Intervenção de Francisco Lopes na Assembleia de República

"O tempo do governo está a esgotar-se, um tempo de decisão do caminho alternativo aproxima-se"

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(interpelação n.º 21/XII/4.ª)
Sr.a Presidente, S
rs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Portugal atravessa um dos períodos mais difíceis da sua história. Passaram esta semana quatro anos sobre o dia 6 de abril de 2011 em que, no seguimento dos PEC, o Governo PS de então, com o acordo do PSD e do CDS, decidiu colocar Portugal no caminho do pacto de agressão da troica.
O Governo PSD/CDS-PP aplicou entusiasmado esse programa correspondente às suas opções políticas, proclama uma saída que não se vê e continua a mesma política, com consequências que estão hoje bem marcadas na realidade portuguesa.
Qual é verdadeiramente o rasto da política de direita, da política dos PEC e do pacto de agressão, da ação do Governo? Que política é esta?
Esta é a política da destruição do aparelho produtivo e da produção nacional. O PIB, em termos reais, passou de 181 000 milhões de euros em 2008 para 169 000 milhões de euros em 2014, uma quebra de 6,6%, recuando para o nível existente em 2001, há uma década e meia.
Esta é a política do corte do investimento público. O investimento decisivo para manter a produção, as infraestruturas, equipamentos e para o desenvolvimento caiu de 7200 milhões de euros em 2009 para 4200 milhões de euros em 2014.
Esta é a política do desemprego massivo. Entre 2009 e 2014, o número de postos de trabalhou foi reduzido em quase meio milhão, a taxa de desemprego em sentido restrito passou de 9,4 para 13,9%, apesar da emigração e da não contabilização de mais de 160 000 «ocupados» em estágios, programas ocupacionais e ações de formação. O número de desempregados em sentido amplo passou de 653 000 para mais de 1200 milhões, a taxa de desemprego dos jovens atinge os 35%, o número de desempregados de longa duração duplicou e apenas 23% dos trabalhadores desempregados recebem subsídio de desemprego.
Esta é a política da emigração forçada, que expulsou do País, por razões económicas, nos últimos cinco anos, quase 400 000 portugueses, uma dimensão sem paralelo nos últimos 50 anos, só comparável com o tempo do fascismo.
Esta é a política do aumento da exploração, de corte nos salários e pensões, de alterações para pior ao Código do Trabalho e à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, de golpe na contratação coletiva, facilitação dos despedimentos, eliminação de feriados, desregulação e aumento dos horários de trabalho, promoção dos despedimentos, corte dos complementos de reforma em empresas públicas de transportes e de generalização da precariedade com os falsos recibos verdes e o recurso a trabalho forçado e não pago, como os chamados «contratos emprego-inserção» ou os estágios a preencher necessidades permanentes.
Os salários no sector privado baixaram neste período, entre 2011 e 2013, 13% e na Administração Pública baixaram praticamente o dobro. A parte do trabalho na distribuição do rendimento nacional reduziu-se e representa apenas 37%, enquanto a parte do capital atinge 62%.
Esta é a política do empobrecimento, que promove baixos salários e pensões, cortes nos seus montantes, desemprego, eliminação de apoios sociais, abono de família, complemento solidário para idosos, rendimento social de inserção. Uma razia que cria uma situação dramática com a taxa de pobreza a passar, entre 2009 e 2013, de 17,9 para 25,9%, mais 800 000 pessoas na pobreza, 2700 milhões de portugueses atingidos fortemente nas suas vidas.
Esta é a política das privatizações e dos cortes na Administração Pública e nos serviços públicos. No Serviço Nacional de Saúde condicionando o acesso e a prestação dos cuidados de saúde, provocando a rutura das urgências dos hospitais. Na escola pública aos vários níveis, incluindo o estrangulamento financeiro do ensino superior e o desinvestimento na ciência. No ataque ao poder local, na degradação da justiça, na desconsideração das Forças Armadas e dos militares, tal como dos profissionais das forças de segurança. Na degradação dos mais diversos serviços públicos, no ataque ao direito à habitação.
Esta é a política do aprofundamento das injustiças e desigualdades sociais. Numa situação em que apenas 1% da população detém cerca de 25% da riqueza nacional e 5% da população acumula 50% dessa riqueza, o Governo aumentou de forma brutal os impostos sobre os trabalhadores, os reformados e a população em geral e diminuiu os impostos sobre os grupos económicos e financeiros. O lucro acumulado pelos principais grupos económicos e financeiros e o dinheiro público que é drenado para a banca sobre os escândalos do BPN, do BPP ou do BES para as PPP e os swaps contrasta com a redução dos salários e pensões e os cortes dos apoios àqueles que necessitam de proteção e apoio social.
