Sobre a situação no Médio Oriente

Sobre a situação no Médio Oriente - Declaração de Ângelo Alves, da Comissão Política do PCP

 

Sobre a situação no Médio Oriente,
Declaração de Ângelo Alves, da Comissão Política do PCP

1
- O Partido Comunista Português, no seguimento de tomadas de posição
anteriormente divulgadas, entende necessário, ao 13º dia da criminosa onda de
violência armada desencadeada por Israel contra o Líbano, reafirmar a sua
posição de firme condenação dos ataques israelitas que configuram autênticos
crimes de guerra, desrespeitam os mais elementares direitos humanos e
convenções internacionais e evidenciam a natureza terrorista da política do
actual governo israelita.

 

2
- Há treze dias que o povo libanês vive, mais uma vez na sua história recente,
o terror da guerra e da ocupação militar. Paralelamente o povo israelita sofre
as consequências da política belicista do seu governo. O balanço destes 13 dias
de autênticos massacres é conhecido e atesta o carácter criminoso da actuação
israelita. Chegam-nos testemunhos e acusações sobre a utilização de armas não
convencionais como o fósforo branco e armas lazer e sobre o ataque
indiscriminado a civis, inclusive colunas de refugiados que a confirmarem-se
não poderão ficar impunes. Nada pode justificar tamanha destruição e matança,
muito menos a captura de soldados de um exército ocupante.

 

3
– Fruto desta escalada de violência israelita - que conta com a conivência e o
apoio dos EUA e União Europeia - a situação no já explosivo Médio Oriente é
hoje uma das mais tensas e perigosas das últimas décadas e o alastramento do
conflito é um perigo cada vez mais real que, a consumar-se, teria consequências
imprevisíveis para a região e para todo o mundo.

 

4
– A propaganda israelita, apoiada pelos discursos oficiais das grandes
potências ocidentais tenta esconder o que é cada vez mais evidente: a captura
de soldados israelitas no Líbano e na Palestina - cujas informações sobre as
condições em que ocorreram continuam a ser contraditórias -  foi apenas o pretexto para a abertura das
duas frentes de ataque do exército israelita em Gaza e no Líbano. Nos media
ocidentais assiste-se ao lançamento de uma cortina de desinformação que tenta
passar a ideia de que o conflito se iniciou apenas após a captura dos soldados
israelitas e de que estamos perante uma guerra entre iguais em que o agressor
passa à condição de vítima e o ocupado à condição de terrorista, ignorando-se
nomeadamente o direito dos povos à resistência à ocupação e à agressão
consagrado na Carta das Nações Unidas. Oculta-se que a captura dos soldados
israelitas na Faixa de Gaza foi precedida de dois meses de bombardeamentos
israelitas. Oculta-se que o exército israelita realiza regularmente “incursões”
no Líbano, desde a sua retirada em 2000, e que mantém ocupadas parcelas do
território libanês. Oculta-se toda uma história de ocupações e massacres
israelitas contra o povo libanês e os campos de refugiados palestinianos no
Líbano. Oculta-se ainda que Israel tem 9000 presos políticos palestinianos e
libaneses encarcerados nas suas prisões; que nos últimos seis anos prendeu 4500
palestinianos aos quais se somaram recentemente 8 ministros e 25 deputados
palestinianos e que recusou agora várias ofertas de troca de prisioneiros.

 

5-
É evidente que estamos perante uma acção deliberada, calculada e preparada de
agressão, de tentativa de destruição da Autoridade Palestiniana por um lado e
do Líbano enquanto estado independente por outro. A actual crise não pode por
isso ser desligada de toda a história da questão central palestiniana em que a
actuação israelita é marcada por uma política de anexação de territórios, de
ameaça, ingerência e violência contra os seus vizinhos e de controlo dos
recursos naturais como a água - que é uma das causas da invasão em curso do
Líbano e do objectivo da criação de uma zona de interposição controlada por
forças militares ao serviço dos interesses israelitas. A actual ofensiva não
pode ainda ser desligada de da construção do “muro sionista”, da declaração
unilateral de definição de fronteiras com a anexação de territórios
palestinianos e, por último, da deliberada deterioração das condições de vida
do povo palestiniano empurrando-os para uma situação de catástrofe humanitária.

