Um despretensioso pequeno ensaio de leitura materialista-histórica do processo de integração capitalista europeia no impossível tempo de 10 minutos ou da CEE à UE - Intervenção de Sérgio Ribeiro

A Comunidade Económica Europeia (juntamente com a Comunidade Europeia
do Carvão e do Aço – CECA –, que a antecedia, e a Comunidade Europeia
da Energia Atómica – Eurátomo – que se lhe juntava) foi uma resposta de
classe, procurando adequar as relações macro-sociais, entre
Estados-nações, às exigências da evolução das forças produtivas durante
e no pós-guerra.

Resposta condicionada pela relação de forças (de classe), tendo por
isso que aceitar as conquistas sociais emergentes da vitória contra os
nazi-fascismos e o papel determinantemente condicionador do movimento
operário – sindical e político – e dos Estados e sistema socialista, no
quadro internacional

Os 6 países fundadores, apoiados pelos Estados Unidos (Plano Marshall e
tal…), fizeram o seu caminho de união aduaneira e de política agrícola
comum – porque outras, além do mais, o padrinho norte-americano não
aconselhava se é que não o proibia – até ao primeiro alargamento que,
de certo modo, compensou a impossibilidade do aprofundamento tentado em
paralelo na viragem da década 60 para a década de 70 com a falhada
tentativa de uma moeda comum ou única e passos no sentido da
supranacionalidade federal.

O caminho da resposta de classe, ou das respostas, não era linear por
efeito das contradições inter-capitalistas mas não só, e não menos,
também pela força dos constrangimentos impostos pelas expressões da
classe antagónica.

Nessa inflexão dos 6 passou-se a 9, dos 9 aos 10 e 12, entretecendo-se
uma periferia ao redor de um núleo super-integrado, ou de um potencial
directório de Estados-nações poderosas e ao serviço do capital, a
transmutar-se de multinacional em transnacional.

Em 1986, essa inflexão, já com a estrutura e designação de Comunidade
Europeia substituindo a de Comunidade Económica mais do Carvão e do Aço
mais da Energia Atómica, levou à necessidade formal de um documento, o
Acto Único, diria uma adaptação do Tratado de Roma às novas condições,
entre as quais se incluía a existência dessa periferia e quatro países
a claramente a ilustrarem – Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha.

Esse Acto Único institucionalizava o objectivo da passagem da união
aduaneira a mercado interno e reconhecia a necessidade de um objectivo
de coesão económica e social para, com transferência de fundos, atenuar
os efeitos de descoesão, de agravamento das desigualdades sociais e das
assimetrias regionais, que as liberdades de circulação, ligadas ao
mercado interno iriam inevitavelmente provocar e que era necessário
prever e prevenir, até pelos constrangimentos da luta de classe.

Sublinhe-se que essas liberdades de circulação, que 4 eram – de
mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais – tinha, como
resposta de classe que continuava a marcar o processo, a clara
prioridade para a livre, diria mesmo libertina, circulação de capitais,
com as comunicações a serem o fruto apetecido e prioritário, e também –
o que reforça a leitura materialista-dialéctica – a criarem as
condições objectivas com a “revolução industrial” do aproveitamento
cruzado, ao nível das forças produtivas, da informática, do telefone e
da televisão.

A queda dos países socialistas – e a complexidade da situação
evidencia-se logo na dificuldade de encontrar a palavra exacta para
definir o que aconteceu nos países socialistas na terminologia adequada
no inquestionável, mas muito esquecido quadro da luta de classes – pois
essa queda e desaparecimento e as suas consequências no movimento
operário, de classe, contribuíram decisivamente para a tentativa de
superar contradições e avançar, como Comunidade Europeia, para a União
Económica e a União Política, com um novo Tratado a
institucionalizá-las, o Tratado de Maastrich, logo com a criação da
União Económica e Monetária, da moeda única e do Banco Central Europeu,
congeminada para o núcleo duro mas que teve de ser alargada a outros e
tendo de aceitar as opções de ficar de fora dos povos dinamarquês e
sueco e, de certo modo, dos ingleses, contra a vontade de bem servir a
finança transnacional dos respectivos governos (e não só…).

Sem os constrangimentos anteriores, desaparecido e ausente um grupo de
países que impedia o capitalismo de estar sozinho no contexto
internacional e com o movimento operário, particularmente nas suas
expressões político-partidárias, enfraquecido e hesitante sobre que
rumo tomar nas novas condições, a coesão económica e social foi
esquecida como objectivo e foi o “para a frente e em força” da
integração europeia, cimentando a sua divisão do trabalho e
financeirizando a sua inserção numa globalização capitalista que é o
novo nome para o imperialismo nas novas condições, que, aliás, sempre
novas são.

