Declaração de Carlos Carvalhas, Secretário-Geral, Conferência de Imprensa

Sobre a reunião do Comité Central de 11 de Maio de 2002

O Comité Central tem estado a debater a situação política económica e social.

Na verdade, os primeiros dias de Governo do PSD-CDS, confirmando as apreciações e avisos do PCP, ficam marcados por uma acelerada concretização de um conjunto de medidas com profundas e negativas consequências para a situação do país, as suas perspectivas de desenvolvimento e para as condições de vida da população e dos trabalhadores.

No espaço de poucos dias o novo Governo aprovou um orçamento rectificativo caracterizado pela sua opção recessiva para a economia nacional e altamente penalizador da generalidade dos portugueses, consagrando o aumento dos impostos decidiu a suspensão definitiva da tributação das mais-valias numa chocante manifestação de defesa dos interesses dos grandes grupos financeiros, deu início a um processo com vista à destruição do serviço público de televisão e rádio e declarou já a abertura da privatização e entrega da segurança social aos grandes grupos seguradores e anunciou a chamada "reforma do sistema político" com componentes muito perigosas.

O Partido Comunista Português, a par do seu espaço de intervenção para lhe dar um firme combate, não pode deixar de alertar todo o país, os trabalhadores e o povo português para as graves consequências das medidas avançadas ou anunciadas pelo Governo, designadamente:

- para os efeitos que a decisão do aumento do IVA em dois pontos percentuais (que representa um aumento de 12,5%) assumirá nos orçamentos familiares, traduzindo-se num novo e adicional factor de perda de poder de compra dos salários e num agravamento das condições de vida em particular para as pessoas de menores recursos;

- para os efeitos que o corte das despesas de investimento e outras medidas contraccionistas aliado ao aumento do IVA e dos seus reflexos na diminuição da competitividade das exportações, - em obediência cega aos critérios do Pacto de Estabilidade - produzirá em sentido negativo na actividade económica nacional, em acrescidas dificuldades para numerosas empresas e em aumento de despedimentos;

- para as consequências que a decisão do corte do acesso ao crédito bonificado para a aquisição de habitação própria não deixará de ter na legitima aspiração designadamente dos mais jovens, muitos dos quais com vínculos precários de trabalho e baixos salários, e a médio prazo na indústria da construção civil;

- para o significado do anúncio de alterações à legislação laboral designadamente em matéria de horários de trabalho designadamente quanto às suas consequências nos direitos dos trabalhadores e na organização da sua vida pessoal, familiar e social, e da tentativa de desenterrar a "Lei dos Disponíveis" para a Função Pública.

O Comité Central do PCP, vai promover nos próximos dias uma acção de esclarecimento nacional em torno dos aumentos dos impostos e do novo ataque ao poder de compra dos salários trabalhadores, apela à mobilização e ao desenvolvimento do protesto e da luta de todos quantos se opõem a esta política e às suas consequências e ainda à participação no Dia Nacional de Luta já convocado pela CGTP, para o próximo dia 20 de Junho.

A par destas linhas essenciais de ofensiva do Governo, não podemos deixar passar em claro certas posições particularmente expressas sobre relevantes questões de gravidade por membros do Governo.

Referimo-nos, concretamente às opiniões manifestadas pelo Ministro Bagão Félix, que as mulheres acusadas em Tribunal de recurso ao aborto clandestino deveriam ser condenadas alegadamente a título pedagógico, mas de facto como castigo, a trabalharem ao serviço da comunidade para assim expiarem a sua dignidade moral perante a sociedade. (sic!)

Consideramos uma vergonha que haja alguém, ainda por cima exercendo responsabilidades governativas, que em vez de compreensão humana e de soluções de protecção da saúde e dignidade das mulheres, coloque o acento tónico na culpa das mulheres sujeitas a esse drama e na sua expiação, na linha de uma chocante estigmatização

O Comité Central está também a examinar um anteprojecto de Resolução cuja elaboração já teve em conta as preocupações, pistas e caminhos que têm sido apontados pelas diversas organizações e plenários de militantes.

