Intervenção de Carla Cruz na Assembleia de República

"A ruptura dos serviços de urgências é o resultado das opções e da política do Governo"

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
A política de saúde do Governo tem consequências extremamente gravosas e nefastas para os utentes do Serviço Nacional de Saúde, como o comprova a situação de rutura e de caos em que se encontram os serviços de urgência.
A rutura dos serviços de urgência é o resultado das opções e da política de saúde do Governo, uma política de ataque e de desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
A rutura dos serviços de urgência é o resultado da política de redução de profissionais e condições materiais para dar resposta às necessidades das populações, do encerramento de serviços de proximidade, da degradação dos serviços de urgência nos centros hospitalares.
A rutura dos serviços de urgência é o resultado da política de redução do número de camas nos hospitais. Só nestes quatro anos foram reduzidas mais de 900 camas no SNS. Esta medida foi um erro e a realidade está a demonstrar, todos os dias, que as camas encerradas por este Governo fazem falta, tanto que algumas estão agora a ser reabertas.
A rutura dos serviços de urgência é o resultado da política de desvalorização social e profissional dos trabalhadores da saúde, do ataque aos direitos laborais dos profissionais de saúde, que preferem emigrar ou reformar-se antecipadamente, com cortes nas reformas, do que continuarem a ser maltratados pelo Governo.
Quando acusamos o Governo de desenvolver uma política de ataque e desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde é de tudo isto que falamos, e a rutura nos serviços de urgência aí está a confirmar que temos razão quando acusamos o Governo de condenar os portugueses à morte antecipada.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
A situação de rutura que afeta, de norte a sul do País, os serviços de urgência dos hospitais não é pontual, não é de agora.
A rutura dos serviços de urgência está instalada há muitos meses. Há muitos meses que os doentes esperam muitas horas para serem atendidos nos serviços de urgência. A situação de rutura em que se encontram os serviços de urgência não é conjuntural, contrariamente ao que o Governo diz. É uma situação estrutural, e o Governo sabe-o muito bem!
Desde o último debate com o Ministro da Saúde, há quinze dias, os problemas não se resolveram, antes pelo contrário houve um agravamento da situação e tornou-se mais evidente o prejuízo que o Governo está a causar aos doentes.
Os últimos dias têm sido férteis em anúncios, por parte do Governo, de medidas para resolver o caos das urgências. Medidas que, contrariamente ao que o Governo diz, não solucionam definitivamente o problema, apenas o poderão mitigar.
Vejamos, então, algumas dessas medidas. A medida que autoriza os hospitais e centros hospitalares a contratarem profissionais não resolve o problema, pois os hospitais só podem contratar desde que não ultrapassem os montantes previstos para 2014.
A medida que prevê o alargamento do horário de funcionamento dos centros de saúde só vigorará até ao final do mês de fevereiro. E o que acontecerá depois?
A medida que permite a reabertura de camas nos hospitais fica muito aquém das necessidades, já que o número de camas encerradas no passado é muito superior às que agora são abertas. E — pasme-se! —, esta medida, que tem como objetivo desviar os doentes dos hospitais públicos para os hospitais privados, demonstra inequivocamente que o Governo se orienta por razões que não são as do interesse público e da salvaguarda do Serviço Nacional de Saúde; antes pelo contrário, a ação do Governo continua a ser norteada no sentido de favorecer os grandes grupos económicos do setor da saúde em prejuízo dos utentes.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Perante o desastre que está criado na saúde, PSD e CDS tentam fugir às suas responsabilidades e queriam impedir que o Ministro da Saúde viesse prestar contas à Assembleia da República.
Porque não querem PSD e CDS debater o problema? O que temem os Deputados do PSD e do CDS? Temem o confronto com a realidade, temem o confronto com o resultado das opções políticas do Governo no Serviço Nacional de Saúde e nos serviços de urgência!
