Projecto de Resolução N.º 144/XI-1ª

Transporte ferroviário

Transporte ferroviário

Pela dinamização do investimento público e modernização do transporte ferroviário

Exposição de motivos

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A profunda crise económica em que o país se encontra, a estagnação e o crescente desemprego, reclamam, não o corte, mas uma forte aposta no investimento público de qualidade, induzindo o investimento privado, promovendo a actividade dos sectores produtivos, o crescimento económico e a criação de emprego.

Com as medidas previstas no PEC 2010/2013, o Governo determinou novos e mais profundos cortes no investimento público – incluindo o adiamento da Terceira Travessia sobre o Tejo e o Novo Aeroporto –, remetendo o seu peso no PIB para o nível mais baixo em 35 anos.

A não ser interrompida, esta acção de forte quebra do investimento público e privado terá inevitavelmente graves reflexos na economia nacional, no desenvolvimento regional e na vida das populações, agravando as dificuldades de desenvolvimento das actividades produtivas e dos equipamentos sociais, e conduzindo o país para o desastre.

É neste quadro que o reforço do investimento público, designadamente na área dos transportes e da logística, é necessário ao país. Um investimento na modernização do transporte ferroviário, e em particular na rede de alta velocidade, que contribua para combater a crise, para induzir ao crescimento económico, para dinamizar o aparelho produtivo, para criar emprego e modernizar o país.

2
O país precisa de uma concepção estratégica de desenvolvimento integrado e de modernização do sistema de transportes e logística, com uma perfeita interligação e complementaridade entre as várias componentes – rodoviário, aéreo, marítimo, fluvial e ferroviário – destinado ao tráfego de passageiros e de mercadorias

É neste contexto que a alta velocidade poderá contribuir para a modernização e consolidação do sistema ferroviário, como factor estruturante do sistema de transportes do nosso País.

A alta velocidade, pela redução substancial dos tempos de trajecto, é potencialmente um factor de aproximação entre as populações, proporcionando um transporte com maior segurança, conforto e rapidez; promovendo a eficiência energética e menores impactos ambientais.

Assim seja a rede nacional de Alta Velocidade Ferroviária concebida num todo coerente e integrado na rede ferroviária nacional, garantindo assim as conexões com todas as regiões do País, e com a sua implementação no contexto do desenvolvimento harmonioso do caminho-de-ferro, de modo a construir uma malha coerente e funcional no território.

Os objectivos deste projecto têm de ser os de contribuir, através do caminho-de-ferro, para aproximar as regiões e as populações do País, diminuir as assimetrias regionais, criar uma rede ferroviária coerente com diferentes velocidades e menores tempos de viagem, com conexões entre elas, com verdadeiros interfaces com os outros modos de transporte e aumentando assim a componente ferroviária no transporte de passageiros e mercadorias.

3
O único modelo que defende o interesse público e o interesse nacional, que permite a gestão mais adequada dos recursos, que promove o aparelho produtivo nacional, é o modelo de gestão pública, na concepção, construção e exploração da infra-estrutura.

Esta não tem sido a concepção de diferentes governos, nem é aquela que está admitida na política de desastre nacional contida no Programa de Estabilidade e Crescimento.

É indispensável o abandono do modelo de negócio assente nas chamadas "parcerias público-privadas", em que os custos para o Estado são escandalosos e cuja única garantia são os lucros das empresas privadas.

Não se pode aceitar que se aprofunde o caminho de desmantelamento e privatização da CP, como já prevêem os novos Estatutos da empresa decididos pelo Governo. Deve ser a REFER a assegurar a gestão da infra-estrutura e deve ser a CP a fazer a exploração do serviço, no contexto da rede ferroviária nacional como um todo.
Só assim o sistema ferroviário poderá desempenhar o seu papel estruturante e estratégico para a economia nacional, para as populações e para o país.

4
Por seu turno, o investimento a desenvolver na concretização destas infra-estruturas ferroviárias para a Alta Velocidade deve ser definido numa perspectiva de planeamento estratégico, apontando horizontes e etapas de faseamento e assumindo prioridades.