 

6
– Israel, de longe a maior potência militar e nuclear do Médio Oriente invoca o
seu direito à defesa, mas a verdade é que a actual ofensiva é parte de um
processo mais geral conduzido pelos EUA, com a colaboração cada vez mais activa
de várias potências europeias, de domínio imperialista desta região. Este plano
passa pela aniquilação de vários países enquanto estados soberanos, como foi o
caso do Iraque, e do estabelecimento de protectorados sem capacidade militar
autónoma e sem condições para resistir ao projecto de domínio imperialista no
Médio Oriente. Um plano que visa igualmente aniquilar e calar quaisquer
movimentos populares de resistência aos objectivos acima descritos e negar o
direito dos povos à defesa da sua independência e soberania.

 

7
– Israel, possivelmente o país que mais resoluções da ONU já desrespeitou, o
país cuja história é marcada pela agressão a outros povos, pela ocupação de
territórios que não lhe pertencem e por uma política de terrorismo de Estado de
sucessivos governos, vem agora invocar resoluções das Nações Unidas para
justificar a agressão. Mas também aqui a desinformação é muita: a resolução
1559 do Conselho de Segurança das Nações Unidas é isolada das inúmeras resoluções
sobre o chamado conflito israelo-palestiniano - à luz das quais Israel é um
Estado fora da Lei - sendo o seu conteúdo deturpado ocultando-se nomeadamente
que o seu sentido aponta para a resolução do problema das milícias militares
num quadro de respeito pela soberania e integridade territorial do Líbano.

 

8
– A ofensiva israelita no Líbano revela ainda dois dados novos na análise da
situação no Médio Oriente: o primeiro, é que ela configura uma participação
mais activa de Israel nos planos norte-americanos de domínio do Médio Oriente.
A “neutralização” do Líbano e a possível pressão ou acção contra a Síria e Irão
surge aos olhos da administração norte-americana como fundamental para tentar
controlar o pântano em que se encontram as tropas norte-americanas no Iraque..
O segundo é a vontade já declarada da União Europeia de intervir mais
directamente na região e aceitar o repto do “amigo” israelita de estacionamento
de uma força militar “robusta” da NATO e/ou da União Europeia que “não se
limite a fazer relatórios”, nas palavras dos dirigentes israelitas, mas que
participe de facto na reocupação de parte do território libanês.

 

9 – Perante este quadro as ditas “soluções” que amanhã
estarão em discussão na reunião de Roma não serão mais do que a prossecução dos
objectivos essenciais desta operação: solidificar a ideia do Líbano como estado
falhado; criar as condições para uma mudança de regime mais próximo dos
interesses israelitas e norte-americanos que possa empurrar o Líbano para a
condição de protectorado;  proceder à
reocupação de parte do território libanês seja por via da ocupação militar
directa israelita, seja por via do estacionamento de uma força militar da NATO
e/ou da União Europeia e por fim reafirmar a hegemonia do bloco EUA/Israel no
Médio Oriente. Paralelamente Israel consegue desviar as atenções da chamada
“comunidade internacional” dos crimes que continua a cometer em territórios
palestinianos. Ou seja, amanhã em Roma, o que vai estar em cima da mesa das
negociações não são as soluções, mas sim, factores que apenas contribuirão para
aprofundar ainda mais a tensão em todo o Médio Oriente.

 

10
– O que está a acontecer no chamado Médio Oriente e Ásia Central é consequência
directa da política cada vez mais cerrada de guerra, ocupação, ingerência e
chantagem imperialistas liderada pelos EUA, Israel e potências ocidentais
europeias no Médio Oriente. A rapina dos recursos naturais, o controlo do fluxo
de matérias primas energéticas e a consolidação de posições geo-estratégicas na
região estão na origem primeira das guerras em curso no Afeganistão, Iraque,
Palestina e Líbano. Falamos de milhões de seres humanos que estão a ser vítimas
dos obscuros planos dos EUA e da NATO, falamos de milhares de milhões de Euros
de infraestruturas arrasadas, de patrimónios históricos e culturais, partes
importantes da história da nossa civilização destruídos. Falamos de “feridas”
ao nível da convivência pacífica dos povos e do intercâmbio de valores
culturais e civilizacionais que poderão demorar décadas, senão mais, a sarar. É
tempo de parar, de reflectir nas consequências que terá para toda a humanidade
a prossecução destas políticas. É tempo de dar espaço à paz, à resolução
política dos conflitos e à vontade genuína dos povos.