Esta é, por tudo isto e muito mais, uma política e este é, por tudo isto e muito mais, um Governo que não servem o povo e o País.
Srs. Deputados, meia década passada, de PEC e pacto de agressão, os centros de decisão do grande capital, o Governo PSD/CDS-PP, desdobram-se em propaganda enganosa procurando esconder o desastre para onde conduziram e estão a conduzir o País. Mas a realidade não deixa dúvidas quanto ao grande salto atrás a que o País foi sujeito.
Os grandes constrangimentos mantêm-se e agravam-se tendo como elementos centrais o domínio do capital monopolista e a dependência externa.
Entre os principais problemas e constrangimentos, está o garrote da dívida pública. Uma dívida insustentável que compromete o presente e o futuro do País. Uma sangria em juros, mais de 8000 milhões de euros por ano, mais do que o País gasta no Serviço Nacional de Saúde e o dobro do investimento público.
O capital financeiro transnacional não está preocupado com o nível da dívida do nosso País. O que lhe interessa é que, em nome da dívida, possa continuar a fazer o saque dos recursos nacionais com os juros que recebe.
Portugal precisa de se libertar deste garrote, este dinheiro é fundamental para garantir salários, pensões, apoios sociais, serviços públicos, para investir no desenvolvimento do aparelho produtivo, aproveitar os recursos do País, aumentar a produção nacional, criar emprego.
É bom ter presente que a grande justificação para os PEC e para o pacto de agressão com a troica foi a dimensão do défice e da dívida pública.
Passados estes anos, neste período de aproximação às eleições, multiplicam-se as declarações de responsáveis do PSD e do CDS-PP, acompanhados em surdina pelo PS, dizendo que a dívida é sustentável. Entretanto, a dívida que invocaram querer combater aumentou quase 80 000 milhões de euros desde 2009 e atinge 128% do PIB, 225 000 milhões de euros. Isto é, se a correlação de forças o permitisse, após as eleições, não faltariam argumentos para um programa ainda mais violento contra os trabalhadores, o povo e o País, para tentar perpetuar este caminho de declínio nacional.
A isso o PCP diz basta! Dizemos basta de humilhação, de exploração e empobrecimento, basta de corrupção e dependência.
Assumimos com confiança o projeto de libertação, de dignidade e honestidade, de desenvolvimento e soberania que Portugal precisa.
Assim, no momento em que o Governo se articula com a União Europeia para continuar a política da troica, quando insiste em submeter o País aos constrangimentos dos mecanismos do tratado orçamental, dos pacotes da governação económica e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, quando elabora os chamados «Programa Nacional de Reformas» e «Programa de Estabilidade», que não são mais que a continuação da exploração, do empobrecimento e do declínio nacional, o PCP confronta-o nesta interpelação com o desastre da sua política e a afirmação da política alternativa necessária ao País.
Portugal precisa de soluções e o Grupo Parlamentar do PCP apresentará, hoje mesmo, um projeto de resolução com esse objetivo. Soluções para o País que o PCP adianta e ganham apoio na sociedade portuguesa.
A saber:
A renegociação da dívida pública, nos seus prazos, juros e montantes.
O fim da chamada «governação económica», assim como a revogação do tratado orçamental, a desvinculação de Portugal desses instrumentos e o estudo e preparação do País para libertação da submissão ao euro.
A defesa dos setores produtivos e a produção nacional e a garantia do controlo público dos setores básicos e estratégicos da economia, designadamente da banca.
A valorização do trabalho e dos trabalhadores, através de uma justa distribuição do rendimento, assente na valorização dos salários, no pleno emprego, na defesa do trabalho com direitos e maiores reformas e pensões, no combate ao desemprego e à precariedade.
A defesa dos serviços públicos e das funções do Estado, em particular as suas funções sociais, designadamente do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública, da segurança social e da cultura.
Uma política fiscal mais justa, que assegure o investimento e o financiamento das funções sociais do Estado, rompa com o favorecimento dos grupos económicos e financeiros e alivie a carga fiscal sobre os trabalhadores e o povo, sobre as micro, pequenas e médias empresas.
