Intervenção de

Sobre Poder Local e Eleições Autárquicas - Intervenção de Luis Sá

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

Realizou-se no passado sábado a Conferência do PCP sobre o Poder Local e as eleições autárquicas. Foi uma oportunidade para examinar os problemas que se colocam ao Poder Local neste final de mandato, olhar para a obra feita e para o que falta fazer, discutir prioridades futuras.

A Conferência confirmou a imensa obra da CDU, em maioria ou em minoria. Os dados oficiais e de entidades independentes atestam amplamente essa obra; mostram que a CDU está á frente, com consequências na saúde pública e em indicadores como a mortalidade infantil.

Outros dados não constam das estatísticas oficiais. Poderíamos referir 2 mil árvores plantadas e 11 hectares de novos parques urbanos na Amadora. E pensar na beleza e no usufruto do verde nos tempos livres pelo povo de uma terra antes reservada a selva de cimento pela especulação imobiliária.

Também podemos lembrar o litoral conservado e que de outra forma, sem a gestão CDU, estaria porventura destruído ou ameaçado.

Podemos pensar nos equipamentos para a juventude e em iniciativas culturais de quem de outra forma nunca as teria.

Podemos pensar no urbanismo e no ordenamento do território humanizado, para quem estava destinado a ser arrumado em gavetas, em que iria viver de forma degradada. Mais de 95% dos municípios geridos pela CDU têm os seus PDM's ratificados ou em ratificação, sendo imputável à Administração Central a não conclusão do processo na totalidade dos casos. Perante a grande obra nestas e noutrasáreas e perante as consequências sociais e económicasda política de vários governos, outros partidosprocuram desvalorizar e apresentar como "normal" e seminteresse esta obra gigantesca. Apresentam, por outro lado, comoúnica valiosa a obra que se situar no plano do desenvolvimento,do emprego e do combate à exclusão social. Nãotemos medo de confrontos também aí. As maioriasda CDU não afastam investimentos, bem ao contrário.

Mas as orientações adoptadas pelos Governos implicam desigualdades de desenvolvimento das regiões e dramas de desertificação que não podem ser só os municípios a resolver. Onde existem dificuldades de emprego e de atrair investimento, temos feito tudo para as combater. Há municípios que chegam a vender lotes para instalações de empresas a preços simbólicos, como é o caso de Constância: apenas um escudo o metro quadrado. Mas as dinâmicas de desigualdade têm que ser contrariadas com políticas globais, nacionais e regionais diferentes. E mais ainda numa situação de mercado interno e em que a coesão económica e social, os direitos dos trabalhadores e o emprego são os parentes pobres da política comunitária. O desemprego e os dramas sociais não podem ser resolvidos exclusiva ou predominantemente pelas autarquias. Estas fazem e farão tudo o que puderem. Mas não aceitamos que o poder local seja o passa-culpas de políticas neoliberais. Menos ainda aceitamos que aqueles que não encontram nada de consistente para nos criticar no plano das políticas de ambiente, ordenamento, cultura, desporto, ou outras que se integram nas atribuições das autarquias, pretendam lavar as mãos das consequências das políticas que adoptam.

Muitos têm uma concepção do poder local como rede de caciques. Para eles apenas conta no poder local o presidente do executivo. Nós temos uma concepção democrática. Os executivos são, ou devem ser, colegiais. As assembleias são indispensáveis e deveriam ter o seu papel largamente valorizado. As freguesias são um imenso manancial de energia que deve ser reforçada. Os trabalhadores das autarquias, são uma força valiosa e insubstituível para a realização da obra do poder local democrático.

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

No dia da Conferência fez um ano que no Algarve, perante representantes de muitas dezenas de municípios de todo o País, o Primeiro Ministro A. Guterres subiu à tribuna para anunciar que no fim de 1997 teríamos eleições para as regiões administrativas.

Esta actuação é verdadeiramente característica do Governo. Desde então, volta e meia há novos anúncios. De cada vez que está em dificuldades, o Governo não toma medidas, mas faz novos anúncios que esquece logo após ter obtido os efeitos mediáticos imediatos que pretendia. E anuncia e volta a anunciar o que já anunciou, esquecendo os prazos antes referidos. É o que se passa com a regionalização e é o que se passa também com outras medidas anunciadas.

Ainda há dias o Governo deitou foguetes porque haveria um aumento do Fundo de Equilíbrio Financeiro de 20%. Omitiu que tinha deixado dois anos a lei de finanças locais por cumprir. Ainda no ano de 1997 se viu que em vez de 341 milhões de contos só foram transferidos 300 mil. Mas omitiu igualmente os encargos que tenciona impor com o pretexto que está a «descentralizar». Omitiu sobretudo que prometeu que iria duplicar os recursos financeiros das autarquias e que nenhuma política coerente se vê nesse sentido.

Anuncia uma Lei de Bases do Ordenamento do Território. Mas contém aspectos centralistas e insuficientes e ainda outros que pouco adiantarão sem extensas medidas complementares, sendo tudo arrastado e lento.

Prometeu eleitos a tempo inteiro nas freguesias a partir de certa dimensão. Acabou por o admitir em muito poucas e por fazer depois todas as tropelias para retirar na prática o direito a dezenas daquelas a que a lei o tinha conferido.