Este texto visa contribuir para uma progressão e aprofundamento do debate colectivo, que permita avançar para um apuramento final de conclusões que se julguem as mais adequadas e prioritárias no quadro da Conferência Nacional, do seu tema e dos seus objectivos.

O documento ainda na fase de debate é naturalmente um documento inacabado, um texto aberto a alterações e a reformulações que resultem do debate e da ponderação de criticas, sugestões e propostas de emendas que sejam expressas ou enviadas pelos militantes do partido até à Conferência.

Será um documento que, quer pelas opções sempre discutíveis, quer pelo debate, quer pelo conteúdo em nada condiciona ou limita a livre expressão de opiniões e pontos de vista por parte dos membros do Partido.

O projecto de documento em apreciação traduz também a expressão do debate sobre a política já avançada e enunciada por este governo, uma política que visa agravar e acentuar a política de direita, levar mais longe as políticas neoliberais, dar maiores passos no sentido de privatizações nos sistemas públicos de segurança social, saúde e ensino e de outros serviços públicos, pôr em causa importantes componentes do regime democrático-constitucional, aplicar concepções conservadoras em muitas questões de sociedade, restringir os direitos dos trabalhadores e aumentar a sua exploração, no quadro global de uma ainda maior subordinação da acção do governo aos interesses e ditames do poder económico.

O novo quadro político coloca ao PCP, a todas as forças e sectores democráticos e de esquerda e ao movimento social o imperativo desafio e a indeclinável responsabilidade de contribuírem no plano político, social e institucional para um amplo, forte e diversificado processo de resistência e combate aos eixos fundamentais da ofensiva do novo Governo.

Muito embora seja de prever que o PS, na oposição, venha a diminuir o grau e a intensidade dos compromissos estabelecidos com os partidos de direita quando era Governo, é entretanto muito provável que o PSD e o CDS/PP procurem manter o PS prisioneiro das suas anteriores posições em diversas matérias, o que representaria um perigoso e indesejável alargamento da base de apoio político e parlamentar a gravosas decisões e orientações como, por exemplo, a da "contenção salarial", a do introdução dos "tectos contributivos" ("plafonamento") na Segurança Social, a privatização de componentes do Serviço Nacional de Saúde, a alteração das leis eleitorais e outros aspectos da chamada "reforma do sistema político", e ainda opções fundamentais em matéria de evolução da integração europeia e política externa.

Neste âmbito, o PCP não pode deixar de considerar um péssimo prenúncio, até pelas inevitáveis dificuldades que provocaria no seu relacionamento com o PS, a já anunciada convergência entre PS e PSD em torno de aspectos fundamentais da chamada "reforma do sistema político" e, em particular da alteração da lei eleitoral para a AR que visa a criação de círculos uninominais que pressionariam no sentido de uma ainda maior concentração de votos no PSD e no PS.

Um outro tema de debate é o da influência eleitoral do PCP que constitui uma séria preocupação e que necessita de ser prosseguido e desenvolvido, de aproximação às causas ou razões dos negativos resultados eleitorais, sendo de admitir que neles pesem, de forma variável mas interligada e complexa factores como:

Os múltiplos efeitos, ainda não superados, do fracasso das experiências de construção do socialismo no Leste da Europa e a sua projecção negativa sobre a capacidade de atracção dos ideais e projecto político do PCP consagrado no seu programa "Portugal - Uma Democracia Avançada no Limiar do Século XXI".

As múltiplas debilidades, atrasos e deficiências na organização do Partido e na sua intervenção a variados níveis que, podendo não ter uma relação mecânica ou decisiva com os resultados eleitorais, dificultam um maior enraizamento social do Partido e uma maior agregação política e ideológica do seu eleitorado.

A visível dificuldade e incapacidade do Partido de converter em apoio eleitoral o mais alargado apoio que muitas das suas propostas, iniciativas e acções suscitam. Um conjunto de profundas mudanças na vida política, no tecido social, no sistema mediático, na relação dos cidadãos com a política e no plano dos valores e atitudes sociais e políticas para as quais o Partido não encontrou resposta eficaz e que dificultam poderosamente ou a apreensão da mensagem e propostas do PCP ou a sua tradução em opções eleitorais.

