Projecto de Resolução N.º 477/XIII/2.ª

Uma Política de Defesa da Natureza ao serviço do Povo e do País

Uma Política de Defesa da Natureza ao serviço do Povo e do País

Exposição de Motivos

Na Conferência das Partes, realizada em Paris no final de 2015, no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, foi adotado um acordo prevendo uma ação a nível global no que concerne a estas matérias.

Uma imensa campanha de propaganda propalou a ideia de um «acordo histórico» e de uma «grande vitória diplomática». No entanto, particularmente em relação aos objetivos mais ambiciosos de redução das emissões de gases com efeito de estufa, é possível afirmar que não se encontra resposta no texto aprovado.

Facto é que os objetivos balizados contrastam com a realidade, uma vez que as medidas já anunciadas pela esmagadora maioria dos 195 países que aprovaram o texto são insuficientes para cumprir a meta de aquecimento proposta, colocando-o, efetivamente, acima dos 3 graus Celsius. Acresce que nem sequer estão acordados limites concretos para as emissões de Gases com Efeito de Estufa (GEE) e que o próprio acordo só entrará em vigor em 2020.

Tal como em todo o processo de preparação, também as conclusões desta cimeira foram acompanhadas de uma imensa campanha de propaganda ideológica com que os centros de decisão do capital pretendem legitimar mecanismos de acumulação capitalista. A propósito da necessidade de combate às alterações climáticas, aproveita-se para tentar legitimar e aprofundar a implementação de mecanismos que visam mercantilizar e financeirizar o ambiente – como é o caso do Mercado de Carbono.
Só que é cada vez mais visível que o Mercado de Carbono não funciona e tem tido, inclusivamente, um efeito perverso. Num quadro de crise e de redução da atividade económica, os produtores de GEE diminuíram a procura de licenças de produção de CO2. Com a diminuição da procura baixou o preço das licenças, o que tornou muito barato poluir. A tonelada de CO2 chegou a atingir os 3 euros e, mesmo após intervenção da EU, apenas aumentou para os 8 euros. Deste modo, torna-se mais barato utilizar combustíveis mais poluentes.

Também o Esquema Europeu de Transações (EU-ETS), introduzido há 10 anos, não conduziu à desejada redução de emissões de gases de efeito de estufa, bem pelo contrário. A experiência europeia de transação de quotas de carbono desmente claramente a virtuosidade da regulação pelo mercado e demonstra a ineficácia e perversidade dos seus instrumentos - que visam, verdadeiramente, a obtenção de lucro, a acumulação de riqueza e o aprofundamento das desigualdades.

É possível identificar nas conclusões da cimeira que, por detrás da propaganda, está a intenção de favorecer processos de natureza colonial e de financiamento de projetos de grandes grupos transnacionais em países em desenvolvimento, potenciando a dominação imperialista dos recursos destes países.

Quando aquilo que se exigia era a assunção do princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada, entre países em desenvolvimento e industrializados, foi proposto um sistema único. Sistema esse que é suscetível de aprofundar mais injustiças entre os países que mais contribuem e contribuíram, ao longo de muitos anos, para a acumulação de carbono na atmosfera e os países em desenvolvimento. Tanto mais que não basta comparar uma produção instantânea ou anual de GEE, visto que a poluição é um fenómeno cumulativo. Ou seja, apaga-se a responsabilidade histórica dos países industrializados nas emissões de GEE.

Os instrumentos de mercado conjugados com o conceito de neutralidade de emissões comportam riscos acrescidos. Neste quadro, a aposta nos ditos sumidouros de CO2 (florestas e outros métodos) arrisca-se a ser um grande mecanismo não para combater o problema, mas antes para o intensificar. Um exemplo atual e que pode vir a ser mais generalizado, é o de uma grande empresa que emite CO2 e que, para ganhar créditos de emissão, investe na criação de uma monoprodução florestal num país em desenvolvimento. Continua a emitir GEE e destrói a floresta autóctone, afetando a biodiversidade.

