Declaração de Carlos Carvalhas, Secretário-Geral, Conferência de Imprensa

Sobre a Reunião do Comité Central de 14 de Abril de 2002

O Comité Central do PCP analisou o novo quadro político decorrente das eleições legislativas e da formação do Governo do PSD e do CDS-PP. A constituição e estrutura do Governo conjugadas com a primeiras declarações dos novos governantes permitem já antever alguns dos traços fundamentais da política de direita e confirma as preocupações oportunamente manifestadas pelo PCP face aos resultados eleitorais e suas consequências para o povo português e para o país.

A dramatização feita por Durão Barroso na tomada de posse do Governo em torno da "crise financeira e orçamental", tornada "a questão central da governação", visa objectivos bem claros: Fazer passar a ideia da necessária segmentação da legislatura em dois períodos. O primeiro até 2004, em que se trataria de equilibrar as contas públicas; o segundo até 2006, ano de novas eleições, para concretizar "o projecto de desenvolvimento e progresso", ficando assim encontradas as razões para não cumprimento no imediato, das promessas que engrossaram a demagogia eleitoral do PSD e CDS/PP atirando-as para as calendas, para quando já ninguém se lembrar. Simultaneamente, a dimensão dramática da "crise" destina-se a criar um ambiente psicológico e uma opinião pública que preparem e facilitem a aceitação passiva por parte dos trabalhadores e camadas de baixos recursos de medidas impopulares e pesados sacrifícios. Medidas que, no contexto dos desequilíbrios económicas que o País atravessa, sejam a contrapartida à manutenção da concentração da riqueza.

O Comité Central considera que seria ilusório esperar que contradições e dissenções entre o PSD e o CDS-PP, só por si, sejam obstáculos ou limitem temporalmente a existência do Governo e a execução da sua política de direita, num quadro em que seguramente os grandes grupos económicos, financeiros e seguradores exigirão ver satisfeitos os seus objectivos claramente manifestados antes das eleições legislativas.

Um seguro indício de que serão satisfeitas as suas pretensões foi a significativa presença ao mais elevado nível da alta finança (BES, BCP, etc.) no acto da tomada de posse do Governo, e sua representação directa no novo Executivo. Quando se vê, e apenas como referência aos casos mais visíveis, na Pasta da Saúde um quadro destacado do Grupo Mello para os negócios da saúde, no Ministério do Trabalho e da Segurança Social o representante dos interesses e pontos de vista das seguradoras na elaboração do Livro Branco da Segurança Social, e na Secretaria de Estado do Ordenamento do Território o advogado de uma das maiores empresas portuguesas de construção, bem se pode dizer que os grupos de interesses, que Durão Barroso prometia combater, assentaram arraiais no Governo.

Mantendo-se válidas e actuais as causas, valores e propostas do PCP expressas na batalha eleitoral das legislativas, o Comité Central valoriza a apresentação feita pelo Grupo Parlamentar de importantes projectos lei e iniciativas sobre o aumento do salário mínimo nacional e a actualização das pensões mínimas de invalidez e velhice, a redução progressiva do horário normal de trabalho para as 35 horas, a tributação das mais valias nos impostos, a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, a criação de autoridades metropolitanas de transportes nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e a proposta de agendamento de um debate de urgência "sobre a situação no Médio Oriente".

Entretanto, a par do desenvolvimento da política de direita mantêm-se os problemas sociais sendo de destacar as ameaças que decorrem para os postos de trabalho de milhares de trabalhadores designadamente nos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, na VESTUS e na MELKA, os bloqueios patronais nas negociações da contratação colectiva. A decisão dos trabalhadores de diversos sectores para encetar a luta em defesa dos seus direitos e dos seus salários designadamente nas Indústrias Eléctricas, Seguradoras, Hotelaria e Alimentar, no sector ferroviário, na EDP e nos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas demonstra que há condições para o seu desenvolvimento.

O Comité Central sublinha a importância e o significado das comemorações do 25 de Abril e do 1º de Maio.

Vinte e oito anos passados sobre a data histórica que pôs fim ao fascismo, instituiu a liberdade e a democracia e proporcionou aos trabalhadores e ao povo conquistas políticas, económicas, sociais e culturais de relevante alcance - muitas das quais, entretanto destruídas, no todo ou em parte, pela política de direita - os ideais e os valores de Abril permanecem actuais e constituem componentes essenciais da política de esquerda de que Portugal e os portugueses necessitam.

