Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República

«Um Orçamento contra os interesses do povo e a soberania do país»

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Orçamento do Estado para 2011 (debate na generalidade)
(proposta de lei n.º 42/XI (2.ª)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
De facto, o Sr. Primeiro-Ministro não tem razão quando fala do seu Orçamento. O Orçamento da parceria entre o PS e o PSD só pensa, de facto, no défice, não pensa rigorosamente em mais nada.
O Orçamento da parceria PS/PSD não pensa na economia, não pensa nas pequenas empresas, não pensa nos trabalhadores, não pensa em Portugal e não defende, ao contrário do que diz, o interesse do nosso País, só pensa, de facto, nos poderosos, nos mercados e em submeter-se aos ditames da banca.
O Orçamento da parceria PS/PSD, Sr. Primeiro-Ministro, ao contrário do que o senhor diz, é, na verdade, um orçamento de autêntica estagnação económica, um orçamento que vai, com certeza, agravar ainda mais o drama do desemprego.
O Sr. Primeiro-Ministro fala muito nos mercados financeiros, mas gostava de lhe falar no Estado social.
Falou, na sua intervenção, no Estado social e, por isso, ainda se deve lembrar do que é, se bem que o seu Orçamento pareça escondê-lo completamente. O senhor, na sua intervenção, voltou a acusar a direita de querer destruir o Estado social. É verdade! A direita quer destruir o Estado social, até o quer extirpar da própria Constituição, mas o senhor para lá caminha, o senhor e o seu Governo para lá caminham.
Nas políticas e nas propostas, o senhor e o seu Governo contribuem decisivamente para a degradação e a destruição do Estado social.
Quer exemplos, Sr. Primeiro-Ministro? Vou dar-lhe quatro exemplos: na segurança social, o senhor quer cortar 984 milhões de euros; no Serviço Nacional de Saúde, anuncia uma machadada de mais 600 milhões de euros; no Ministério da Educação, são cortados 884 milhões; no ensino superior, são 367 milhões de corte. Ao todo, Sr. Primeiro-Ministro, são 2835 milhões de cortes nas áreas sociais, quase 3000 milhões de cortes nas áreas sociais! A sua política, o seu Orçamento, Sr. Primeiro-Ministro…
Como estava a dizer, a sua política e o Orçamento da parceria PS/PSD, Sr. Primeiro-Ministro, visam
degradar e destruir, de facto, o Estado social. Não é possível defender o Estado social e aprovar ou viabilizar, simultaneamente, este Orçamento. E nós não vamos pactuar com esta degradação e com esta destruição!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
Discutimos hoje uma proposta orçamental de estagnação económica e de retrocesso social que os
banqueiros e os designados mercados financeiros querem impor ao nosso País e ao nosso povo. Uma
proposta orçamental em que um Governo dócil e colaborante executa as propostas políticas que melhor servem os interesses da especulação financeira, a estratégia dos grandes grupos económicos e o autoritarismo e a arrogância do directório político de uma União Europeia totalmente dominada pelo eixo franco-alemão.
Discutimos hoje um Orçamento ditado de Bruxelas mas que é da responsabilidade política do PS e do
PSD, esse centrão partidário quase pantanoso que, ano após ano, governo após governo, encontra sempre forma de convergir na imposição de mais sacrifícios para os trabalhadores e para a grande maioria dos portugueses e na criação de renovadas facilidades e vantagens para os grandes interesses económicos e financeiros.
A história mais recente aí está para o voltar a confirmar: para além das farsas ao jeito de telenovelas
mexicanas, para além do desperdício de rios de tinta, as opções neoliberais de austeridade, as políticas de direita contra a soberania e os interesses do povo e do País constituem o cimento que os leva, aos dois, ao PSD e ao PS, a encenar acordos que até podem alterar pormenores secundários mas que mantêm a mesma estratégia essencial de profunda injustiça social e de crescente subalternidade e dependência da nossa economia.