Face ao actual estado de desenvolvimento económico, social e territorial no nosso país, e perante as características das redes de transportes e logística, a prioridade para avançar na construção de uma nova ligação deve ser apontada para o eixo Lisboa/Madrid, prosseguindo a concretização da Rede Transeuropeia de Transporte Ferroviário, nomeadamente nesta vertente da Alta Velocidade.

As opções para o modelo estratégico e a base técnica para a concretização da infra-estrutura ferroviária devem apontar para o melhor equilíbrio entre os custos de investimento e de manutenção, impactos ambientais e sociais – incluindo desde logo as opções de corredores e traçados, a localização e concepção dos terminais e estações, os quais devem ser objecto de análise criteriosa, promovendo a qualidade do serviço, o conforto, a acessibilidade e centralidade.

É indispensável garantir em todos os momentos uma efectiva articulação e trabalho conjunto no planeamento estratégico, nomeadamente com o Estado Espanhol. Tal perspectiva deve estar sempre presente, desde logo no que concerne às opções a tomar – e ao seu momento – em matéria de migração de infra-estruturas ferroviárias para a bitola UIC (vulgo bitola europeia).

Deve ser considerada a opção por investimentos em infra-estruturas ferroviárias que permitam a adequação e a capacidade de resposta no médio/longo prazo; que nesse horizonte de futuro evitem ou minimizem limitações indesejadas à operação de transporte ferroviário – designadamente no que concerne ao tráfego misto, ou seja, na possibilidade do transporte de mercadorias.

A opção pelo material circulante, principalmente no arranque da Alta Velocidade, tem enorme importância, não só quando ao custo da frota propriamente dita, mas também aos custos de exploração (incluindo energia), manutenção, etc.

5
A introdução da Alta Velocidade Ferroviária no nosso país deverá estar associada à elaboração de um programa ferroviário nacional, que inclua desde logo a reactivação de linhas e criação de novas ligações em caminho-de-ferro, garantindo nomeadamente que nenhuma capital de distrito seja excluída da operação de transporte ferroviário em serviço público, através de operador público com efectivo financiamento por via de indemnizações compensatórias.

A rede ferroviária nacional tem de se modernizar e desenvolver, os comboios têm de diminuir os tempos de trajecto e aumentarem os seus níveis de qualidade, quer no que se refere ao tráfego de passageiros (longo curso, regionais e suburbanos), quer no que se refere ao tráfego de mercadorias, no contexto do sistema de transportes como um todo, no qual haja complementaridade entre os diversos modos de transporte.

Todas estas modernizações devem ser feitas com aumentos substanciais de velocidade, novas sinalizações, electrificação, duplicação nos troços mais carregados, sistemas de controlo automático de velocidade e melhoria substancial da qualidade e funcionalidade das estações, quer no caso das que efectuam apenas serviço ferroviário, quer no caso das que serão interfaces com outros modos de transporte e com o próprio caminho-de-ferro, através de ligações ou enlaces de diferentes serviço, incluindo a alta velocidade.

A Terceira Travessia do Tejo entre Lisboa e o Barreiro assume um evidente destaque no quadro da ligação ferroviária de Alta Velocidade Lisboa/Madrid, pelo que seria impensável considerar uma “linha” que tivesse o seu término no Poceirão; e este projecto reveste-se de uma importância incontornável para a mobilidade metropolitana e para a rede nacional de transportes e logística, envolvendo não só as acessibilidades rodoviárias como a ferrovia convencional para transporte de mercadorias e passageiros – seja nas ligações suburbanas seja de longo curso.

Este é um projecto estruturante para a definição do território da Área Metropolitana de Lisboa, cidade região de duas margens, polinucleada, que, projectando-se no contexto ibérico e internacional, contribua por seu turno para a promoção do País nesse mesmo contexto. Potenciando as condições e a qualificação deste território, desde logo com a estratégia de requalificação já apontada no Projecto “Arco Ribeirinho Sul”, estamos perante um projecto estratégico para o desenvolvimento integrado, para a dinamização da actividade económica e do emprego com direitos, a requalificação territorial e ambiental.