Na situação actual, em que sobre os direitos e interesses dos trabalhadores, do povo e do país pesam novas ameaças, a necessidade da continuação e intensificação da luta dos trabalhadores e de todos os que são atingidos pela política de direita, emerge como questão fundamental.

O Comité Central apela a todos os militantes comunistas, trabalhadores em geral, aos homens, mulheres e jovens que se identificam com os valores de Abril e persistem na luta por uma política de esquerda para que participem nas manifestações que, por todo o país assinalarão o 25 de Abril e considera que no actual contexto político e social as comemorações do 1º de Maio convocadas e organizadas pela CGTP-IN assumem uma grande importância, apelando igualmente aos militantes e organizações do Partido para o seu empenhamento, mobilização e participação transformando-as numa grande afirmação em defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores portugueses, do progresso e da justiça social.

O Comité Central sublinhou a gravidade extrema da situação no Médio Oriente e a urgente necessidade de obrigar o governo de Israel/Sharon a pôr termo à sua criminosa ofensiva contra o povo palestiniano que, na sua própria terra, está a ser vítima da mais brutal e desumana perseguição. É necessário e urgente forçar o governo israelita a respeitar os direitos humanos e a legalidade internacional, a pôr termo à utilização de métodos de ocupação, repressão e extermínio, a acabar com a brutal ofensiva contra a Autoridade Nacional Palestiniana e o intolerável cerco ao Presidente Yasser Arafat, a retirar de todas as povoações e territórios ilegalmente ocupados, a conformar-se com as resoluções da ONU.

O Comité Central reitera o firme apoio dos comunistas portugueses à justa causa nacional do povo palestiniano e à sua heróica luta, dirigida pela OLP, contra o ocupante israelita e pela instauração do seu próprio Estado independente e soberano com capital em Jerusalém-Leste. O PCP fará tudo o que estiver ao seu alcance, tanto ao nível de mobilização popular como nas instituições, para parar a agressão israelita tendo já apresentado uma proposta de um debate de urgência na Assembleia da República sobre esta matéria.

O Comité Central considera necessário que, pondo definitivamente fim a hesitações e ambiguidades, o governo português, de acordo aliás com a Constituição Portuguesa que explicitamente condena o colonialismo e o imperialismo, tome medidas políticas e diplomáticas que pressionem Israel a parar com os seus crimes e a respeitar a legalidade internacional. Considera também necessário que a União Europeia, ao contrário do que uma vez mais ocorreu na reunião "quadripartida" de Madrid com Colin Powel, acabe com a humilhante sujeição aos EUA e, nomeadamente, suspenda o acordo de associação com Israel.

O Comité Central alerta o povo português para os perigos de alastramento do conflito no Médio Oriente, tanto mais que os EUA não escondem as suas ambições de domínio da região e proclamam novos projectos de agressão e guerra contra o Iraque e outros países. Uma paz justa e duradoura no Médio Oriente só será possível com o respeito e a garantia dos direitos nacionais do povo palestiniano, com a aplicação das resoluções 242 e 338 e outras resoluções pertinentes do Conselho de Segurança da ONU.

Valorizando as iniciativas, concentrações e manifestações de solidariedade que têm tido lugar em Portugal, o CC do PCP apela aos trabalhadores, à juventude, ao povo português, a todos os democratas e defensores da paz para prosseguirem e intensificarem o movimento de solidariedade com o povo palestiniano assim como com todas as forças de paz que em Israel erguem a sua voz e para que seja posto imediato termo à revoltante escalada de agressão do governo israelita.

Reafirmando a importância central desta iniciativa no actual momento da vida do Partido como espaço e processo de debate democrático entre os militantes e de apuramento de conclusões que permitam enfrentar com êxito os desafios que estão colocados ao PCP, o Comité Central, nos termos do artº 30º dos Estatutos, convoca em definitivo para 22 de Junho a Conferência Nacional sobre o novo quadro político e tarefas para o reforço da intervenção e influência do Partido.

Exercendo as suas competências estatutárias, o Comité Central debateu e deverá aprovar o regulamento da fase preparatória da Conferência, abrangendo designadamente as principais questões relativas ao debate nas organizações e à eleição de delegados.

