Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

"O sistema financeiro é demasiado importante para estar nas mãos e ao serviço do grande capital"

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

Há quase três décadas, a privatização da banca nacional foi apresentada, pelos seus defensores e beneficiários, como um processo pleno de vantagens, fundamental para a modernização e o desenvolvimento do nosso país.

A vida encarregou-se de os desmentir categoricamente!

É hoje uma evidência que a entrega dos bancos e também das seguradoras ao grande capital foi uma opção política contrária aos interesses dos trabalhadores, das empresas, da economia nacional e do país.

As privatizações do sector bancário público retiraram ao Estado alavancas de comando económico, de decisão estratégica e de direcção operacional necessárias a uma política económica e financeira de acordo com os interesses nacionais.

A banca privada, reconstituída a partir das privatizações do sector empresarial financeiro público, serviu para engrossar os lucros dos grandes accionistas, enriquecer ainda mais umas quantas famílias, extrair riqueza dos sectores produtivos e direccioná-la para a especulação financeira, parasitar o investimento e o gasto do Estado, favorecer a fuga aos impostos, a fraude fiscal e a lavagem de capitais, promover a transferência para o estrangeiro de riqueza nacional.

Depois de espremerem os bancos, retirando-lhes tudo o que pode ser retirado, os accionistas privados abandonam o barco, deixando aos contribuintes o encargo de tapar buracos de milhares de milhões de euros.

Perante o desastre que representou para o país a destruição do sector empresarial financeiro público e a criação de um sector bancário privado, o que fazer?

Alguns sugerem que o problema reside na deficiente supervisão do sistema financeiro e, consequentemente, a solução passaria por mais e melhor supervisão. São aqueles que após o descalabro do BPN e consequente reforço dos mecanismos de supervisão disseram: nunca mais! E após o colapso do BES tornaram a dizer: nunca mais! E agora, depois do escândalo do Banif, não deixarão de clamar: nunca mais! Mas a verdade é que, por mais camadas de supervisão que se acrescentem, esta revela-se totalmente incapaz de impedir que regularmente os portugueses sejam chamados a pagar os desmandos dos banqueiros.

Outros, apenas aparentemente ingénuos, reconhecendo as profundas limitações da supervisão, atribuem os problemas da banca à falta de carácter de alguns banqueiros. Removendo a fruta podre das administrações dos bancos e apelando a um comportamento dos banqueiros orientado pelos mais elevados padrões morais, a banca privada, como por um passe de mágica, passaria a estar ao serviço dos interesses nacionais. Esta é uma perspectiva que não tem qualquer adesão à realidade, como bem mostraram os casos do BPN, do BES e agora do Banif.

Outros pensaram ter encontrado na União Europeia a solução para os problemas do setor financeiro nacional. Mas não precisaram de esperar muito tempo para que o caso do Banif lhes mostrasse, para além de qualquer dúvida, que a União Bancária tem o objetivo, denunciado pelo PCP desde o primeiro momento, de favorecer o processo de concentração e centralização da banca ao nível da União Europeia, colocando-a sob o domínio dos grandes grupos financeiros continentais. No caso concreto do Banif, as instituições europeias decidiram que este banco, depois de limpinho e pronto a render, seria entregue a um megabanco espanhol; quanto à factura, pois claro, foi passada aos contribuintes portugueses.

A solução dos problemas do sistema financeiro nacional não passa pelo reforço da supervisão, pela moralização dos banqueiros ou pela entrega do poder decisório às instituições da União Europeia. A solução passa, como o PCP vem desde sempre defendendo, pelo controlo público da moeda, do crédito e de outras actividades financeiras essenciais.

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

O sistema financeiro é demasiado importante para o desenvolvimento do país para que possa estar nas mãos e ao serviço do grande capital.

A necessidade de consolidar o sistema bancário e conter os riscos sistémicos, de assegurar uma efectiva fiscalização da banca, de travar a especulação financeira e canalizar as poupanças e recursos financeiros nacionais para o investimento produtivo, de defender a soberania nacional exige o controlo público do sistema financeiro.

É esse o caminho que devemos seguir, é esse o caminho que o interesse nacional impõe!

Disse!

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Assembleia da República
  • Intervenções
  • Banca