6

Por último, nesta decisão deverá estar garantida uma larga percentagem de incorporação de produção nacional neste projecto.

Apesar da liquidação do aparelho produtivo nacional, e em particular, de indústrias directamente associadas ao transporte ferroviário, este projecto coloca uma oportunidade ao nosso país para corrigir uma política que foi desastrosa.

As exigências de material circulante permitem o desenvolvimento de diferentes sectores produtivos como a metalomecânica, as metalurgias, as indústrias eléctricas, os têxteis, os moldes, a electrónica, etc; mas também a de construção da infra-estrutura (equipamentos diversos, catenária, sinalização, comunicações, construção civil, metalomecânica, pedreiras, etc.).

A exploração do transporte ferroviário de alta velocidade obriga a respostas de sectores de serviços como os estudos e engenharias de projecto, a gestão e optimização de sistemas de redes e a prestação de serviços associados, entre outros, que devem ser potenciados.

Assim, diminuindo as dependências externas e permitindo o desenvolvimento de novas relações e novas parcerias económicas, este projecto, a par do desenvolvimento da restante rede ferroviária nacional poderá ser um contributo decisivo para a diminuição dos défices estruturais nacionais e preparar o país para novas realidades como o esgotamento dos recursos energéticos fósseis no mundo.

O desenvolvimento da alta velocidade ferroviária obriga ao envolvimento de um alargado conjunto de sectores produtivos e de serviços. As opções políticas em torno destes projectos determinarão a possibilidade de uma verdadeira dinamização da indústria nacional cujos impactos ultrapassam a dimensão da própria alta velocidade. O investimento em infra-estruturas de alta velocidade, necessariamente integrado numa estratégia de desenvolvimento para o transporte ferroviário, implica assim, por definição, uma linha orientadora para a modernização da ferrovia convencional.

Assim, a Assembleia da República recomenda ao Governo como orientações essenciais no quadro da política de investimento público o seguinte:

1. O reforço do investimento público como factor determinante para a modernização e desenvolvimento do país, e como resposta necessária aos profundos problemas com que Portugal está confrontado, visando a dinamização do crescimento económico, o estimulo do aparelho produtivo nacional, a criação de emprego, incrementando o investimento em todas as suas dimensões e vertentes, na criação de equipamentos e serviços públicos vários, na reabilitação urbana, nos meios colocados à disposição do Poder Local, nos serviços de educação e de saúde, na indústria, no ambiente, na energia, nas comunicações e também nos transportes, designadamente do transporte ferroviário em Portugal, com a introdução da Alta Velocidade Ferroviária, com a ligação prioritária - para passageiros e mercadorias - entre Lisboa e Madrid.

2. A adopção dos procedimentos com vista à substituição do actual modelo de concessão a privados do projecto, construção, financiamento, manutenção e disponibilização da linha de AVF adoptado pelo Governo, tomando este as medidas adequadas para o efeito, por um modelo integralmente público com um papel determinante do conjunto das empresas públicas ligadas ao sector (CP e CP Carga, REFER, EMEF), que garanta do ponto de vista técnico, na construção e manutenção da infra-estrutura, a incorporação de uma elevada percentagem de produção nacional (85%) e a sua associação a um objectivo de desenvolvimento pelo sector público de todo o transporte ferroviário em Portugal.

3. A rápida adopção dos procedimentos necessários à concretização da Terceira Travessia do Tejo, com a ligação entre o Barreiro e Lisboa, assegurando as componentes rodoviária e ferroviária e garantindo o transporte de mercadorias e passageiros; investimento para o qual o governo terá de adoptar os procedimentos adequados com vista à construção e gestão pública da infra-estrutura e sua exploração.

Assembleia da República, em 19 de Maio de 2010

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