Intervenção de

Sobre a Regionalização - Intervenção de Rogério Brito

Sobre a Regionalização
Intervenção do deputado Rogério Brito

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Não espantará que um autarca intervenha neste Parlamento para falar de
regionalização. Como nenhuns outros, os autarcas sabem quanto pesa e
quanto custa a relação com um Estado irracionalmente centralizador.

Quantas capacidades e recursos se esgotam e se perdem numa luta
permanente contra os excessos de burocracia, contra o arbítrio, contra
a cultura e o exercício da prepotência, instalados na Administração
Central ?!

Como nenhuns outros, os autarcas sabem da enorme distancia e das
contradições entre o discurso, as promessas de pareceria e de
subsidariedade e o colete de forças e a ineficácia da organização e de
uma actuação do estado centralizador que teima em persistir.

Por isto, e antecipo desde já, que não tenho qualquer constrangimento
de afirmar as razões e convicções que em meu entender justificam a
regionalização sem prejuízo do respeito que democrática e civicamente
devo àqueles que comungam de opiniões diferentes. Só que,
lamentavelmente, a grande maioria dos adversários da regionalização não
têm manifestado este respeito e têm transformado o que devia ser um
debate esclarecido e esclarecedor, numa autêntica farsa, onde a
dramatização caricata e a especulação têm sido utilizadas como armas de
arremesso contra os cidadãos, contra a lucidez, procurando confundir e
atemorizar em vez de esclarecer, não raras vezes atingindo as raias do
terrorismo verbalista:

  • Vale a pena atentar nalgumas das expressões desta técnica de desinformação e confusionismo;
  • Procurar impedir que os cidadãos saibam e entendam o que são
    regiões administrativas, confundido-as com regiões autonómicas ou,
    ainda pior, com "regiões / nação" - somos um País com 850 anos de
    história, com as fronteiras mais antigas da Europa, temos uma única
    língua - toda esta panóplia de expressões pseudo-patrióticas são
    utilizadas, sem qualquer razoabilidade, mas tão somente explorando a
    falta de informação e esclarecimento, para criar fantasmas sobre os
    perigos de divisão de Portugal e dos Portugueses. Como se o que
    estivesse em causa fosse regiões com poderes legislativos e
    autonómicos;
  • Invocar a pequenez do País como argumento contra a
    regionalização, como se estivesse em causa a divisão e criação de
    fronteiras no País e como se a burocracia, os caminhos tortuosos do
    arbítrio e da prepotência de um estado centralizador se medisse em
    quilómetros;
  • Descredebilizar a democratização e modernização do Estado,
    estabelecendo a relação - regionalização igual a mais políticos, mais
    políticos igual a mais tachos e mais corrupção. É espantoso como
    aqueles que protagonizaram tantos anos um poder e uma actuação
    geradores de cargos políticos absolutamente dispensáveis, de tachos
    para a família partidária, falam agora da regionalização como se fosse
    ela que viesse a inventar e criar aquilo que eles próprios forjaram,
    alimentaram e anquilosaram na administração durante anos consecutivos
    de governação;
  • Atemorizar os cidadãos com a máxima - Regionalização igual a
    maior despesismo e a mais impostos, como se esta relação causa /
    efeitos fosse uma inevitável e inquestionável consequência, não
    considerando sequer que a racionalização e descentralização da
    estrutura do aparelho e da máquina administrativa conduzem à redução
    dos mesmos, à diminuição dos orgãos e serviços desconcentrados, que
    equipamentos e funcionários podem ser colocados ao serviço das regiões,
    que as Juntas Regionais eleitas vão substituir quadros políticos
    nomeados pelo Governo, que o número de Governadores e Governos Civis
    vai diminuir, que as Assembleias Regionais vão substituir os actuais
    Conselhos Regionais das áreas das Comissões de Coordenação Regional,
    escamoteando que o actual labirinto burocrático/administrativo da
    Administração Central tem, porventura, custos diários infinitamente
    superiores ao somatório dos custos da regionalização durante um ou mais
    meses de funcionamento;
  • Inculcar a ideia de que a regionalização administrativa vai
    gerar injustiças fomentar "lobbies" sempre em beneficio dos mais
    fortes, como se a regionalização, que ainda nem sequer foi referendada,
    fosse responsável pelas profundas assimetrias inter e intra-regionais e
    pelas relações iníquas entre a Administração Central e as regiões que
    colocaram este País na cauda da Europa. Como se a regionalização fosse
    criar as regiões mais atrasadas da União Europeia, escondendo que foram
    eles, a maioria dos anti-regionalistas de hoje, que protagonizaram
    governos e políticas que conduziram o Alentejo e outras regiões do
    interior do País à situação das mais atrasadas da denominada Europa
    Comunitária;
  • Finalmente, procurar afirmar o municipalismo e o reforço das
    suas competências como alternativa à regionalização. Não concordando
    com esta opção, entendo no entanto que este é o único dos argumentos
    avançados com seriedade. Em todo o caso importa clarificar alguns
    aspectos decorrentes desta problemática. Primeiro a regionalização não
    tem que conflituar com as competências dos municípios. Aliás, a
    generalidade dos autarcas defendem a regionalização com o reforço
    simultâneo das competências dos municípios. Em segundo lugar as regiões
    administrativas e os municípios devem complementar-se. Estes passam a
    ter a nível do ordenamento e do planeamento regional um interlocutor
    político que hoje não existe. Em terceiro, há que ter consciência de
    que o planeamento e a gestão regionais não podem ser o somatório de PDM
    (Planos de Desenvolvimento Municipais) e que as regiões são
    necessariamente unidades de gestão territorial que vão além do espaço
    que resultaria da simples associação de municípios.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

