Declaração de João Ferreira, Deputado ao Parlamento Europeu e Membro do Comité Central

Sobre o Conselho Europeu de 19 de Junho

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Como se anunciava, o Conselho Europeu de hoje não tomou decisões relativamente ao Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, nem ao denominado Fundo de Recuperação, recentemente propostos pela Comissão Europeia.

A Alemanha que, no essencial, determinou os contornos e o conteúdo das propostas em discussão – designadamente no que respeita ao Fundo de Recuperação, que reproduz os traços essenciais da proposta franco-alemã anteriormente apresentada –, irá procurar, agora, concluir esta discussão durante a sua presidência do Conselho da União Europeia, que iniciará em Julho.

No entanto, alguns dos elementos anunciados para a reunião de hoje – como a dimensão e duração do “plano de recuperação”, o peso relativo das componentes de “empréstimos” e “subvenções”, ou a condicionalidade que lhe é associada –, apontam para uma discussão condicionada e balizada pelos interesses dos principais beneficiários do processo de integração.

Só isso explica que se dê praticamente por adquirida uma proposta de orçamento da União Europeia para os próximos sete anos (2021-2027) que sofre um corte de 3 por cento face à proposta apresentada há dois anos, que por sua vez já previa um corte face ao actual quadro orçamental (2014-2020), com prejuízo do necessário reforço das verbas para assegurar uma efectiva convergência económica e social entre os diferentes países.

É sintomático também que tenha havido um prémio aos países que beneficiam de rebates, de descontos, como é o caso da Holanda, nas suas contribuições para o orçamento.

Saliente-se que se prevê que Portugal venha a contribuir mais para o orçamento da União Europeia, o que terá consequências no saldo das transferências para o País, comprometendo um necessário e efectivo crescimento das verbas a receber por esta via.

Como já sublinhado anteriormente, o chamado Fundo de Recuperação, nos moldes em que é proposto – um empréstimo contraído pela Comissão Europeia e pago (como os respectivos juros) pelo orçamento da União Europeia, ou seja, em grande medida, pelas contribuições nacionais para esse orçamento –, com grande probabilidade, representará um adiantamento de verbas aos países por conta de transferências futuras, que estes deixarão assim de receber.

A partir daqui, acentuar-se-á a pressão para a criação dos chamados “impostos europeus”, como novas fontes de receita do orçamento da União Europeia, o que de forma inaceitável constituiria um novo ataque à soberania dos Estados e o encaminhamento de receitas que deveriam ser dos orçamentos nacionais para a União Europeia, que passariam a ser administradas em função dos interesses das suas grandes potências e grupos económicos e financeiros.

A discussão no Conselho Europeu confirma os alertas no que respeita à imposição de inaceitáveis condicionalidades associadas ao Fundo de Recuperação, como a obrigatoriedade

de acatamento das determinações e “reformas” preconizadas pela União Europeia para a utilização das verbas ao abrigo deste Fundo.

É fundamental assegurar que as verbas a receber por Portugal sejam disponibilizadas sob a forma de subvenções (verbas a fundo perdido) e que sejam colocadas ao serviço da valorização do trabalho e dos trabalhadores, da defesa e promoção da produção nacional e dos sectores produtivos, da recuperação para o sector público dos sectores básicos e estratégicos da economia, da garantia de uma administração e serviços públicos ao serviço do povo e do País, do desenvolvimento soberano de Portugal.

O que a realidade que vivemos evidencia, e a reunião do Conselho Europeu confirma, é a dimensão dos problemas com que se confrontam países como Portugal e a ausência de resposta adequada da União Europeia a tais problemas.

Como o PCP tem defendido, é essencial compatibilizar a garantia de acesso dos Estados ao financiamento com medidas que travem a escalada do peso da dívida, com as consequências nefastas que daí poderão vir a decorrer, mormente num contexto marcado pela ausência de soberania monetária.

Por essa razão, e face ao anúncio recente do BCE de prolongamento e expansão do programa de emergência de compra de dívida dos Estados no mercado secundário, o PCP insiste na anulação da fracção da dívida pública suplementar, emitida pelos Estados neste período excepcional, adquirida pelo Eurossistema no âmbito dos seus programas de compra de activos, admitindo-se em alternativa a sua conversão em obrigações perpétuas, isto é, não reembolsáveis pelos Estados e a juro zero.

A actual situação torna ainda mais inaceitável que o BCE, podendo ceder liquidez ilimitada à banca, sem condições quanto à sua finalidade, não o possa fazer diretamente aos Estados. Nessa medida, justifica-se, como há muito o PCP propõe, que se levantem as restrições à possibilidade de financiamento directo do BCE aos Estados, nomeadamente através da compra direta de títulos da dívida pública nacionais, evitando a actual intermediação dos mercados financeiros, os ataques especulativos contra as dívidas soberanas e os lucros do capital financeiro à custa da redução das receitas que os Estados poderiam obter com uma venda directa de títulos da dívida ao BCE.

O PCP reafirma, além disso, a necessidade de criação de um programa de renegociação das dívidas públicas, nos seus prazos, juros e montantes, permitindo redirecionar recursos da dívida para as respostas económicas e sociais necessárias. Sublinhe-se que as transferências previstas para Portugal, durante quatro anos, ao abrigo do Fundo de Recuperação, na versão proposta pela Comissão Europeia, seriam significativamente inferiores ao que o País pagaria em juros da dívida durante o mesmo período.

Portugal precisa de aumentar a sua proteção face à chantagem dos mercados e das instituições da UE. As propostas discutidas pelo Conselho Europeu não o garantem, bem pelo contrário, ameaçam manter, ou mesmo aumentar, a vulnerabilidade do País face a tais chantagens.

Neste contexto, ganha reforçada importância a recuperação de imprescindíveis instrumentos de soberania, designadamente no plano económico e monetário, elemento estruturante de uma política alternativa, patriótica e de esquerda, de que o País carece e que o PCP propõe.

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