Intervenção de Francisco Lopes, membro do Secretariado e da Comissão Política do Comité Central, Debate «Estratégia da União Europeia 2020»

"Uma linha de retrocesso social, uma política de classe ao serviço dos grupos económicos e financeiros"

Estamos a discutir hoje aqui a Estratégia da União Europeia 2020, a estratégia para a próxima década, reflectindo opções inseparáveis da dos últimos 10 anos na aplicação da chamada estratégia de Lisboa e das consequências deste rumo para os povos da Europa, no concreto para o povo e os trabalhadores portugueses, para Portugal. A Estratégia de Lisboa, aprovada há uma década com pompa e circunstância, afirmando o objectivo do pleno emprego e da inclusão social, foi bastante nociva para o povo português.

Os problemas que enfrentamos são bem esclarecedores sobre o capitalismo e a sua natureza, sobre o processo de integração europeia e as suas opções e sobre a política de direita de sucessivos governos nos últimos 34 anos em Portugal.

É hoje ainda mais claro a partir da análise objectiva o que significou e significa o rumo percorrido nos últimos anos e as consequências da insistência na sua concretização. Um rumo marcado pelo declínio, a fragilização do aparelho produtivo e da produção nacional na indústria, na agricultura e nas pescas, a estagnação económica traduzida num crescimento praticamente nulo (a média das taxas anuais de crescimento foi apenas de 0,4% entre 2002 e 2009), a acentuação das injustiças sociais e o agravamento da exploração.

No plano do emprego com elevadíssimos índices de desemprego e precariedade. Mais de 547 mil trabalhadores desempregados, uma taxa superior a 10%, 738 mil incluindo os inactivos desencorajados e o subemprego visível. Um número de desempregados em 2009 que é duas vezes e meia superior ao que existia em 2000 quando a Estratégia de Lisboa apontou o pleno emprego. Um elevado desemprego dos jovens e das mulheres. E apenas 255 mil desempregados, menos de metade, a receberem o subsídio de desemprego e 117 mil o subsídio social de desemprego.

Mais de 1,2 milhões de trabalhadores em situação precária, 25% dos trabalhadores por conta de outrem, com contratos a prazo, falsa prestação de serviços (recibos verdes), trabalho temporário, estágios profissionais e bolsas de investigação, com consequências na estabilidade do trabalho e na vida.

No plano dos rendimentos e dos direitos dos trabalhadores com salários baixos, a começar por um salário mínimo nacional de 475 euros, a alteração para pior da legislação de trabalho em geral e também dos trabalhadores da administração pública, a desorganização e aumento dos horários de trabalho, os lay-off, a redução dos salários e remunerações de que é exemplo a quebra do poder de compra em 8% dos trabalhadores da função pública nos últimos anos, o boicote e a tentativa de destruição da contratação colectiva, o condicionamento da liberdade de organização e acção sindical, a violação dos direitos dos trabalhadores, a arbitrariedade patronal e a prática impossibilidade de acesso à justiça laboral.

Acrescenta-se a baixa do valor das pensões, o aumento da idade da reforma e o corte do valor do subsídio de desemprego e de outros apoios sociais.

Soma-se um forte ataque à Administração Pública, com a redução dos seus efectivos superior a 10%, a desorganização, desmantelamento, desagregação e privatização dos serviços, a descaracterização e enfraquecimento do Serviço Nacional de Saúde, o ataque à escola pública e a elitização do ensino superior.

Assinala-se o prosseguimento do processo de liberalizações e privatizações, com serviços públicos privatizados e submetidos à lógica do lucro e privatização de empresas estratégicas e altamente lucrativas, com a perda de instrumentos essenciais para o desenvolvimento e o desvio do erário público de milhares de milhões de euros de resultados e impostos.

Tais são algumas das consequências da política da última década, enquadrada pela estratégia de Lisboa.

Os promotores desta política, depois de passarem anos a invocar o défice para todo o tipo de cortes no plano social, nos últimos dois anos, invocando o agravamento da crise, usaram gigantescos recursos públicos para apoio e sustentação do sistema financeiro e das suas operações especulativas: 20 mil milhões de garantias, 4 mil milhões de apoios e milhares de milhões para beneficiar bancos que entraram em processos fraudulentos como o BPN e o BPP. Verbas a que se acrescentam mais alguns milhares de milhões de euros de fundos públicos do Orçamento de Estado e da segurança social para as associações e confederações patronais em apoios dirigidos sectorialmente.