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
O Orçamento do Estado para 2011 parte de uma ficção que é resultado de uma mentira política do Governo até há poucos dias atrás.
O défice em 2010 só não vai ser de, pelo menos, 8,3%, porque o Primeiro-Ministro, fazendo «tábua rasa» do que sempre aqui disse durante mais de cinco anos, vai integrar o Fundo de Pensões da PT, uma empresa privada, e utilizar receitas extraordinárias no valor de 2600 milhões de euros, sem dar informações credíveis do que essa integração significa sobre as responsabilidades futuras da segurança social.
Tal como fez Durão Barroso e Santana Lopes, que na altura tanto criticou, o Primeiro-Ministro «martelou» as contas públicas de 2010 com esta receita extraordinária e, submarinos à parte, procura esconder «buracos» até agora não devidamente explicitados nem explicados no SNS, na Estradas de Portugal e nas transferências para o poder local.
Para além disto, o Governo baseia o Orçamento num cenário macroeconómico sem pés nem cabeça, em que nem ele próprio acredita.
Prevê o Governo um crescimento de 0,2% do PIB quando todas as entidades prevêem nova recessão.
Prevê um crescimento de 7,3% nas exportações, apesar de admitir que a procura externa baixe para
metade. Prevê este crescimento nas exportações enquanto estima que as importações diminuam, um cenário incompatível com a actual estrutura da nossa economia.
Prevê que o consumo privado apenas baixe meio ponto percentual quando se esperam fortes quebras no rendimento com os cortes nos salários e prestações sociais, o congelamento das pensões e o aumento dos impostos.
Só o Governo consegue a proeza de estimar a descida de todos os indicadores com relevância para o
crescimento, à excepção das exportações, e, ao mesmo tempo, ter a lata de ainda esperar crescimento
económico.
Mas é o próprio Governo, Srs. Deputados, que acaba por reconhecer que a recessão económica é inevitável. Quando prevê o valor do crescimento económico, o Governo usa um cenário optimista para induzir o valor anunciado de 0,2%; quando estima o aumento da receita fiscal, o Governo já usa
outra previsão, que nos conduz, afinal, para uma recessão de -0,7%!
É caso para dizer «gato escondido com o rabo da recessão de fora»!
Mantém-se, entretanto, a habitual manipulação na taxa de desemprego.
O Governo previa para 2010 uma taxa de desemprego de 9,8%; agora reconhece que, em 2010, será de
10,6%, mas, não obstante a recessão económica em que vai lançar o País, considera que o desemprego só subirá mais duas décimas.
Não é engano nem uma previsão mal feita este valor do desemprego. Ao subestimar intencionalmente a taxa de desemprego, o Governo tenta justificar o injustificável, tenta justificar o corte de quase 7% das verbas para apoiar os desempregados, num País onde o desemprego não pára de bater recordes, fruto das políticas de austeridade a que nos conduzem as parcerias entre PS e PSD que já viabilizaram o Orçamento de 2010 e se preparam para votar o Orçamento de 2011.
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
Importa também sublinhar a total identificação de políticas e de propostas concretas que levaram o PS e o PSD a entenderemse para viabilizar o designado «orçamento dos banqueiros».
Como diz hoje ao Jornal de Negócios Ricardo Salgado, Presidente do BES, «Fizemos bem as coisas com
este acordo orçamental».
Valeu, então, a pena a «via-sacra» da Lapa até ao Terreiro do Paço, acrescentamos nós, hoje, aqui!
Na realidade, PS e PSD vão viabilizar este Orçamento, porque ambos concordam com o corte dos salários dos funcionários da administração central, local e regional, dos médicos, dos enfermeiros, dos professores, dos magistrados, dos agentes de segurança, dos militares — bodes expiatórios e verdadeiros alvos prioritários de uma política injusta e cega de austeridade.