O PCP exige que essas responsabilidades sejam assumidas e, por isso, utilizamos o direito potestativo para exigir a presença do Ministro da Saúde na Assembleia da República, impedindo que CDS e PSD possam furtar-se ao debate.
E faremos mais: o PCP não se furta ao debate e quer continuar a ouvir de viva voz as dificuldades sentidas pelos utentes e pelos profissionais de saúde.
Por isso, realizaremos já no próximo dia 30 uma audição pública, aqui, na Assembleia da República, sobre as questões da saúde e pela defesa do Serviço Nacional de Saúde.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, é preciso pôr fim à destruição do Serviço Nacional de Saúde levado a cabo pelo Governo! É preciso travar esta política e este Governo!
É preciso pôr fim à política que todos os dias impede que milhares de portugueses acedam aos cuidados de saúde e procura poupar à custa da vida dos portugueses.
Perante problemas que são estruturais e não conjunturais, é necessário mudar de políticas. É necessário contratar profissionais e valorizá-los social e profissionalmente, integrando-os nas carreiras e promovendo a estabilidade laboral.
É necessário pôr cobro à contratação de empresas de trabalho temporário.
É necessário reforçar os cuidados de saúde primários através da reabertura de centros e extensões de saúde que foram encerradas por este e anteriores governos.
É necessário fazer investimento no Serviço Nacional de Saúde, dotando-o de meios materiais e financeiros que possibilitem a prestação de cuidados de saúde de qualidade.
São estas as soluções que permitem resolver os problemas dos serviços de urgência e do Serviço Nacional de Saúde. É por elas que o PCP continuará a bater-se.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Cristóvão Simão Ribeiro,
A realidade de todos os dias e a realidade de todos os portugueses que vão ao Serviço Nacional de Saúde desmentem, de forma cabal e cristalina, tudo o que o Sr. Deputado disse.
A realidade de todos os dias mostra que muitos portugueses, hoje, não conseguem aceder ao Serviço Nacional de Saúde devido a medidas deste Governo.
Hoje, a realidade comprova que há serviços de proximidade que foram encerrados pelo PSD e pelo CDS-PP.
Sr. Deputado, a realidade de todos os dias mostra que há doentes que esperam horas a mais, que ultrapassam todos os tempos previstos na dita escala de Manchester e que essa situação não é pontual, contrariamente ao que disse. Esta é uma situação estrutural, é uma situação que ocorre há muitos meses. O Governo sabia desta situação e nada fez para a combater.
É por opção política e ideológica deste Governo que a situação nas urgências e nos hospitais está desta maneira.
Entre 2009 e 2014, saíram do Serviço Nacional de Saúde, de acordo com os dados do balanço do Ministério da Saúde, mais de 6000 trabalhadores.
Sr. Deputado, não são só médicos que faltam no Serviço Nacional de Saúde. Faltam médicos — e muitos! — nos cuidados de saúde primários, nos cuidados hospitalares, mas também faltam enfermeiros, assistentes técnicos, assistentes operacionais, porque estes profissionais também são importantes para o funcionamento das urgências.
Sr. Deputado, o Partido Comunista Português não faz chicana da saúde dos portugueses. O Governo do PSD, de facto, não tem respeitado os direitos dos utentes, e o Sr. Deputado fez chicana das dificuldades deles.
O Sr. Deputado não respondeu a nenhuma das dificuldades e o Governo também não tem respondido às necessidades e aos direitos dos utentes. Tendo em conta que esta situação é da responsabilidade do Governo, o PCP já requereu que ele venha aqui assumir as suas responsabilidades relativamente à situação das urgências e do Serviço Nacional de Saúde.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Helena Pinto,
Agradeço a questão que nos colocou.
De facto, só uma política de financiamento, tal como disse na declaração política, e uma política que permita a contratação dos profissionais, a valorização social e profissional dos trabalhadores da área da saúde é que poderão levar a uma rutura e a uma melhoria na situação do Serviço Nacional de Saúde e das urgências.