As patentes dificuldades do Partido em superar o atenuar os efeitos sobre as opções eleitorais de muitos cidadãos da prolongada propaganda e favorecimento da "bipolarização" entre PS e PSD e da relativa transformação das eleições legislativas em eleições para Primeiro-Ministro.

A inopinada convocação de eleições legislativas antecipadas (provocada pela demissão de António Guterres) numa conjuntura política e de opinião muito marcada, quanto à CDU, pelos variados impactos do seu mau resultado nas autárquicas. A deterioração da imagem do PCP induzida e provocada, a partir das autárquicas e durante todo o período de pré-campanha, por processos de contestação pública e de deturpação das suas orientações por parte de alguns membros do partido e tendo como principais eixos acusações ao PCP de intolerância e uma predominante responsabilização do PCP pela falta de uma alternativa de esquerda.

A "dinâmica de vitória" protagonizada pelo PSD a partir das autárquicas com o correspondente avolumar do perigo do regresso da direita ao Governo (situação inexistente nas eleições de 1999) e os seus reflexos junto de segmentos do eleitorado da CDU.

Uma outra questão que tem estado em exame é o da orientação e acções políticas do PCP desde o XVI Congresso. Sobre este tema, também objecto de análise e debate, tem-se considerado nos diversos apuramentos que sem prejuízo de limitações e insuficiências elas correspondem às grandes orientações aprovadas no XVI Congresso.

A este propósito, deve recordar-se que, quanto a caracterizações essenciais sobre a política do Governo do PS, quanto à política de alianças e atitude do PCP face ao PS e quanto a linhas de acção no quadro da luta por uma alternativa de esquerda, o XVI Congresso não modificou, em nenhum aspecto relevante, as análises estabelecidas no XV Congresso (Dezembro de 1996).

É também de recordar que a atitude e orientação do PCP face aos Governos do PS, e designadamente o seu posicionamento como oposição de esquerda (articulado com um sério empenho construtivo na aprovação de todas as propostas e medidas positivas), foi definida pelo Comité Central do PCP, na sequência da apresentação dos respectivos programas de governo, nas suas reuniões de 8.12.95 e 20 e 21.11.1999, constando de comunicados então aprovados por unanimidade. De referir ainda que, nem nos momentos cruciais da formação dos seus Governos nem em qualquer outro momento ao longo dos seus seis anos de governação, jamais o PS manifestou qualquer abertura ou disponibilidade para um diálogo e exame globais com o PCP sobre a política e as soluções governativas necessárias ao país.

No respeito pelas orientações do XVI Congresso, o PCP prosseguiu em 2001 uma acção política geral caracterizada pela crítica a eixos essenciais da política do PS e às suas continuadas cedências à direita em questões estruturantes, pelo combate às propostas e pressões do PSD e do CDS-PP da direita, pelo esforço para alargar o apoio popular a eixos, reivindicações e medidas inseridas numa política de esquerda e pela abertura para, como veio a acontecer em vários casos embora por vezes de alcance limitado, convergir com o PS na aprovação ou viabilização de propostas positivas.

Ao mesmo tempo, considera-se indispensável ter em conta, como elemento nuclear e factor condicionante de toda a evolução da situação política em 2001, que o PS, rendendo-se às chantagens do PSD e às pressões do grande capital, assumiu então uma ainda mais acentuada viragem à direita que ficou indiscutivelmente expressa na orientação e características da remodelação governamental de Junho, na solene apresentação do programa dito de "contenção da despesa pública" explicitamente destinado a configurar o Orçamento de Estado para 2002, e do anúncio de graves recuos na reforma fiscal, cedendo designadamente à campanha contra a tributação das mais valias bolsistas.

