Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Sobre as propostas do Governo relativas a direitos processuais, medidas de coação e identificação criminal

Sr.ª Presidente,
Sr.ª Ministra,
Sr.ª Secretária de Estado,
Sr.as e Srs. Deputados:

Trata-se, neste debate, de apreciar três propostas de lei do Governo que visam a transposição para a ordem jurídica nacional de um conjunto significativo de decisões-quadro da União Europeia, adotadas no âmbito do Conselho, sobre justiça e assuntos internos.

Como toda a gente que nos está a ouvir já percebeu, trata-se de uma matéria eminentemente técnico-jurídica, com alguma complexidade, com alguma aridez na discussão — aliás, um ponto da ordem do dia bem inscrito numa manhã de sexta-feira, tendo em conta que não é das matérias mais palpitantes para a opinião pública, como todos compreendemos —, mas que, em todo o caso, é importante.

Relativamente a estas propostas de lei, importa salientar que há um conjunto de pareceres que constam dos trabalhos preparatórios que estão disponíveis e que foram disponibilizados na fase anterior à elaboração das propostas e, naturalmente, que importa que esta Assembleia da República, no âmbito dos trabalhos na especialidade, proceda à confirmação desses pareceres, como é seu dever. Ou seja, que estas entidades que foram consultadas possam conferir se os textos finais das propostas de lei correspondem, no essencial, a objeções que tenham colocado, embora há que assinalar que não houve objeções muito significativas que tenham sido colocadas a estas propostas de lei.

Há um conjunto de entidades, referidas no preâmbulo, que também se terão pronunciado, mas que não é do nosso conhecimento o conteúdo dos respetivos pareceres.

Relativamente à Comissão Nacional de Proteção de Dados, que foi aqui suscitada pelo Sr. Deputado António Gameiro, há que aferir se a Assembleia da República não deverá, onde se considerar que é útil e que, do ponto de vista legal, é necessária, proceder a essa audição, para que nos trabalhos na especialidade os contributos desta entidade possam ser efetivamente recolhidos, o que será perfeitamente possível fazer em tempo útil. Não haverá aqui o problema de uma demora excessiva nesta discussão, tanto mais que as decisões-quadro que estamos a transpor são de 2009, já passaram cinco anos e, portanto, podem passar mais um ou dois meses para que a transposição seja adequada e para que, de facto, tudo seja feito com respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos. Aliás, é uma preocupação que surge manifestada no preâmbulo e que também foi manifestada agora na intervenção da Sr.ª Ministra da Justiça.

Todos conhecemos a importância da cooperação judiciária a nível, diria, europeu, mas não apenas, também a nível internacional. Tendo em conta a transnacionalidade da criminalidade, naturalmente que os mecanismos de cooperação judiciária e, também, policial são importantes a todos os níveis — neste caso, estamos a tratar de cooperação judiciária, essencialmente —, mas é importante também que valores fundamentais sejam salvaguardados.

Portanto, a garantia dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Portuguesa, sobretudo quando se trata de problemas relacionados com a liberdade das pessoas e com a aplicação de medidas detentivas da liberdade — que é, aliás, matéria tratada quer na proposta de lei relativa ao mandado de detenção europeu, quer na proposta de lei relativa à execução de medidas de coação que não a prisão preventiva —, e um mecanismo adequado para que a fiscalização dessas medidas não seja feita apenas pelo Estado onde corre o processo mas possa ser feita pelo Estado onde reside o arguido são matérias importantes que devem ser reguladas de forma a acautelar direitos fundamentais dos arguidos.

Naturalmente que, na especialidade, teremos oportunidade de verificar, ponto por ponto, a pertinência da transposição que aqui é proposta e de outras medidas legislativas que, designadamente a propósito do registo criminal, são aqui propostas.

Numa primeira leitura que precedeu esta discussão na generalidade e a elaboração dos relatórios das comissões, houve já oportunidade de nos apercebermos dos princípios fundamentais do que aqui é proposto, mas, sendo uma matéria complexa, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista da salvaguarda de direitos fundamentais, impõe-se que haja uma ponderada discussão na especialidade para a qual estamos inteiramente disponíveis, recorrendo, naturalmente, à contribuição dos operadores judiciários que têm uma visão muito aprofundada sobre a complexidade dessas matérias.

Seguramente que, nos próximos meses, teremos oportunidade de fazer um trabalho aprofundado sobre esta matéria e de, em tempo útil, aprovar a legislação que transponha para a ordem jurídica nacional as decisões-quadro que estão aqui em causa.

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