A regionalização administrativa visa esbater as brutais assimetrias
entre as zonas de densificação e congestionamento e as zonas de
despovoamento ou seja, melhorar a qualidade de vida e reduzir a
exclusão social nas grandes concentrações ubano-industriais geradas
pela litorização e refazer o tecido humano e a economia nas zonas em
desertificação no interior do País.

Isto implica que à regionalização estão implícitas a coesão económica e
social e a solidariedade. A primeira implica a recuperação das
desigualdades de rendimento e das disparidades de desenvolvimento entre
e dentro das regiões. A segunda implica uma adequada resposta aos
problemas que constituem as disparidades económicas, os efeitos da
periferia e a exclusão social.

Por tudo isto, entendo como um imperativo levar o esclarecimento e a
informação, com verdade, ao todo nacional. Aos alentejanos, aos
beirões, aos transmontanos, aos minhotos, aos algarvios, a todos os
portugueses espalhados pelo País. O sim à regionalização permitirá a
cada um de nós, a cada português, contribuir para abrir caminho a um
processo que pode e deve ajudar a combater e vencer muitas das causas
que os levaram a ter que sair da sua terra, irmanados na angustia de
quem viu e vê as suas aldeias e vilas a desvitalizarem-se
economicamente, a envelhecerem, a desertificarem-se a perderem a seiva
dos seus filhos e a alma das suas gentes.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Permitam-me agora que invoque a minha condição de Alentejo porque se há
realidade humana, social, económica e cultural que atesta a imperiosa
necessidade da regionalização administrativa, essa realidade é a do
Alentejo. Porque o Alentejo, na sua história, nos seus constrangimentos
estruturais e sócio económicos, mas também na riqueza e da diversidade
do seu património humano, histórico, edificado, ambiental e
paisagístico ganhou a dimensão de uma unidade de gestão territorial com
identidade própria.

Termino afirmando que a grande ameaça à coesão nacional, que o fermento
da divisão entre os portugueses e os maiores custos que temos
suportado, são a pobreza, as profundas assimetrias que atingem o País,
que asfixiam o seu interior e permitem a iniquidade e o arbítrio como
regra na distribuição dos recursos. Estes são os custos reais, os
enormes custos que o Alentejo, que Portugal já pagaram pelo Estado
centralizado e centralizador.

A regionalização não é, não será seguramente, a resolução de todos os
problemas económicos e sociais deste País, estará sempre condicionada
pelas políticas nacionais. Até por isto mesmo, a regionalização tem
riscos, tal como a democracia em si mesma também tem riscos, mas são o
único caminho para viabilizar uma estratégia de progresso, fortalecer a
unidade nacional e afirmar a soberania dos cidadãos.

Disse.

 

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