Com a finalidade de apoiar o período inicial de debate, o Comité Central deverá aprovar também, uma nota de trabalho que, a título meramente indicativo e sem nenhum prejuízo para a integral liberdade de opinião dos militantes, elenca um conjunto de temas e questões que considera úteis para a reflexão individual e colectiva no quadro da preparação da Conferência Nacional.

Na sua próxima reunião de 11 de Maio, e tendo em conta indicações e contribuições que resultem do período inicial de debate, o Comité Central deverá aprovar um projecto de Resolução da Conferência que será então submetido a debate em todas as organizações do Partido.

O Comité Central aprovou também a realização, inserida no trabalho de preparação da Conferência, de um conjunto de debates temáticos que contribuam para o aprofundamento do conhecimento da realidade nacional e permitam favorecer a mobilização da reflexão de membros do partido sobre importantes temas.

O Comité Central decidiu ainda que, para além do normal acompanhamento noticioso da preparação da Conferência, o "Avante!" criará - em princípio, a partir da sua edição de 25/4 - um espaço destinado à publicação de textos com opiniões, reflexões e contribuições diversificadas dos militantes em torno do tema da Conferência. O Comité Central renova o seu vivo apelo para que todos os membros do Partido participem no debate democrático preparatório da Conferência que importa seja pautado pela seriedade e respeito mútuo, contribuindo com a sua opinião e reflexão para orientações e decisões à altura das necessidades da intervenção e afirmação do PCP na vida nacional.

O CC no quadro do desenvolvimento das conclusões da sua reunião de 20 de Março destaca os seguintes aspectos:

A importância particular que deve ser dada pelas organizações partidárias à intervenção em torno dos problemas dos salários e do poder de compra, do emprego e dos direitos, da segurança social, dos serviços públicos e do serviço nacional de saúde, no plano da acção própria e no estímulo à organização e intervenção dos trabalhadores e das populações;
Os passos que estão já a ser dados para o reforço da organização partidária, com planificação e calendarização de objectivos e iniciativas e a necessidade de ao mesmo tempo que se prepara a conferência nacional de Junho se avançar na definição do movimento geral para o necessário reforço do Partido aos vários níveis e direcções de trabalho concretizando as orientações do XVI Congresso;
O prosseguimento do trabalho preparatório do Encontro Nacional sobre a acção e organização do Partido nas empresas e locais de trabalho marcado para 15 e 16 de Outubro, o desenvolvimento do apoio à realização do VII Congresso da JCP de 2 e 3 de Novembro, o arranque da Conferência Nacional sobre o PCP e o Poder local marcada para Fevereiro de 2003 e a concentração de energias para assegurar o êxito da Festa do Avante de 2002.
O Comité Central apela a todos os militantes e organizações, para uma acção decidida na resposta e iniciativa sobre os problemas do país e das áreas em que actuam, para uma intervenção determinada e confiante na concretização das tarefas e iniciativas previstas para o reforço do Partido e da sua intervenção.

O Comité Central do PCP valoriza o esforço e o empenhamento de muitos milhares de militantes que, num quadro de interrogações, inquietações e opiniões diferenciadas procuram dar o seu contributo para o debate político e ideológico, a superação de deficiências e preparar o Partido para responder à previsível ofensiva do governo da direita que se avizinha contra os trabalhadores e importantes conquistas democráticas e reitera o seu apelo a todos os militantes para que, pela sua reflexão e intervenção, contribuam para os trabalhos da preparação da Conferência Nacional e para o reforço orgânico e interventivo do Partido. Com a consciência de que no quadro político actual se apresenta como Partido ainda mais necessário para dar combate à ofensiva que os trabalhadores e o povo português virão a enfrentar.

Em relação à reunião do Comité Central que ainda está a decorrer, cabe-me informar que, com fundamento em comportamentos e atitudes públicas assumidas por Carlos Luís Figueira de clara infracção às regras e princípios estatutários e tendo em conta o seu desrespeito, enquanto membro do Comité Central, dos deveres de lealdade para com os membros deste órgão e com as suas decisões democraticamente tomadas, foi apresentada pelos organismos executivos a proposta de aplicação aquele membro do Comité Central de uma censura nos termos do artigo 64º dos Estatutos.

Antes de concluído o debate e de ter sido feita qualquer votação, Carlos Luís Figueira apresentou a sua demissão imediata do Comité Central.

Também com fundamento em discordância com aquela proposta e também antes de concluído o debate, apresentaram a sua demissão do Comité Central, Domingos Lopes e Bernardina Sebastião.