questão de referir: ao serviço de quem está a Comissão Europeia? Qual é a sua matriz ideológica? E qual é a sua natureza política? A Comissão Europeia, evidentemente, utiliza as regras ao sabor dos seus objetivos. E o objetivo da concentração e acumulação e do alargamento do domínio das grandes potências europeias é, neste momento, convergente com a aplicação ou, pelo menos, a utilização de sanções como instrumento de chantagem perante a situação política portuguesa, as opções que os portugueses podem vir a tomar e as soluções que podem vir a construir. Aquilo que é urgente clarificar, que o PCP também pretende clarificar neste debate e que, de certa forma, se vai clarificando é precisamente qual vai ser a posição de cada um dos partidos portugueses, das forças portuguesas no momento em que, por exemplo, na próxima segunda-feira, dia 3 de outubro, for debatida no Parlamento Europeu a possibilidade da aplicação de sanções, nomeadamente através da cativação de fundos comunitários a Portugal. Já vimos que PSD e CDS ficam entusiasmados com esta possibilidade — e, aliás, trazem-na várias vezes para o debate parlamentar e usam-na várias vezes como argumento político e arma de arremesso. Isto, por dois motivos essenciais: pelo comprometimento que PSD e CDS têm precisamente com os interesses que beneficiam deste tipo de instrumentos orçamentais, como sanções que se traduzem em cortes de fundos comunitários, porque o projeto europeu de concentração da riqueza é partilhado e amplamente defendido por esses partidos; e também porque a mesquinhez é tal que a forma como encaram a solução política que foi criada neste momento em Portugal merece da sua parte sacrificar o interesse do povo português a pretexto da valorização dos seus próprios partidos. A forma como pretendem fazer crer que estas sanções são uma sanção ao Governo e não aos portugueses é uma espécie de batalha partidária que o PSD e o CDS tentam travar, independentemente de serem os portugueses a perder. E ainda não clarificaram, Srs. Deputados — o CDS ainda falará, mas têm toda a oportunidade para o fazer —, qual é a posição do PSD e do CDS face à instrumentalização de sanções e normas da União Europeia para impor e fazer chantagem com os órgãos de soberania e o povo português.
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Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado João Almeida,
quero também agradecer as questões que colocou. Eu tenderia também a responder-lhe, de certa maneira, como fiz questão de responder ao PSD. É que a forma como evita o assunto concreto e tenta, através de uma manobra de diversão, falar de tudo menos da questão concreta que aqui é colocada, também é reveladora do comprometimento que é, aliás, o mesmo comprometimento do PSD, porque fizeram parte do mesmo Governo, porque aplicaram as mesmas medidas, porque as defenderam e porque sujeitaram o povo português a um programa de empobrecimento e agravamento da exploração que ainda hoje tem consequências, consequências essas que, inclusivamente, estão na base deste processo de sanções. A questão, Sr. Deputado João Almeida, não é a de saber se, mais ou menos demagogicamente, o CDS envia cartas ou se vem aqui dizer que é muito contra as sanções na União Europeia; a questão é a de saber de que lado esteve o CDS em cada um dos momentos em que se definiu a arquitetura da União Europeia que permite que estas sanções sejam sequer equacionadas. É que vir aqui dizer «nós somos contra as sanções, mas somos muito a favor das regras que as permitem» é de uma hipocrisia que esperemos que também o povo português rapidamente entenda, penalize e faça o CDS pagar a responsabilidade por essa hipocrisia, que, aliás, é uma das suas principais características. E, Sr. Deputado, também é estranho que o CDS, agora, com toda essa força e veemência com que o Sr. Deputado diz que rejeita as sanções, não diga que rejeita a instrumentalização do quadro normativo e a pressão e a chantagem, porque não é isso que rejeita. O Sr. Deputado diz que rejeita a aplicação de sanções porque são estúpidas, porque não fazem sentido, mas não rejeita que haja uma instituição supranacional que possa estar, neste momento, publicamente, a chantagear os portugueses e o Governo português e os órgãos de soberania, com eventuais sanções, sejam elas mais ou menos estúpidas, porque é o próprio enquadramento, é o próprio normativo que permite que sejam aplicadas sanções. Portanto, é isso que devia denunciar como estúpido, coisa que não só o seu partido não fez como até queria pô-la na Constituição da República Portuguesa.

O Sr. Deputado faz parte de um partido que queria estas normas, que agora estão a ser acionadas contra Portugal para aplicar sanções, na Constituição da República Portuguesa, através da «regra de ouro» da limitação ao défice, de que, aliás, o CDS era o principal porta-estandarte. E, Sr. Deputado, quanto ao IMI, já clarificámos: o PCP paga o IMI que deve.
Não é como o CDS, que tem uma sede arrendada à Igreja e que, por isso, mesmo que houvesse IMI para os partidos, não o pagaria. E, mesmo que não tivesse uma sede arrendada à Igreja, o CDS, como vive à custa do Estado, pagaria o IMI com o dinheiro que recebe do Estado.

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