Intervenção de

Sobre a alteração da moldura penal no caso de crimes de incêndio florestal<br />Intervenção de Odete Santos

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP, já de há largos anos, tem vindo a apresentar aqui propostas em relação a este gravíssimo problema dos fogos florestais e o debate sobre esta questão não pode desligar-se da política florestal de sucessivos governos e do estado em que deixa-ram chegar a nossa floresta. Ora, este é um comportamento que, não sendo classificado como tal, é um crime contra a floresta e, ao mesmo tempo, um crime contra a vida. Portanto, politicamente, tem de se denunciar a inércia dos sucessivos governos relativamente a esta grande questão. Agora, o que os portugueses e as vítimas de fogos florestais querem é que sobre as medidas se faça o debate certo, não querem assistir a um debate sobre uma solução que não vai trazer qualquer resposta, que é, efectivamente, uma solução fictícia. E o que hoje está em causa é uma proposta para que seja agra-vado o mínimo da moldura penal, nem sequer é o máximo dessa moldura, e para que seja autonomizado este crime. Salvo o devido respeito, acho que isto nem sequer é uma pequenina gota de água, isto é o orvalho que enfeita quem o usa, mas que, brevemente, se irá desvanecer, porque, de facto, ver-se-á que as soluções são outras e que estas são absolutamente inócuas. Creio que este projecto de lei, um bocado insensatamente, até «aponta o dedo» para a magistratura por-tuguesa. Parece que todos os magistrados judiciais andam por aí a suspender penas a agentes criminosos, que actuam dolosamente e que querem um resultado doloso. E isto, efectivamente, não acontece. Nem sequer o relatório do Sr. Deputado António Montalvão Machado, quando fala na suspensão de penas, diz que este é o caso, porque é preciso saber em que circunstâncias é que a pena foi suspensa, se foi ou não uma actuação negligente, por hipótese. Portanto, penso que isto tem uma suspeição sobre a magistratura, e é inconcebível que isto se passe. Trata-se de uma intromissão no poder, que tem de ser livre, de julgar e aplicar a pena em relação à medida da culpa. Esta foi uma inovação da anterior revisão do Código Penal, uma inovação que toda a gente destacou, embora nem todos tivessem gostado. É moderno expor no Código Penal que nin-guém poderá ser condenado em mais do que a culpa com que tiver actuado. Ouvi, de facto, falar aqui muito na prisão preventiva, mas isto nada tem a ver com a prisão preventiva. Até dá a ideia de que, por causa da moldura ser a que é, com um mínimo de três anos, os arguidos não têm de ficar presos e vêm para a rua com termos de identidade e residência, etc., etc. Isto nada tem a ver, efec-tivamente, com a prisão preventiva. Creio que o que se passa — e o relatório do Sr. Deputado António Montalvão Machado traz umas ache-gas importantes sobre isto — é que, de facto, há míngua de instrumentos que possam carrear provas para os processos, uma vez que a maior parte das denúncias, segundo aqui está, não chegam a julgamento, porque, efectivamente, neste país também não há meios para a investigação criminal. Esta é que é a verdade! Não há meios suficientes para que se faça a investigação criminal, qualquer que seja o crime! Depois, também não é verdade quando se diz que a fixação do mínimo da pena em qua-tro anos vai implicar que eles vão logo para a cadeia, porque, relacionados com o artigo que fala na medida da culpa, o Código Penal tem mecanismos que o julgador pode aplicar para que a pena corresponda à medida da culpa, que são os mecanismos da atenuação especial da pena. E, portanto, fixar o mínimo da pena em quatro anos também não resolve qualquer problema. Ao fim e ao cabo, acabamos por concluir que, efectivamente, este projecto de lei é, como foi dito pelo Sr. Deputado António Montalvão Machado, uma resposta «a quente», digamos assim, uma resposta para dar a ideia de que se está a fazer alguma coisa, mas, efectivamente, isto não corresponde a qualquer medida que responda aos interesses das vítimas e à gravidade dos crimes que são cometidos. A este propósito, recordo o Prof. Costa Andrade, especialista em Direito Penal, e foi aqui Deputado do PSD, com quem aprendi muito, no Plenário e na Comissão, em debates interessantíssimos que travámos sobre estas matérias de Direito Penal, que, num artigo, censurou actuações como a deste projecto de lei, dizendo que era, de todo em todo, condenável uma política criminal «à flor da pele» — esta foi a expressão que ele utilizou. Seria muito fácil. Eu, agora, só porque penso que as mulheres são discriminadas, fazia aquilo que em alguns sítios se chama uma lei anti-sexista: «Quem discriminar uma mulher é punido com uma pena de prisão até três anos». Se calhar, punha quatro anos, que era para ser mais um bocadinho. Isto é também um exemplo daquilo que não pode ser feito em Direito Penal. É por isso que o PCP, que já apresentou, há muitos anos, medidas para resolver estes problemas, está disposto a trabalhar para que este gravíssimo problema termine. Para quem nasceu no interior, atravessa as suas estradas, como eu, e constata a devastação da floresta aquilo dói, é terrível! É preciso pôr mãos a isto! De facto, já é muito tarde, mas é preciso pôr mãos a isto com o convencimento de que se quer mesmo pôr mãos a isto.

 

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