Tribunal de Contas - Intervenção de Honório Novo na AR (e declaração de voto)

Quarta alteração à Lei da Organização e Processo do Tribunal de Contas, aprovada pela Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Ao avocar para Plenário a votação desta proposta de alteração, o PCP pretende impedir que a Assembleia cometa hoje um gravíssimo erro político e aprove uma norma da lei orgânica do Tribunal de Contas de conteúdo marcadamente inconstitucional.

Ao permitir, esta proposta de lei, que o Governo interprete e decida em sentido contrário às decisões jurídicas do Ministério Público, ao permitir que o Governo, ele próprio, interprete e decida avançar para julgamento com processos de investigação ou auditorias do Tribunal de Contas que o Ministério Público considerou improcedentes ou conveniente arquivar, ao permitir que os inspectores-gerais, com o beneplácito do ministério, avancem para tribunal com processos e relatórios de controlo interno não avalizados pelo Tribunal, ao permitir tudo isto, o Governo e o PS estão a enfermar de dois pecados mortais, passe a expressão.

Em primeiro lugar, estão a violar a Constituição, concretamente os artigos 214.º e 219.º, que atribuem funções exclusivas ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público para, respectivamente, fiscalizar contas e contratos públicos e para intervir judicialmente na defesa do interesse público. Estão, assim, a querer tutelar o Tribunal de Contas e a tentar substituir-se ao Ministério Público.

Em segundo lugar, estão a permitir a total governamentalização do Tribunal de Contas, porventura a concluir um processo já encetado de governamentalização dessa instituição, fazendo com que a chicana político-partidária de cariz governamental seja usada, com auréola da pretensa independência judiciária, contra adversários políticos, entidades e instituições que se recusem à subserviência e ao silêncio.

Por isso, entende o PCP que este é o momento de o PS arrepiar caminho, evitar aprovar normas anticonstitucionais e optar por soluções contempladas na proposta de alteração do PCP, que são soluções prudentes, na qual se confere papel central ao Ministério Público e se admite, subsidiaria e condicionalmente, a intervenção particular, seguindo, aliás, normas europeias e o resultado da síntese interna do próprio Tribunal de Contas.

Fazemos um apelo final ao PS para inverter posições e para impedir que seja aprovado algo que, do nosso ponto de vista, merecerá uma reflexão ponderada em sede de fiscalização da constitucionalidade.

 (…)

Declaração de voto

As convergências e matérias passíveis de poderem ser consensualizadas, que tinham sido entreabertas no âmbito das audições que antecederam o debate em plenário da proposta de lei n.º 73/X, que altera a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas aprovada pela Lei n.º 98/97, de 29 de Agosto, começaram a ser claramente minadas e subvertidas pelo Governo logo durante o debate na generalidade, pela voz e atitudes do seu representante, na ocasião o Secretário de Estado do Tesouro.

A discussão em sede de especialidade veio confirmar de forma clara e insofismável que as intenções do Governo quanto a esta proposta de lei não eram afinal as de convergir e de consensualizar questões que, pela sua importância e relevância nacional, mereceriam (e certamente teriam obtido) acordo alargado.

Em sede de especialidade, o Governo e o PS revelaram as suas verdadeiras intenções quanto a esta proposta de lei.

De facto, e para além de terem abandonado (e rejeitado) propostas que visavam obrigar a disponibilizar ao Tribunal de Contas dados on line relativos à execução orçamental; para além de, afinal, terem dado o dito por não dito e terem rejeitado uma abordagem mínima na elencagem de infracções passíveis de ocorrerem no conjunto das novas entidades e instituições que vão passar a ser objecto de fiscalização prévia — ajudando assim a construir uma espécie de «elefante branco» com grandes ambições de actuação e quase nenhumas armas para intervir, fiscalizar e sancionar —, o Governo e o PS aproveitaram esta alteração da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, para permitir que o Governo passe a conduzir e a tutelar as práticas e metodologias essenciais do Tribunal de Contas.

O PS e o Governo não se limitaram a rejeitar uma proposta do PCP que, à semelhança do que se passa na maior parte dos países comunitários, e dando corpo ao que tinha sido objecto de reflexão interna do próprio Tribunal de Contas, abria a hipótese de, subsidiariamente, permitir a intervenção de interesses particulares. O PS e o Governo foram ainda mais longe. Não só não eliminaram a possibilidade do Governo, através dos inspectores-gerais e dos órgãos de controle interno (que estão na sua dependência) decidirem ao arrepio e contra os relatórios e as auditorias do Tribunal de Contas, avançando de forma quase unilateral com processos judiciários (tendo por base os seus próprios actos inspectivos), como agravam ainda mais a situação, permitindo que seja também o Governo — agora directamente —, a contrariar decisões do Ministério Público tomadas com base na análise técnica e jurídica dos processos.

O Governo e o PS introduziram uma norma que, quanto a nós, viola claramente o artigo 214.º da Constituição da República porque furta ao Tribunal de Contas a competência constitucional única e exclusiva de auditar e fiscalizar em matéria de responsabilidades financeiras públicas e porque se arroga a poder contraditar e interpretar de forma diferente a competência fundamental que o Ministério Público tem na defesa dos interesses públicos.

O Governo e o PS mostram, com a aprovação de uma nova redacção do artigo 89.º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, que pretendem instrumentalizar o Tribunal de Contas e o Ministério Público, assumindo- se o Governo como uma espécie de segundo Ministério Público que decidiria da oportunidade, ou não, de demandar a justiça e de proceder contra pessoas, instituições, câmaras municipais ou quaisquer outras entidades que eventualmente não recebessem o crédito ou a indulgência governamental.

Por isso mesmo, deve esta lei, e em especial a nova redacção do artigo 89.º, merecer e justificar a melhor atenção em sede de fiscalização da constitucionalidade.