Projecto de Resolução N.º 26/XIV/1ª

Simplificação do acesso ao Título de Reconhecimento do Estatuto da Agricultura Familiar e concretização de apoios concretos aos seus titulares

Exposição de motivos

Para o PCP defender e valorizar a agricultura familiar é fundamental já que esta assume uma importância estratégica para a produção nacional, para a qualidade e para a soberania alimentar, para a ocupação harmoniosa do território, para a defesa do meio ambiente, da floresta e do mundo rural, para a coesão económica e social em vastas regiões.

Apesar da sua reconhecida importância, o exercício da atividade agrícola para os pequenos e médios agricultores familiares, distribuídos no território nacional por cerca de 300 000 explorações, depara-se com um conjunto de problemas cuja dimensão reclama a adoção de respostas estruturais de defesa do mundo rural e da agricultura familiar, respostas essas que o Governo tarda em encontrar e concretizar.

Sendo certo que a publicação do Decreto-Lei n.º 64/2018, de 7 de agosto, que consagra o Estatuto da Agricultura Familiar, doravante referido apenas como Estatuto, vá ao encontro das reclamações reiteradas de muitos agricultores, os critérios de acesso que nele se encontram estabelecidos, em especial o limite imposto de um montante de apoio não superior a 5000 euros decorrente das ajudas da Política Agrícola Comum incluídas no pedido único, deixa injustamente de fora muitos agricultores familiares cuja natureza e dimensão das explorações e rendimentos auferidos, justificaria a atribuição do Estatuto.

Também a imposição genérica de considerar rendimentos coletáveis enquadráveis integrados no 4.º escalão do imposto do rendimento de pessoas singulares, aplicado aos rendimentos dos agregados familiares deixa sem acesso ao Estatuto muitos agricultores familiares que exercem a atividade agrícola como segunda atividade ou como atividade complementar à reforma, situação corrente no País em resultado dos baixos rendimentos garantidos à produção.

Por outro lado, o o Decreto-Lei que estabelece o Estatuto, não concretiza medidas específicas que valorizem a atividade da exploração e da dinamização do Mundo Rural e não aponta medidas concretas que venham melhorar as condições para o exercício da atividade agrícola por parte dos que vierem a ser detentores do Estatuto, faltando proceder à Regulamentação e ao financiamento para que este Estatuto tenha eficácia.

No quadro do debate do OE para 2019, a proposta do PCP de garantir esse financiamento foi chumbado e hoje, se se perguntar a um qualquer agricultor que direitos lhe confere a atribuição do Estatuto, nenhum deles será capaz de referir um, sequer. Tal situação explica o significativo atraso nas candidaturas dos agricultores face ao Estatuto.

E o mesmo se pode dizer da Portaria n.º 73/2019, de 7 de março, que regulamenta o procedimento relativo à atribuição do Estatuto da Agricultura Familiar, mas que em nada acresce à especificação das medidas de apoio a atribuir aos agricultores familiares, quer em termos da concretização dos direitos, quer em termos das dotações necessárias para a eficácia para tais direitos, instituindo um procedimento declaradamente desadequado às características dos pequenos e médios agricultores familiares e do Mundo Rural.

O procedimento constante da Portaria n.º 73/2019, de 7 de março, pelos requisitos que impõe, não considera a idade de um conjunto significativo dos agricultores familiares, as dificuldades na utilização das tecnologias informáticas e as dificuldades de acesso a redes informáticas nas zonas do interior, conduzindo desde logo ao abandono por muitos agricultores, que poderiam ser abrangidos, da intenção de formulação do pedido de Título de Reconhecimento do Estatuto.

A continuada ausência de definição das medidas de apoio e de descriminação positiva a que os agricultores familiares terão acesso, mantém-se igualmente como fator inibidor de requerimento do Estatuto por parte dos potenciais beneficiários, constituindo um elemento dissuasor para acesso a este Título, por falta de evidência de benefícios da sua atribuição.

A evidenciar o exposto e a comprovar a apreciação que o PCP tem apresentado sobre esta matéria, tem-se a informação tornada pública após reunião da Comissão Nacional da Agricultura Familiar em junho de 2019, onde é reconhecido que até a essa altura poucos seriam os agricultores aderentes ao Estatuto e a admissão de que o trabalho de concretização de medidas concretas de apoio à agricultura familiar está ainda por percorrer, mantendo-se apenas o avanço num conjunto de intenções.