Mas é da revisão constitucional que vêm as principais ameaças no momento às autarquias. Desde logo, por o acordo PS/PSD remeter para lei ordinária o sistema de eleição dos executivos autárquicos, desvalorizando a própria ideia de Constituição. Mas sobretudo por admitir que em vez de câmaras directamente eleitas, com base na proporcionalidade, em que há vereadores de diversos partidos, passe a existir a possibilidade de câmaras de um só partido, por ele instrumentalizadas, em vez da possibilidade de intervenção de todos. As alterações em matériade regionalização também são significativas.

Não vale a pena referir a hipocrisia dos que querem impor um duplo referendo, nacional regional, para se poder aplicar a legislação que institui as regiões. É uma monumental trapalhada que só visou impedir a regionalização e colocá-la nas mãos da direita.

A questão que se coloca agora é: o PS não sabe, quando fala em calendários para regionalizar, que colocou este processo nas mãos da direita ao fazer depender da benevolência desta a aprovação de uma lei do referendo, a proposta de perguntas a formular, a simultaneidade dos referendos e eventualmente outras questões?

E a alteração da Constituição acordada entre o PS e o PSD, que visa dar atribuições próprias às associações de municípios, distintas das dos municípios associados: será que não corresponde à ideia do PSD de que escusaria de haver regiões porque as associações de municípios poderiam desempenhar o mesmo papel?

O Secretário Geral do PCP afirmou justamente, na intervenção de encerramento: "...Não arriscará muito quem apostar que, passadas as eleições autárquicas, logo o fervor da regionalização vai abrandar no PS e logo esta sua "bandeira de esquerda" ou vai recolher às gavetas do costume ou vai passar a ondular muito tímida e envergonhadamente..."

São muitas as medidas que pela nossa parte propomos para melhorar a situação do Poder Local, muitas das quais constam de projectos de lei apresentados na Assembleia da República. Somos coerentes no nosso empenho e no nosso projecto, porque acreditamos que tornar o poder local mais forte é fortalecer a participação e vida democrática. Mas o PS tem uma natural dificuldade em defender políticas de direita noutras matérias e defender políticas de esquerda e descentralizadoras na área do Poder Local.

Em todo o nosso trabalho teremos que aprofundar a realização dos nossos princípios fundamentais.

Uma concepção profundamente democrática do poder e da vida implica recusar a autoridade como um privilégio e tomá-la como um serviço à comunidade. Um eleito da CDU sabe que não é mais do que os outros, é parte do povo, está perto dele e tem orgulho em pertencer-lhe. Estimula o debate, ouve, aprende com os outros, favorece a participação e intervenção popular. A recusa de quaisquer proveitos ou benefíciospessoais é para nós fundamental. A PL-AECOD e oprincípio de não ser beneficiado nem financeiramenteprejudicado transformou-se num símbolo. É com emoçãoque vemos obras, máquinas e outros benefícios emfreguesias e em colectividades com dinheiro que foi de remuneraçõesde eleitos de que estes prescindiram.

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

Uma questão que se coloca é garantir a legalidade das eleições e combater o abuso e instrumentalização do poder. Há procedimentos que não podem ser nunca ser aceites como normais, apesar de serem constantes.

Não podemos aceitar que as inspecções, inquéritos e sindicâncias tenham particular incidência em municípios de maioria CDU, só no Município da Amadora foi alvo de três num ano. Já tivemos oportunidade de reclamar do Governo que indique que acções e com que critérios desencadeou. Não podemos aceitar também que alegadas conclusões sejam instrumentalizadas posteriormente através da publicação na comunicação social, sem serem acompanhadas da resposta de eleitos da CDU.

Não podemos aceitar que os Governos Civis sejam confundidos e usados como máquinas partidárias de várias formas, apesar de estar prevista a sua extinção. Chegamos ao ponto de o Governador Civil de Setúbal anunciar os objectivos eleitorais para o Distrito no edifício do Governo Civil. Ou ainda de haver uma colectividade, a Sociedade 1º de Maio de Santa Iria de Azóia, que viu marcada através de um militante do PS na Freguesia uma reunião para expor projectos e obter um subsídio que havia pedido. A instrumentalização de subsídios e das relações com as colectividades, rodeando de pompa e circunstância a sua distribuição, com critérios que não são claros, é, aliás, numa forma de eleitoralismo dos mais marcantes no momento.

Soma-se a isto a actuação de outros serviços periféricos como as CCR's, ou de membros do Governo, com iguais propósitos eleitoralistas.

É preciso dizer: não temos uma situação em que as autarquias (ou as colectividades) recebem aquilo a que têm direito de acordo com os critérios objectivos e sem dependências. Há favores e desfavores, há compadrios, que nem por ser herdadas do cavaquismo deixam de responsabilizar o PS que manteve tais processos de actuação e se procura aproveitar deles.

Em Dezembro, e ao contrário do que proclamam adversários que confundem desejos com realidades, realizaremos os nossos objectivos de contribuir para um Poder Local forte e democrático e de prosseguir e aprofundar obra realizada.

Disse.

 

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