Intervenção de

Sobre a organização do Euro 2004<br />Intervenção do Deputado Bernardino Soares

Senhor Presidente, Senhores Deputados, Está fora de causa a importância do Euro 2004 como um importante projecto para o nosso país a que o PCP deu desde o início o seu apoio convicto e empenhado. Continuamos a manifestar com clareza este apoio. E sempre dissemos também que este importante evento teria de ter um forte impacto na vida desportiva nacional e na promoção do desporto no seu conjunto. Mas o empenho que pomos neste projecto não tem de ser conivente com a forma como o Governo está a conduzir o processo. Trata-se de uma gestão política muito mais marcada por objectivos de aproveitamento mediático do que por uma vontade sincera de que o projecto se desenrole com clareza e transparência. O desenrolar dos trabalhos da comissão eventual de acompanhamento da utilização dos recursos públicos no Euro 2004 é disto a melhor prova. De reunião a reunião, e à medida que a comissão vai reunindo com os diversos intervenientes no projecto vamos descobrindo novidades sobre a actuação e as intenções do Governo. Senão vejamos: - no início o Governo assumiu o compromisso de comparticipar apenas os estádios em 25% de um custo pré estabelecido sobre o número de lugares de cada um; - viemos depois a saber, apesar das garantias iniciais de que nem mais um tostão haveria para os clubes e autarquias com estádios a construir (vide as declarações do ministro anterior), haverá afinal também um pacote de acessibilidades onde se gastarão, repare-se na precisão, 10 a 12 milhões de contos; - ainda esta semana na última reunião descobrimos afinal que também os parques de estacionamento nos lugares exigidos pela UEFA seriam pagos pelo Estado; - levanta-se ainda a possibilidade de haver uma linha de crédito específica para os clubes que seria bonificado ou até sem juros para estes, que seriam obviamente suportados pelo Estado. É justo pois perguntar até quando irá o Governo dar-nos novidades nesta matéria? Quando conseguiremos finalmente ter a visão completa do que vai ser o investimento do Estado nesta matéria e de como vai ser feito? Só com o conhecimento completo das intenções do Governo nesta matéria, e dos compromissos que como é fácil de perceber já assumiu com as entidades envolvidas, designadamente com os clubes, é que cada partido e esta assembleia poderá avaliar o que nestes apoios está de acordo com o interesse público que obviamente existe neste projecto e o que não é mais do que favorecimento de outros interesses. O comportamento do Governo de tentar disfarçar ou de adiar o conhecimento por esta assembleia os apoios que já se comprometeu dar às diversas entidades que vão construir estádios, sejam autarquias ou clubes, levanta fundadas e sérias preocupações. E é legítimo suspeitar que o Governo se prepara para em arcar com o fundamental das despesas com a construção dos estádios, tentando de caminho disfarçar o facto o mais possível para não sofrer a crítica política que essa atitude obviamente merece. Aliás, se duvidas houvesse em relação a essa preocupação dos nossos governantes, a revelação de que teria havido solicitações para que as verbas inicialmente comparticipadas a 25% fossem orçamentadas por baixo, vem confirmar os receios que já tínhamos. Por outro lado é fundamental esclarecer de onde vêm os financiamentos para acessos e para parques de estacionamento. Sendo certo que haverá eventualmente na questão dos acessos nalguns projectos uma parte de interesse público que possa ser alvo do apoio do Estado, é preciso saber com que critérios isto se fará. E é também preciso saber se a entrega de verbas para estes projectos, respeita o equilíbrio que tem de existir entre as diversas autarquias locais, especialmente aquelas que não têm estádios a construir no seu território mas que nem por isso devem ser prejudicadas nos investimentos necessários para o bem estar das suas populações. O mesmo deve dizer-se para o resto dos investimentos desportivos. Num tempo onde tantos se afligem agora com as prestações internacionais dos atletas portugueses, é preciso recordar que nos primeiros debates sobre o Euro 2004 o Governo garantiu que não haveria prejuízo para os restantes investimentos desportivos. Julgamos que haverá sérias razões para temer que o já desastroso panorama financeiro das federações desportivas, das associações e dos clubes amadores se torne ainda mais negro. E são eles quem proporciona o grosso da prática desportiva à população do nosso país. A clarificação de toda esta situação é pois obrigatória. E nem venha o Governo nem o Partido Socialista com a chantagem de que quem faz críticas é por que não quer o Euro 2004 em Portugal. Essa demagogia é inaceitável. Não nos peçam para passarmos pura e simplesmente um cheque em branco ao Governo. No PCP não aceitamos que o projecto do Euro 2004 continue a não ser conhecido na totalidade dos seus contornos. Não aceitamos que sob a etiqueta do Euro 2004 se acobertam outros interesses bem distintos do interesse público. Nem aceitamos que o Euro 2004 funcione como um eucalipto que seque tudo à sua volta, seja em investimentos desportivos vários seja em projectos de autarquias de importância decisiva para as suas populações e que provavelmente serão agora preteridos. A melhor maneira de defender o projecto do Euro 2004 é defender a seriedade, a transparência e a boa utilização dos recursos públicos. E é nisso que o PCP se empenhará.

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Assembleia da República
  • Intervenções