Tal como o PCP tem vindo reiteradamente a afirmar, para que o Estatuto da Agricultura Familiar se traduza no instrumento de desenvolvimento da Agricultura e do Mundo Rural de que o país necessita, é obrigatório para a sua implementação que seja preconizada a revisão dos critérios de acesso e a forma de requerimento do Estatuto, a concretização das medidas de apoio a serem disponibilizadas, a sua ampla publicitação e informação, a simplicidade de acesso às mesmas e a disponibilização das verbas necessárias para lhes dar resposta.

Nestes termos, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:

Resolução

Tendo presente a necessidade de dar resposta a um conjunto de questões que dificultam a atribuição do Reconhecimento do Estatuto da Agricultura Familiar, quer pelos critérios de acesso ao Estatuto, quer pela atual forma de requerimento do mesmo, bem como da necessidade de concretizar as medidas de apoio a que a atribuição do Título de Reconhecimento do Estatuto da Agricultura Familiar dará acesso e assim reduzir os entraves à reclamação do Estatuto por grande parte dos que dele poderiam beneficiar (num total de cerca de 300 000 explorações), a Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que adote as seguintes medidas no sentido de promover a atribuição do referido Título de Reconhecimento aos que dele possam beneficiar:

  1. Proceder até 31 de dezembro de 2019 à alteração dos requisitos para reconhecimento do Estatuto de Agricultura Familiar, no que se refere aos aspetos estabelecidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do Artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 64/2018, de 7 de agosto, passando a considerar:
    1. Um rendimento coletável inferior ou igual ao valor enquadrável no 4.º escalão do rendimento de pessoas singulares tendo como referência a componente relacionada com a atividade agrícola.
    2. Um limite superior de 10 000 euros de apoio estabelecido para as ajudas da Política Agrícola Comum, para a atribuição do Estatuto, dirigido apenas às ajudas integradas nos Regimes de Apoio aos Pagamentos Diretos.
  2. Proceder até 31 de dezembro de 2019 à alteração dos requisitos para reconhecimento do Estatuto de Agricultura Familiar de modo a que a atribuição do título de reconhecimento do Estatuto possa ser dada quer ao titular da exploração agrícola familiar quer ao seu cônjuge, no caso do detentor do título de propriedade da exploração não coincidir com o cônjuge que exerce a atividade agrícola.
  3. Assegurar, em cada serviço descentralizado dos Ministérios com a tutela da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, balcões dedicados de apoio aos agricultores na elaboração dos requerimentos de Título de Reconhecimento do Estatuto da Agricultura Familiar, por todos os que pretenderem beneficiar do Estatuto, compatibilizando a informação já recolhida no âmbito das submissões apresentadas a medidas do PDR2020, ou já recolhidas pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P (IFAP).
  4. Manter e alargar nos diferentes serviços descentralizados dos Ministérios com a tutela da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural uma via dedicada ao atendimento e apoio aos agricultores beneficiários do Título de Reconhecimento do Estatuto da Agricultura Familiar.
  5. Garantir a contratação dos técnicos necessários para o Ministério da Agricultura à recuperação dos serviços de extensão rural e ao apoio técnico dirigido aos detentores do Estatuto.
  6. Estabelecer até 31 de Dezembro de 2019 um regime específico de contratação pública, que inclua critérios de seleção assentes na qualidade alimentar e no interesse socioeconómico das regiões, para fornecimento de proximidade de bens agroalimentares a serviços públicos e entidades prestadoras de serviços públicos a que os agricultores poderão aceder ao abrigo do Estatuto da Agricultura Familiar, de forma a permitir escoar a produção de forma adequada, garantindo rendimentos justos a estes produtores.
  7. Proceder até 31 de dezembro de 2019 à adaptação das condições de reconhecimento de organizações de produtores e respetivas associações de modo a que os critérios estabelecidos no Anexo IV da Portaria n.º 298/2019, de 9 de setembro, venham a considerar a realidade da produção familiar e respetivos rendimentos.
  8. Estabelecer, envolvendo, desde logo, as autarquias locais, o quadro de garantia de que os titulares do Estatuto têm acesso aos mercados locais de forma gratuita e com regras, designadamente fiscais, bastante simplificadas.
  9. Criar, operacionalizar e dotar dos meios financeiros adequados, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2019, uma linha de financiamento a fundo perdido para apoio a pequenos investimentos na produção agrícola e pecuária dirigida aos detentores do Estatuto.
  10. Promover a criação de um Seguro Coletivo à produção, adaptado à agricultura familiar, do qual os titulares do Estatuto de Agricultura Familiar beneficiem.
  11. Assegurar que, até 1 de janeiro de 2020, é apresentado por cada área governativa o conjunto de medidas de apoio no âmbito da agricultura familiar e o respetivo programa de implementação, considerando as verbas necessárias no Orçamento do Estado que vier a ser estabelecido para 2020.
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