Tudo isto no quadro do brutal agravamento das injustiças e desigualdades sociais, numa chocante contradição entre por um lado, as dificuldades crescentes dos trabalhadores e do povo, 20% da população a viver em situação de pobreza, as novas gerações com perspectivas cortadas, o País atingido pela recessão e a estagnação económica e, por outro lado, os lucros dos grupos económicos e financeiros e as benesses dos seus accionistas e gestores e a agudização de situações de corrupção, inseparáveis do domínio do grande capital e da sua ideologia sobre a economia, o poder político e a vida nacional.

Esta é a realidade chocante que nos é revelada. Em apenas seis anos, de 2004 a 2009, os principais grupos económicos e financeiros acumularam lucros superiores a 32 800 milhões de euros, verbas que seriam suficientes para construir mais de vinte novas pontes sobre o Tejo. Em 2009 ano referido como o pico da crise os lucros dos principais grupos foram significativamente superiores aos que tinham atingido em 2004 e, no primeiro trimestre deste ano, só o sector financeiro teve de lucro 5 milhões de euros por dia.

É toda uma linha de retrocesso social, uma política de classe ao serviço dos grupos económicos e financeiros, que ganham sempre. Os grupos económicos e financeiros, elevam os lucros quando não há défice, elevam os lucros quando há défice, elevam os lucros quando não há crise e elevam também os lucros e quando há crise. É verdadeiramente uma política de classe ao seu serviço de que beneficiam em todas as circunstâncias.

As classes dominantes, a grande burguesia monopolista, os seus representantes políticos, os seus propagandistas, empenham-se em dar continuidade a esta política e ambicionam dar saltos qualitativos na sua concretização, aprofundando todos os problemas no caminho do agravamento da exploração, da acentuação das injustiças sociais e do desastre nacional.

O Tratado de Lisboa, a estratégia Europa 2020, o pacto de estabilidade e os chamados programas de estabilidade e crescimento, são o enquadramento dessa regressão social. Corte no investimento público, privatizações, desagregação da administração pública, ataque ao serviço nacional de saúde e à escola pública, congelamento e redução de salários e pensões, corte no subsídio de desemprego e em outras prestações sociais, desemprego, precariedade, violação de direitos, maiores lucros para o capital, mais exploração, injustiças e desigualdades sociais, são algumas das orientações que querem impor.

É inaceitável, é uma declaração de guerra aos trabalhadores e ao povo. O que querem é que no horizonte de 2015/2020 os trabalhadores e o povo português tenham condições de vida piores das que tinham no inicio do século, comprometendo o futuro do País, tendo como única consequência o agravamento da exploração e o aumento dos lucros do capital monopolista.

Em Portugal, no seguimento das maiores lutas das últimas décadas, greves sectoriais, uma greve geral, grandes manifestações nacionais, como nos outros países da Europa, entrámos num novo ciclo da luta de massas que passa desde já pela grande manifestação nacional de 29 de Maio, convocada pela CGTP-IN.

A situação exige uma nova política que passa pelo investimento público, o reforço do aparelho produtivo e da produção nacional, a criação de emprego com direitos, o aumento dos salários e das pensões, a organização e redução do horário de trabalho, a defesa dos direitos sociais, a garantia de um sector público forte e determinante, o apoio às PME, a defesa dos serviços públicos e das funções sociais do Estado.

A situação exige a ruptura com a política de direita, uma profunda mudança, a concretização duma política patriótica e de esquerda, um rumo de cooperação entre povos e os países da Europa, no quadro da luta por uma democracia avançada e pelo socialismo.

Temos a convicção que tal é possível, desenvolvendo as lutas dos trabalhadores e dos povos, reforçando o movimento sindical e a sua orientação de classe, fortalecendo as diferentes organizações de massas, afirmando a acção determinada dos partidos comunistas e revolucionários, das forças de esquerda e progressistas, na Europa e no mundo.

As exigências são grandes. A nossa convicção e a nossa determinação são e serão ainda maiores.

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