No entanto, se desaparecida e ausente uma frente de luta e
constrangimento (embora só parcialmente porque países como Cuba
sobreviveram e só temporariamente também porque há nunca se desistiu de
recuperar essa expressão), se hesitante a do movimento operário e,
nalguns casos, procurando novos caminhos como o de transformar
revolução em mutação assim metendo na gaveta a luta de classes, à boa
maneira que nós portugueses conhecemos relativamente ao socialismo,
temos, Partido Comunista Português, a satisfação e o orgulho de estar
entre os que nunca hesitaram – apesar de esforços de dentro para que
mais que hesitar, alinhássemos com posições não de classe mas de
modernidades aclassistas – e sempre pautaram as suas posições pela
leitura da história que, aliás, ia sendo comprovada na história que se
vivia, passo a passo.

Nunca sozinhos, mas por vezes quase sozinhos, na frente de luta do
processo de integração europeia, as posições do PCP sempre foram as de
um partido de classe a lutar numa frente muito difícil, em que,
sobranceiramente, dominavam – e dominam – ideologias e falsas
desideologias que procuravam – e procuram – instaurar o absolutismo da
economia de mercado, estendendo-a a áreas como a dos serviços públicos,
e começaram pela das comunicações passando à generalidade dos serviços
públicos, não recuando perante a zona de direitos, como os da saúde e
da educação, considerados, e justamente, como excelentes mercados… se
mercados fosse legítimo considerá-los. No entanto, para a classe, tudo
é mercado e mercadoria… ou não tem razão para existir. Isto é, a partir
da essência do sistema em que a força de trabalho é mercadoria, o
desemprego mercadoria em stock, o salário o preço de encontro entre a
oferta e a procura de força de trabalho, com as mãozinhas invisíveis
que controlam o mercado a serem as da procura, aliás travestida em
benfeitores os que a compõem porque dariam emprego aos que dele
precisam…

Voltando à integração europeia, as posições do PCP, como farta
documentação o prova, sempre foi coerente com aquilo que é a sua
matriz. Não esteve contra os vários passos que foram dados pelo
processo em que se integra o País por “estar contra” ou por “ser sempre
do contra”.

Esteve contra Maastrich porque era a institucionalização, em novo
tratado, de um caminho que aproveitava as novas condições na relação de
forças de classe para passar a etapas mais avançadas.

Esteve contra essas novas etapas porque elas subalternizavam até ao
olvido a coesão económica e social e consagravam, a partir da
supranacionalidade e do primado de um flácido direito comunitário sobre
os direitos nacionais, o caminho imperial da finança, do
neo-liberalismo, do federalismo e do – sublinha-se – do militarismo.

Nesta direcção, a dita (mal) Constituição era o passo novo. E muito
importante. Mas os povos não dormem, embora muito do que é povo
adormecido pareça, e os votos franceses e holandeses levariam a que, se
as regras fossem cumpridas, arquivar o projecto. Mas como é apanágio
dos que não têm princípios nem valores, que estão ao serviço de um
sistema, de uma classe sem princípios nem valores, ou com princípios e
valores pervertidos segundo critérios de humanidade, não voltou tudo à
estaca zero mas procura-se remendar o ruím pano com manobras e
artifícios jurídicos como foi feito relativamente a Maastrich e ao não
dinamarquês.

É nesta luta que estamos. E com a responsabilidade acrescida de ver o
Partido dito Socialista que nos governa a ser protagonista marioneta
desta manobra, preparando-se para, na presidência que vai assumir no
segundo semestre de 2007, contribuir para a eventual recuperação do
processo de constitucionalização dita europeia.

Entretanto, com um presidente de Comissão que português é e lá chegou,
ao que já foi dito, por ter emprestado terreno nosso, casa nossa, para
a cimeira dos Açores que foi decisiva para o que iniciou a vergonhosa
invasão e ocupação do Iraque, e o que está acontecendo o comprova,
entretanto (dizia eu…) os alargamentos continuam.

Depois dos 25, que já são 27, configurando periferias várias, desde as
geográficas, às sociais e às monetárias (menos de metade dos
Estados-membros da dita União Europeia na União Económica e
Monetária-UEM), o alargamento à Turquia, entre muitas outras questões
que levanta, mostra, a exemplo da posição da OTAN, ou seja, da
Organização do Tratado do Atlântico Norte, no Afeganistão, a face
imperial e não regional em que se transformou a resposta de classe, tão
concertada como as contradições o permitem, passando do âmbito
económico, da base à superstrutura e ao domínio político e militar.

Esta é a nossa luta, contra a globalização imperialista, em todas as
frentes em que se manifesta, e ela, a luta, é entre classes.

Nós sabemos de que lado estamos!

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