 

11
– Uma solução de paz, justa e duradoura para o Médio Oriente passa
obrigatoriamente pelo reconhecimento do direito de todos os povos do Médio
Oriente à sua soberania e independência, livres de ingerências externas, pela
retirada do exército israelita de todos os territórios Libaneses e dos
territórios ocupados da Palestina e pela retirada dos exércitos que continuam a
ocupar o Iraque e o Afeganistão.

 

12
– A questão palestiniana assume particular importância neste quadro. Só com a
retirada do exército israelita para as posições anteriores às ocupações de 1967
e a destruição do muro sionista; só com o desmantelamento de todos o sistema de
colonatos israelitas que tornam a vida deste povo insuportável; só com o fim do
cerco a Gaza; com o reconhecimento, plasmado em inúmeras resoluções da ONU, do
direito do povo palestiniano à edificação do seu Estado, livre, independente e
viável com capital em Jerusalém Leste, lado a lado com Israel e com a solução
da questão dos refugiados palestinianos de acordo com as resoluções da ONU. Só
verificadas todas estas condições é que poderemos falar de uma real paz justa e
duradoura na região.

 

13
– A retirada imediata das tropas israelitas do Líbano e a troca de
prisioneiros, como factores de construção de confiança são as duas medidas que
podem no imediato pôr fim aos massacres. Nenhuma outra medida que na prática
signifique a reocupação do Líbano resolverá a questão ou contribuirá para o
desarmamento das milícias libanesas num quadro em que o PCP reafirma o direito
do povo Libanês e de todos os povos do mundo à resistência contra a ocupação
militar.

 

14
- Estas são as razões de fundo pelas quais o PCP se opõe ao envio de uma força
militar internacional para território Libanês e se oporá frontalmente à
participação de Portugal nessa força de ocupação.

 

15
– O PCP crítica a actuação do governo português neste cenário de crise
internacional, tanto mais quando confrontado com o facto de cidadãos nacionais
serem empurrados para a condição de refugiados de guerra, vítimas dos ataques
israelitas se limitou a apelar à “contenção” alinhando com o discurso oficial
da Casa Branca ao mesmo tempo que se põe em “bicos de pés” para integrar uma
força de reocupação do Líbano. Tal actuação é contrária aos princípios
enunciados na Constituição da República Portuguesa e em nada dignifica, junto
dos povos do Médio Oriente, a imagem de Portugal. O PCP exige por isso do
governo português uma inversão da sua política de total alinhamento com os
interesses imperialistas e uma enérgica posição de condenação das atrocidades
israelitas e de solidariedade para com os povos vítimas da agressão e da
ocupação.

 

16
- O PCP, juntando-se a mais de 60 partidos comunistas e progressistas de todo o
mundo que, em comunicado comum, expressam a sua solidariedade aos povos e às
organizações progressistas que em Israel, na Palestina, no Líbano e por todo o
Médio Oriente prosseguem a luta por uma 
paz justa e duradoura na região, apela aos trabalhadores e ao povo
português que por todos os meios ao seu alcance façam ouvir a sua voz solidária
para com todos aqueles que sofrem e são vítimas das agressões do imperialismo e
do sionismo na região do Médio Oriente e que participe nas concentrações
convocadas para amanhã, em Lisboa, às 18h30, em Frente à Embaixada de Israel e,
no Porto, às 18h00, na Praça da Batalha, convocadas por dezenas de organizações
portuguesas, entre as quais o PCP.

 

A paz é possível no Médio Oriente, cabe
ao povo português e aos povos de todo o mundo lutar por ela.

 

 

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