Assim, assentar grande parte da estratégia do combate às alterações climáticas nos sumidouros de carbono, nomeadamente em florestas, tem riscos graves e ainda acarreta o efeito perverso de reservar grandes áreas naturais de países em desenvolvimento para as grandes multinacionais, aprofundando a ingerência.

Neste contexto, o reforço do Fundo Verde para os 100 mil milhões de dólares anuais pode representar a consolidação de um instrumento para favorecer o financiamento de projetos dos grupos económicos e os processos de ingerência em países em desenvolvimento, potenciando a dominação imperialista dos recursos destes países.

Fica também claro um outro objetivo, que é passar o ónus do combate aos problemas ambientais para os cidadãos individuais, de modo a desculpabilizar os verdadeiros responsáveis e a criar condições para legitimar o aparecimento de novos impostos.

Só que o ónus da resolução dos problemas ambientais tem de recair sobre o sistema capitalista e sobre os grupos monopolistas e não pode ser descartado pelos grandes poluidores para os ombros dos trabalhadores e dos povos. Não é aceitável penalizar duramente os comportamentos individuais, acentuando desigualdades e não resolvendo os principais problemas com que se confronta a humanidade, enquanto se isentam os maiores poluidores das suas responsabilidades.

As emissões que contribuem para o efeito de estufa são um problema grave. É por isso que temos de defender a produção local, reduzindo a amplitude dos ciclos de produção e consumo. Há ainda que travar a liberalização do comércio mundial, verdadeiro fator de incentivo no aumento do consumo energético e de emissão de gases com efeito de estufa e, além do mais, com graves consequências no plano económico e social.

Os combustíveis fósseis satisfazem atualmente mais de 80% das necessidades energéticas a nível mundial. É necessário diminuir esta dependência, aumentando a eficiência energética, desenvolvendo alternativas energéticas de domínio público, que não ponham em causa a segurança alimentar das populações, é fundamental investir em Investigação & Desenvolvimento.

Por fim, a limitação da produção de gases que contribuem para o efeito de estufa tem de ter em conta uma justa distribuição dos esforços por setores e países. Deve ser feita através de normativo específico, sem a atribuição de licenças transacionáveis, mecanismo que já provou a sua ineficácia na redução da produção de GEE e que tem o efeito perverso de condicionar os países menos desenvolvidos.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõe que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República pronuncia-se, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, pelo desenvolvimento de uma política que:

1. Reforce os meios do Estado para desenvolver uma verdadeira política de defesa da natureza, capaz de colocar a riqueza natural do país ao serviço do povo e do desenvolvimento nacional, e não ao serviço do desenvolvimento dos interesses privados, que veem nos recursos naturais apenas o substrato para atividades lucrativas, independentemente da sua real utilidade ou racionalidade, ou mesmo do seu impacto negativo na natureza;

2. Rompa com o rumo que tem vindo a ser seguido de reafectação da tributação fiscal, penalizando as camadas mais empobrecidas, com base no argumento falso de que a taxação dos seus hábitos e atividades tem efeitos ambientais sensíveis;

3. Reforce medidas que aumentem a eficiência energética, que desenvolvam alternativas energéticas de domínio público e que não ponham em causa a segurança alimentar das populações – como é o caso dos agrocombustíveis;

4. Reforce o investimento no transporte público e invista em Investigação & Desenvolvimento direcionada para esta área, de maneira a diminuir a dependência dos combustíveis fósseis no nosso país;

5. Desenvolva medidas que defendam a produção local, reduzindo a amplitude dos ciclos de produção e consumo, e que contrariem a liberalização do comércio mundial, fator de incentivo no aumento do consumo energético e de emissão de gases com efeito de estufa, com graves consequências no plano económico e social;

6. Defenda uma justa distribuição dos esforços de limitação da produção de gases com efeito de estufa por sectores e países que contribuem para o efeito estufa, feita através de normativo específico sem a atribuição de licenças transacionáveis, que já provou a sua ineficácia na redução da produção destas emissões e que tem o efeito perverso de condicionar os países menos desenvolvidos.

Assembleia da República, 23 de setembro de 2016

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