Sem medo das palavras<br />Artigo de Vítor Dias no &quot;Avante!&quot;

Enquanto acumulamos a aconselhável serenidade antes de, aqui ou noutro espaço, darmos uma merecida sapatada na repugnante maré de mentiras, calúnias e infâmias despejadas sobre o PCP na última semana, ocupemo-nos pois de outro assunto porventura mais importante porque mais estruturante. Não se trata apenas de registar a forma (infelizmente perfeitamente ponderada) como, com o seu discurso e iniciativas em torno da alegada «reforma do sistema político», o PS se associa à direita na reflexa apresentação dos partidos como principais depositários dos piores vícios e podridões da vida nacional. Não se trata também de apenas registar – o que já não seria pouco. – que o PS converge com a direita (e vice-versa) no propósito de impor, por via legislativa, inadmíssiveis e intoleráveis ingerências estatais na vida interna dos partidos. Trata-se sobretudo, por hoje, de registar indignadamente que o PS, ao que parece ultrapassando pela direita a própria direita, acaba de apresentar um projecto de lei dos partidos que propõe a obrigatoriedade de os partidos sujeitarem os seus Estatutos a aprovação do Tribunal Constitucional, em vez do sistema de mero registo, entrega ou depósito que hoje vigora. Não há que ter medo das palavras: com a aprovação de uma tal proposta não regressaríamos obviamente à ditadura fascista, mas regressaríamos ao essencial do regime jurídico e das concepções que, naquele tempo ignominioso, obrigavam – não os partidos, porque só havia o único (a UN/ANP) - mas todas as associações (colectividades, sindicatos, etc) a sujeitarem os seus Estatutos à aprovação do Ministério do Interior. Acrescente-se que seria suposto que, no PS, ainda houvesse gente com idade ou informação suficientes para saber que foi precisamente em convicta e assumida ruptura com estas concepções que a ordem jurídica pós-25 de Abril as baniu e que, por exemplo, ainda hoje as manifestações não precisem de ser autorizadas por nenhuma entidade administrativa bastando a comunicação ou participação da sua realização. Ficam pois os factos para a necessária reflexão, indignação e acção de cada um. Só faltando dizer que, num caminho de coerência, o PS ainda vai ter de dar o passo de alargar esta imposição legal a sindicatos, colectividades, fundações, associações de consumidores,. ONG’S, etc, pois, pelos vistos, nos Estatutos de todas essas entidades pode haver terríveis entorses a sagrados príncipios democráticos. E, já agora, nem os bancos deviam escapar por causa dessas horríveis regras anti-democráticas em que assenta a chamada «blindagem» dos seus Estatutos ou pactos sociais.

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