Declaração de Vasco Cardoso, membro da Comissão Política do Comité Central, Sessão Pública «Transporte público. Sector estratégico para garantir o direito à mobilidade e coesão territorial»

Transporte público. Sector estratégico para garantir o direito à mobilidade e coesão territorial

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Cumpriu-se, no passado dia 1 de Abril, em plena fase de confinamento de grande parte da população face às medidas de prevenção e combate ao surto epidémico, um ano de redução do preço dos passes do transporte público. Tratou-se, como na altura o PCP sublinhou, de um passo de enorme significado para uma parte importante da população. Importante para os que vivem e trabalham nas grandes áreas metropolitanas, pela enorme abrangência da medida e redução significativa dos custos da mobilidade. Importante para os que residem no restante território nacional, onde também se verificaram as reduções nos preços, mas sobretudo por se ter colocado na ordem do dia a necessidade de construir uma oferta pública de transportes em todo o território nacional, que não existe.

Importante para o País porque, depois de muitos anos de políticas contrárias ao desenvolvimento do transporte público, de privatizações, de redução e eliminação de ofertas, de aumento dos preços, foi possível adoptar uma medida de sentido contrário e enorme alcance, seja do ponto de vista social com a melhoria das condições de vida das populações, seja do ponto de vista económico, reduzindo as importações de combustível e viaturas e contribuindo para o equilíbrio territorial, seja do ponto de vista ambiental, reduzindo emissões e ruído e o consumo de matérias-primas. Tal medida tem, como fizemos sempre questão de sublinhar, a marca do PCP e da luta que as populações foram travando. A marca das propostas dos comunistas na Assembleia da República e nos Orçamentos do Estado que lhe deram expressão, a marca das autarquias CDU que se empenharam particularmente para a concretização desta medida e arrastando outras consigo, a marca de anos e anos de luta, de denúncia e combate, de esclarecimento e mobilização para a conquista de um direito que se veio a confirmar a 1 de Abril de 2019.

Mas esse avanço tão importante e necessário, apenas abriu caminho a um longo percurso que o País precisa de percorrer no plano dos transportes públicos. O surto epidémico requer medidas específicas de resposta na actual fase, mas não pode apagar, nem afastar, a necessidade de se continuar a aprofundar um caminho de exigência nos transportes públicos.

No imediato temos colocado a necessidade da reposição integral da oferta que estava assegurada antes do surto epidémico. A reposição que se quer fazer da actividade económica e da vida social não pode ser garantida se não estiver assegurado o direito ao transporte. Os relatos que nos chegam no entanto revelam-nos problemas que não estão a ter a resposta necessária, levando inclusivamente a situações de sobrelotação de carruagens, de barcos e autocarros, quando aquilo que as autoridades de saúde recomendam é precisamente o inverso. Para o PCP é necessário assegurar uma oferta que garanta que se cumprem as regras de distanciamento sanitário, limitando a lotação, mas alargando a oferta e assegurando a sua higienização regular. Não pode acontecer como temos visto, as autoridades intervirem para multar utentes porque não usam máscara e ao mesmo tempo permitirem que circulem comboios ou autocarros lotados como assistimos nas últimas semanas.

Neste processo, fica também claro que, para garantir uma resposta adequada e de segurança para as populações, o País não pode estar dependente dos operadores privados, designadamente dos grupos económicos que operam no sector rodoviário. A chantagem permanente com que exigem mais e mais recursos públicos para garantir a oferta de transporte – tirando inclusive partido da situação colocada pelo Covid 19 – é reveladora de que o País não pode estar, nem sujeito, nem dependente desse tipo de pressão e chantagem. Neste contexto, sobra ainda o problema resultante da perda de receitas por parte das empresas públicas de transportes como a CP, mas também por parte das autarquias cujos compromissos no financiamento parcial da redução tarifária assentavam numa estimativa de receitas que não foi atingida nas últimas semanas pelas razões que são conhecidas. É preciso responder com verbas provenientes do Orçamento do Estado para compensar a quebra de receitas, impedindo que se aprofunde, quer o endividamento das empresas públicas, quer o estrangulamento financeiro dos municípios. Para o PCP, a redução tarifária que se alcançou não se tratou de um episódio isolado, mas de uma opção de fundo e estratégica que precisa de ser aprofundada e que não pode ser posta em causa a pretexto do surto epidémico.

Sim. A aposta no transporte público colectivo precisa de ser estrutural e requer níveis de investimento, de planeamento económico e de gestão operacional capazes de impor um salto qualitativo nesta matéria em Portugal. Desde logo pela expansão da rede invertendo o caminho que levou ao encerramento de centenas de quilómetros de caminho de ferro, privando largas faixas do território nacional deste meio de transporte estruturante, mas também no alargamento da oferta a começar pela oferta no plano ferroviário. Em Portugal há mais de 20 anos que não se compra um único comboio e o investimento que está actualmente previsto, deixa de fora o material circulante, quer para o serviço inter-urbano, quer para o longo curso. Sabemos que nos bastidores desta decisão, não estão apenas questões orçamentais, mas a intenção não declarada da entrega destes serviços a grupos económicos privados no quadro da liberalização ferroviária promovida pela União Europeia, num quadro de fragilização da CP. Para o PCP, a CP deve assumir-se como grande e único operador ferroviário no plano nacional, envolvendo quer a operação quer a rede, o que exige a integração da REFER na CP, potenciando uma gestão integrada do mais estruturante modo de transporte para o futuro.

No sector rodoviário emerge com grande clareza a necessidade da reconstituição de um operador público nacional capaz de assegurar uma resposta em larga escala a todo o território, libertando quer o Governo, quer os municípios da chantagem e pressão dos grupos privados, assegurando um significativo aumento da oferta, capaz de levar os benefícios da redução tarifária a todo o território nacional, atraindo milhares de pessoas para o transporte público e que são hoje empurradas ou para o transporte individual ou para o isolamento.

Não ignoramos as vozes que se vão ouvindo e que procuram antecipar e tornar “inevitável” o regresso aos tempos dos PEC e do Pacto de Agressão da Troika, transferindo para cima dos trabalhadores e do Povo português os impactos das medidas de prevenção e combate ao surto. Mas o que esta situação veio revelar é precisamente a necessidade de se garantir uma outra política. Tal como se revelou com o Serviço Nacional de Saúde, também o serviço público de transportes precisa de ser reforçado, nas suas empresas públicas e no seu investimento. A produção em Portugal de material circulante que já existiu deve ser retomada numa altura em que alguns descobriram a importância da industrialização. O alargamento da oferta de transportes em grande parte do território nacional precisa de ser assumido de forma prioritária e como elemento central para um território mais equilibrado, coeso e harmonioso. A redução dos preços deverá ser prosseguida, visando a gratuitidade do transporte público, reduzindo significativamente o recurso ao transporte individual, quiçá a medida do ponto de vista ambiental mais estruturante para os próximos anos. Os direitos e os salários dos trabalhadores das empresas de transportes precisam de ser valorizados e mais trabalhadores precisam de ser contratados, respondendo também desta forma às exigências que se irão colocar no plano do emprego.

Estes são alguns dos elementos para um debate sobre um tema que mexe com a vida de milhões de portugueses, de trabalhadores, de estudantes, de reformados e pensionistas e que é estratégico para o desenvolvimento do País. Não andaremos longe da verdade se dissermos que a aposta no transporte público pode ser uma parte importante da resposta económica e social que nos próximos tempos será exigida ao nosso País.

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