Sobre as alterações ao sistema eleitoral para as autarquias

Conferência de Imprensa do PCP 

O processo de alteração do sistema eleitoral para as Câmaras Municipais que o PS insiste em retomar poderá conhecer um novo desenvolvimento na anunciada Convenção Autárquica do PS marcada para o próximo Sábado.

Desde já queremos deixar sublinhado que esta alteração realizada em nome de argumentos inconsistentes e de objectivos pouco transparentes, a concretizar-se constituiria um elemento redutor da democraticidade do poder local e um novo factor de empobrecimento da vida política.

O sistema eleitoral para as autarquias locais em Portugal apresenta características particulares e diferenciadas do modelo da maioria dos restantes países europeus. Um sistema que traduz um real avanço democrático e que ao longo de 25 anos permitiu elevados índices de realização que fizeram do poder local uma das expressões maiores da melhoria das condições de vida das populações.

Uma capacidade de realização e resposta aos problemas das populações a que não é alheio um sistema eleitoral que consagra uma composição dos órgãos como espaço de participação democrática, que favorece a cooperação de eleitos de forças políticas diversas e a unidade em torno dos problemas concretos e da sua resolução.

É esta rica e positiva experiência que o PS quer eliminar ao pretender extinguir o direito das populações a elegerem directamente os eleitos que melhor os representem na Câmara Municipal, ao propor que o Presidente da Câmara Municipal seja automaticamente o primeiro candidato da lista mais votada para a Assembleia Municipal e ao atribuir a este o poder absoluto de escolha dos vereadores que irão constituir o executivo municipal.

Pelo que a primeira questão que se coloca é a de perceber as razões que levam o PS a querer substituir um sistema que comprovadamente funciona e que tem garantido a estabilidade dos órgãos autárquicos.

E a resposta está, por mais palavras que pretendam mostrar o contrário, muito mais na indisfarçavel atracção pelo poder absoluto e pela sua instrumentalização do que por razões ditadas por intenções de reforço do poder local.

A verdade é que a pretexto da estabilidade e da operacionalidade o que se visa é sacrificar a representatividade e a legitimidade democrática.

Como a experiência de 25 anos de poder local o demonstra, são falsos os argumentos que na base de uma alegada falta de estabilidade ou eficácia das autarquias pretendem servir de justificação a esta alteração.

Bastaria recordar que em sete mandatos autárquicos apenas em 19 vezes, menos de 1 % do total dos 2135 executivos municipais que foram formados, foi necessário recorrer a eleições intercalares e que em dez dessas situações a força maioritária que detinha a presidência se encontrava em maioria absoluta.

Ou recordar, àqueles que identificam a estabilidade com uma maioria absoluta de mandatos da força maioritária, que no actual mandato em 276 municípios dos 305 eleitos (ou seja em 90 %) a força política que detém a presidência dispõe de maioria absoluta de mandatos. O que, além de mais, põe em evidência o absurdo de, por causa de maiorias relativas em 10% dos municípios, querer mudar o sistema eleitoral do conjunto dos municípios.

Como igualmente falsos são os argumentos que pretendem apresentar esta alteração como um factor de valorização das assembleias municipais.

Desde logo porque a afirmação e a dignificação das assembleias municipais não é incompatível com a eleição directa dos órgãos executivos nem teria de ser feita à conta da eliminação da presença dos vereadores dos partidos em minoria nas Câmaras Municipais. A valorização do papel das assembleias municipais depende sobretudo do reforço dos poderes efectivos e dos seus meios de funcionamento e não da atribuição da competência, pouco mais que formal, de selar com o seu voto a composição do executivo municipal moldado à partida pela força do voto da força ganhadora.

A constituição de executivos monocolores traduzir-se-ia num efectivo empobrecimento dos mecanismos de fiscalização e constituiria um rude golpe na transparência da gestão de muitas das autarquias.

É incontestável que, em matéria de fiscalização legal e democrática, a presença de eleitos de outras forças políticas nas câmaras municipais são uma garantia mínima de legalidade, de efectivo conhecimento e verificação dos processos e actos de gestão e de decisão, indispensáveis a uma efectiva fiscalização que manifestamente a assembleia municipal não tem condições de assumir.

A alteração proposta representaria um novo e mais grave factor de empobrecimento democrático e de deslegitimação da vontade directa das populações.

Desde logo porque, a ser aprovada esta alteração, a escolha em concreto de todos e de cada um dos vereadores que até hoje é feita através da vontade directa de cada um dos eleitores passaria a resultar da mera escolha unipessoal do futuro presidente da Câmara.

E também porque não só a relação de representatividade entre um eleitor e o vereador eleito com o seu voto desaparecerá, como na generalidade das situações mais de metade da população e dos eleitores deixarão de se ver representados no executivo municipal.

Não deixa de ser esclarecedor que aqueles que repetem hinos à participação dos cidadãos e à proximidade entre eleitos e eleitores lhes neguem logo à partida o simples e inalienável direito de, com o seu voto, poderem escolher aqueles que melhor os representem.

Pela nossa parte queremos aqui afirmar o nosso empenho em travar a batalha para impedir a concretização da alteração do sistema eleitoral para as autarquias. Não por razões de cálculo de ganhos e perdas globais, mas, sim, pela firme convicção de que o sistema actual tem um insubstituível valor democrático que, a perder-se, levaria consigo o que de mais importante assegura em termos de eficácia, participação democrática e transparência de procedimentos.

E reafirmar que com maioria absoluta ou relativa manteremos inalterável a nossa forma de gerir o poder local: em diálogo, com apelo à participação e ao envolvimento no trabalho de todos os eleitos interessados na resolução dos problemas. Com a tranquilidade de quem, convivendo bem com opiniões diferentes e com contribuições diversas, não teme a presença fiscalizadora e exigente de outros.

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