Tais são aspetos essenciais da política que o PCP propõe, da política que Portugal precisa.
Srs. Deputados, há quatro anos, no dia 5 de abril de 2011, o PCP anunciou ao País a sua proposta inovadora de renegociação da dívida pública, inserida num caminho alternativo de desenvolvimento económico e social. PS, PSD e CDS-PP recusaram esse caminho e optaram pela troica com a devastação nacional que se conhece.
Perderam-se quatro anos, o retrocesso é notório, a situação hoje é muito pior, mas é sempre tempo. O tempo do Governo está a esgotar-se, um tempo de decisão do caminho alternativo aproxima-se. O PCP, pela sua parte, apresenta soluções para o País e está preparado e pronto para assumir todas as responsabilidades que o povo português lhe queira atribuir, para concretizar uma política patriótica e de esquerda, vinculada aos valores de Abril, para um Portugal com futuro.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.a Deputada Elsa Cordeiro e Sr.ª Ministra das Finanças,
Queria mostrar a minha surpresa perante o que acabou por ser dito. No fundo, vieram aqui referir-nos que o nosso País, este ano, não vai pagar 8000 milhões de euros de juros da dívida, mas vai receber milhares de milhões de euros dos credores, porque a taxa de juro é negativa!
Grande informação que tivemos hoje, aqui!
Isto mostra que aquilo que foi dito é uma questão pontual que pretende esconder a questão real da situação da vida do País. Aliás, os grandes grupos económicos, os nossos credores não estão preocupados com a dívida do nosso País. Para eles, ela pode subir, porque, se subir, eles vão sacar mais juros!
Hoje, podem até dizer, numa conjugação, que os juros podem baixar, mas amanhã, daqui a um mês ou daqui a um ano podem, artificialmente, fazer subir as taxas de juros.
Nós não podemos estar sujeitos a este garrote! É por isso que é uma questão de responsabilidade a renegociação da dívida.
Em relação à questão do euro, diria o seguinte: atenção, o PCP defende que é necessário o País estudar e preparar-se para se libertar do domínio do euro. Alguém, no seu devido juízo, se tiver consciência das responsabilidades no nosso País, pode dizer que não se deve estudar, que não se deve pensar?! Podemos estar sujeitos a que, um dia, o Banco Central Europeu ou a União Europeia digam: «Vocês têm de cortar nos salários, nas pensões… Têm de destruir a vossa atividade produtiva» e aceitamos isso em nome do euro?!
Temos de estar preparados, temos de estudar para que, no momento em que seja necessário defender os interesses nacionais — e, tantas vezes isso é necessário!… —, se diga: «Por aí não vamos! Temos alternativa! Somos um País soberano! Somos um povo que merece ser tratado com dignidade!».
A política do Governo está ao serviço dos grandes grupos económicos e financeiros e dos especuladores, contra os interesses do povo português, e os resultados do cumprimento desse programa estão à vista. Ainda nesta semana e na semana passada, vimos o que aconteceu, vimos o que é pobreza, miséria, fome: milhares de pessoas no estuário do Tejo empurradas para a apanha da ameijoa, numa situação em que têm de buscar o seu sustento, com risco de vida!
É o exemplo daquilo que significa a pobreza!
Por outro lado, minimizam os senhores o que significa 400 000 portugueses terem sido empurrados para a emigração! Sabem o que isto significa?! Significa que, em todo o distrito de Coimbra, não restaria uma pessoa se não tivessem migrado pessoas de outras zonas do País!
Figueira da Foz, Coimbra, todas as cidades, vilas e aldeias do distrito de Coimbra não ficariam com uma única pessoa! Esta é a dimensão da emigração nos últimos quatro anos! E isto tem consequências para hoje e para o futuro.
Quanto à questão da injustiça fiscal, vemos o aumento colossal dos impostos do IVA, do IRS — mais 35% — para os trabalhadores e para a generalidade da população, enquanto o imposto sobre as grandes empresas, o IRC, diminuiu de 23% para 21% e vai a caminho de uma maior redução!
Uma grande parte desse dinheiro que deixa de entrar nos cofres do Estado vai para onde? Vai para os lucros dos grandes grupos económicos e uma grande parte sai de Portugal, prejudicando o desenvolvimento do nosso País.
Esta política e este Governo não servem; é preciso uma política alternativa. Nós temos soluções para o País e estamos a colocá-las em debate, na Assembleia da República.

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