PS e PSD vão viabilizar este Orçamento porque estão ambos de acordo com o congelamento das pensões e das reformas, com a escandalosa extinção do 4.º e 5.º escalões e com a eliminação da majoração para os dois primeiros escalões do abono de família, com novos cortes nas
comparticipações dos medicamentos, em especial aos idosos e aos doentes crónicos, com mais cortes no complemento solidário para idosos ou com as novas regras populistas da direita, do CDS-PP, que impedem, de facto, o acesso ao subsídio de desemprego a centenas de milhares de portugueses desempregados, como se a responsabilidade desta tragédia social lhes fosse, porventura, imputável.
PS e PSD vão viabilizar este Orçamento porque estão ambos de acordo com os cortes cegos no investimento público, que, ano após ano, constituem a pedra de toque de sucessivos orçamentos e que determinam, em 2011, que o PIDDAC preveja apenas 2260 milhões de euros contra os 6720 milhões de euros de 2005, primeiro ano do primeiro governo do Eng.º Sócrates, e contra os 2833 milhões de euros em 2010, uma quebra relativa superior a 20%, com consequências evidentes no
aprofundamento das assimetrias regionais e na degradação crescente da coesão interna do nosso país.
E basta ler o chamado «protocolo de entendimento entre o Governo e o PSD» para concluirmos que, afinal, só vão estudar e analisar as parcerias público-privadas (PPP), porque em momento algum escrevem e muito menos decidem terminar com este «maná» de lucro fácil e garantido para os grupos ligados à construção civil e à banca, que lhes suporta a engenharia financeira. Tanta bazófia para, afinal, garantirem que o modelo das PPP tem futuro garantido, sob a «batuta» do PS ou sob a «batuta» do PSD.
PS e PSD vão viabilizar este Orçamento porque ambos desejam ardentemente prosseguir e acelerar a
privatização de empresas públicas, que garantam lucros fáceis aos grandes grupos económicos e contribuam para a degradação e destruição de serviços públicos essenciais.
PS e PSD vão viabilizar este Orçamento porque ambos estão de acordo em ampliar a injustiça fiscal, com o aumento do IVA, o mais injusto dos impostos, cujo peso relativo passa de 29,8% para 39,2% do total das receitas fiscais, uma subida de 10 pontos percentuais em apenas dois anos, ou com o aumento do peso do IRS face ao IRC, uma vez que o imposto sobre lucros empresariais já só representa menos de 30% do total dos impostos directos.
A parceria entre PS e PSD para viabilizar este Orçamento é tão forte e íntima que até vão subscrever actos de quase pura propaganda, como seja a chamada «contribuição sobre o sistema financeiro», que ninguém sabe quanto vai, afinal, valer e — pior ainda, Srs. Deputados — que o Governo quer remeter para decisões de gabinete, longe do escrutínio parlamentar e da opinião pública.
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
O Orçamento do Estado para 2011 mostra bem como é que este Governo trata o Estado social. O Governo costuma encher a boca de retórica em defesa do Estado social e acusar o PSD de o querer destruir, mormente em sede constitucional, mas a verdade é como o azeite, vem sempre à tona, aparece sempre com a crueza e clareza dos números orçamentais.
O Governo, em 2011, prevê na segurança social um corte de 984 milhões de euros, no Serviço Nacional de Saúde um corte de mais 600 milhões de euros, no Ministério da Educação um corte de 884 milhões de euros relativamente ao orçamentado em 2010 e no Ministério do Ensino Superior um corte de um valor próximo dos 370 milhões de euros. Isto é, nas áreas fundamentais do Estado social, o Governo nem pensa duas vezes e, de uma penada, dá uma «machadada» de quase 3000 milhões de euros no designado Estado social.
Mas há ainda mais e ainda mais grave no que respeita ao Estado social: o peso das despesas com as
funções sociais no Orçamento baixa de 18,2% para 16,4% do PIB, um corte de 1,8%, num ano em que se prevê, como disse Bruto da Costa numa recente entrevista, que o número de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza suba para 2,2 milhões de pessoas, isto é, mais 400 000 do que em 2008, o que corresponde a cerca de 22% da população em Portugal.