Nestes termos, considera-se que as tentativas de responsabilização do PCP pela não concretização de uma alternativa de esquerda, que significasse a adopção de uma política de esquerda e não a rendição do PCP a políticas inaceitáveis, correspondem de facto a ignorar e absolver as responsabilidades determinantes do PS pelo desperdício da oportunidade criada pela existência desde 1995 de uma folgada maioria numérica de deputados comunistas e socialistas na Assembleia da República. A dinamização e o reforço da iniciativa e da intervenção partidária é outra importante questão que tem estado em debate havendo a par de elementos críticos muitas sugestões e direcções de trabalho que certamente serão exemplificadas no documento.

A coesão e a democracia interna são outros temas essenciais para o Partido, temas que têm sido objecto de debate e que também terão expressão no documento.

A organização e os princípios de funcionamento alicerçados no reforço da democracia interna são pilares essenciais da força do Partido, como elementos base para a intervenção, para a ligação às massas e o alargamento da influência do Partido, mas também e em primeiro lugar como elemento agregador dos militantes do Partido.

A democracia interna como característica essencial do funcionamento do PCP, não se define apenas pelas suas normas estatutárias, mas fundamentalmente com prática concreta de actividade partidária livremente assumida e tendo como pressuposto basilar a rejeição da sobreposição de posições individuais ou de grupo contrapostas ao pensamento e à acção colectiva. O aprofundamento da democracia interna com aspectos diversos, indo desde a dinamização das Assembleias das Organizações, debates temáticos, realização regular de plenários de cada Organização, os espaços de participação no "Avante!" são elementos a desenvolver e a valorizar.

Assim como o estimulo à iniciativa própria da organização e dos militantes. O Partido é em cada local - de trabalho ou de residência - aquilo que o conjunto dos seus militantes consigam que seja, inserido no funcionamento do colectivo partidário.

A realização de Assembleias das organizações partidárias, dando prioridade às organizações de base. Propõe-se como objectivo a realização de Assembleias de todas as organizações de base até ao fim do primeiro semestre de 2003. De modo a valorizar as Assembleias e a divulgar experiências será criado no "Avante!" durante esta acção um espaço noticioso específico.

Do mesmo modo a realização, a par do esforço para a integração de cada militante num organismo do Partido, de um plenário mensal de cada organização, no plano das organizações de base, como espaço de participação de todos os membros do Partido da respectiva organização que para isso estejam disponíveis, promovendo assim a participação dos militantes e aprofundando a democracia interna.

A conjuntura política nacional e o tempo histórico que vivemos exigem um PCP empenhado em revivificar e renovar a afirmação da sua real identidade e verdadeiro projecto político, capaz de escutar, compreender e oferecer respostas e opções para o movimento, ainda que contraditório e complexo, de ideias, interrogações e aspirações que se manifestam na sociedade portuguesa.

Os problemas e dificuldades que o Partido enfrenta seguramente dispensam e desaconselham atitudes de auto-satisfação, de rotina, de acomodação ou resignação que, além do mais, seriam alheias e contrárias ao melhor património de intervenção e a elementos essenciais da cultura política dos comunistas portugueses. Mas dispensam e desaconselham igualmente a tentação de reclamar respostas simples e milagrosas para problemas complexos, uma visão do Partido como se fosse, ou pudesse ser, uma entidade omnisciente e omnipotente, o esquematismo de decretar que onde há fracassos e derrotas é porque, automaticamente e sem excepção, houve erros de orientação; uma propensão para, nos momentos mais difíceis e angustiantes, dar como inexistentes ou insignificantes o imenso trabalho e valiosa intervenção, seguramente insuficientes e não isentos de defeitos e erros, realmente desenvolvidos pelo PCP. E o caminho para a superação das dificuldades e desafios que o Partido enfrenta reclama serenidade, maturidade e sentido da responsabilidade, espírito crítico e autocrítico, audácia, inovação e ambição, uma vasta mobilização de energias, vontades e capacidades existentes no colectivo partidário, uma vivência do Partido não como uma entidade abstracta ou sacralizada mas como uma construção colectiva e um inevitavelmente imperfeito empreendimento humano, uma reflexão criadora alimentada pela acção e o confronto directo com a realidade, uma valorização e potenciação do papel fundamental que o PCP desempenha - e está em condições de continuar a desempenhar - na vida nacional.