Diz-se que a vontade antiga do PSD é extirpar da Constituição tudo o que «cheire» a Estado social. Mas, como temos dito e o Orçamento confirma, a verdade é que o PS para lá caminha e concretiza e executa, na prática, tudo o que o PSD deseja mudar na Constituição.
Não basta, portanto, dizer que se defende o Estado social, é preciso demonstrá-lo, Srs. Deputados. E o Orçamento para 2011 mostra bem como este Governo, afinal, despreza o Estado social, que tanto diz defender.
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Deputados:
Portugal precisa de uma alternativa política que rompa com o ciclo do declínio, e essa alternativa, ao contrário do que teima em insistir o PS, existe, mas terá de romper com as orientações neoliberais, dizer não ao directório alemão da União Europeia e fazer frente aos interesses dos grandes grupos económicos e à especulação financeira.
Uma alternativa que passe pelo crescimento económico e pelo investimento e que combata o desemprego, em vez de apostar no controle fundamentalista de um défice, que nos leva a todos para o caminho da recessão e do retrocesso social.
Uma alternativa que aposte na produção, na defesa da agricultura e das pescas, na defesa e reforço da
capacidade das micro e pequenas empresas, na defesa e reforço da nossa capacidade industrial, no controle das importações e no combate, sem tréguas, à dependência externa e à subserviência política.
Uma alternativa que combata as desigualdades, que melhore as condições de vida dos trabalhadores, dos reformados e da população em geral e que promova uma autêntica justiça fiscal.
Uma alternativa que não tem abrigo neste Orçamento, que terá de ser construída a pulso e exige a
esperada mobilização de cada vez mais portugueses na luta por uma vida melhor.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Ministro Teixeira dos Santos,
Permitia-me começar pelo princípio, pelo «pecado original», pela execução orçamental ou, se quiser, Sr. Ministro, vou falar sobre as receitas extraordinárias que, a não terem existido, levariam o défice para um valor certamente superior a 8,3% do PIB.
No passado dia 23 de Setembro, o senhor disse aqui, nesta Casa, o seguinte: «O objectivo de 7,3% é para cumprir, e vamos cumpri-lo. Por isso pergunto: está garantido? E digo sim. E estamos a progredir? Sim, estamos a progredir».
Mais à frente, disse o Ministro Teixeira dos Santos: «O grau de execução orçamental este ano está bem
abaixo do grau crítico e é o mais baixo grau de execução de despesa nos últimos anos».
Um pouco mais à frente, acrescentava: «A receita não fiscal está a evoluir abaixo do previsto e a Estradas de Portugal contava com uma receita que não vai obter». Sabemos hoje, não o disse na altura, que são os 200 milhões de euros da Concessão AE do Centro.
Sobre a Estradas de Portugal, dizia também o Sr. Ministro que «as dificuldades se agravaram porque
perdeu este ano, pelo menos, 100 milhões de euros da receita das portagens nas SCUT. Ora, 100 milhões de euros mais 200 milhões de euros somam 300 milhões de euros, mas o senhor há dias, no debate na Comissão de Orçamento e Finanças, disse que o défice da Estradas de Portugal era superior a 580 milhões de euros. É capaz de explicar-nos esta diferença de 280 milhões de euros?
Segunda questão: em 23 de Setembro (li tudo), o Sr. Ministro nunca se referiu a um «buraco» no Serviço Nacional de Saúde. No entanto, há dois dias anunciou que havia um «buraco» de 500 milhões de euros no Serviço Nacional de Saúde. Importa, portanto, Sr. Ministro, perceber o que aconteceu, onde aconteceu e quem beneficiou com o que aconteceu!
Era importante que o senhor desvendasse o mistério do «buraco» do Serviço Nacional de Saúde, porque a Sr.ª Ministra da Saúde, ainda há dois ou três dias, se recusou a fazê-lo!
É importante que, quando se debate o Orçamento do Estado, se perceba de onde parte e para onde vai, e é obrigação do Ministro dizê-lo aqui hoje!

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