Sr.ª Deputada, também gostaria de dizer que a rutura a que os serviços de urgência chegaram não é de hoje, não é de agora, resulta das opções políticas que este Governo e os anteriores têm tomado.
A redução do número de camas dos hospitais foi uma medida extremamente gravosa para o Serviço Nacional de Saúde e hoje percebe-se como essa medida foi tão mal feita. Mas a intenção era clara: à medida que se reduzia o número de camas no serviço público — foram mais de 900 —, surgiam muitas mais camas nos privados. E este aparecimento de camas nos privados decorre, claramente, do que tem sido a opção política do atual Governo: cortar no público para entregar ao privado.
Esta medida clara que agora vem dizer que os serviços de urgências do Serviço Nacional de Saúde podem encaminhar os utentes para os hospitais privados serve, claramente, estes intentos da maioria, que são atacar, desinvestir, destruir o Serviço Nacional de Saúde e favorecer o setor privado da saúde.
Sr.ª Deputada, permita-me também dizer que é fundamental haver uma rutura com a política de direita. É preciso romper com todos os constrangimentos que estão a impedir que o País progrida, se desenvolva e que o Serviço Nacional de Saúde possa cumprir o que está na Constituição, ou seja, que todos os utentes tenham direito a uma saúde geral e universal. É isso que a política deste Governo está a impedir que os portugueses tenham.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado José Luís Ferreira,
Agradeço-lhe a questão que colocou e, sobretudo, por ter abordado uma questão que é essencial: a importância que os cuidados de saúde de proximidade e os cuidados primários de saúde têm para o Serviço Nacional de Saúde.
Hoje, sabemos que 70% dos cuidados que são prestados nos hospitais poderiam ser prestados nos cuidados de saúde primários, mas não são prestados a esse nível porque os cuidados de saúde primários foram encerrados.
Este Governo, prosseguindo, aliás, uma medida anterior, continuou a encerrar serviços de proximidade, como centros de saúde, extensões, SAP (serviços de atendimento permanente). Portanto, Sr. Deputado, contrariamente ao que tem sido o apanágio e a propaganda deste Governo relativamente ao facto de estar a reforçar os cuidados de saúde primários, a realidade de todos os dias mostra, claramente, que este Governo tem feito o contrário. Este Governo tem desinvestido ao nível dos cuidados de saúde primários.
Sr. Deputado, deixe-me reiterar e dissertar sobre uma das medidas conjunturais que o Governo agora utilizou para combater este caos das urgências, que foi o prolongamento do horário de funcionamento dos centros de saúde à noite e aos fins de semana.
Em relação a isso, pasme-se que o Sr. Ministro da Saúde, quando confrontado por nós, há 15 dias, em relação a informações da ARS Norte, disse que «não, é mentira, isso não é verdade». Mas o que aconteceu foi que tivemos informações, no dia 9 de janeiro — o Sr. Ministro esteve cá no dia 8 —, que a unidade de saúde familiar da Aguda, em Vila Nova de Gaia, teve indicações para encerrar. Esta unidade de saúde, que tinha um horário prolongado, teve indicações para encerrar no dia 1 de fevereiro. Como disse, esta informação chegou à unidade de saúde no dia 9 de janeiro, ou seja, um dia depois de o Ministro ter dito aqui que nenhuma unidade de saúde com horário alargado iria encerrar.
Há mais: temos a informação de que, a partir do dia 1 de fevereiro, as unidades de saúde familiar de Anta, em Espinho, de Egas Moniz e de Terras de Santa Maria, ambas de Santa Maria da Feira, passarão a estar encerradas aos fins de semana.
Sr. Deputado, são com estas medidas que o Governo diz que quer combater o caos nas urgências. Só se combate, de facto, o caos nas urgências com outra política, com outro governo, um governo que não compactue com estas medidas economicistas e de ataque ao Serviço Nacional de Saúde.
(…)
Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada do CDS, Teresa Caeiro,
A prova do vosso apreço pelo Serviço Nacional de Saúde está à vista, a realidade mostra-a todos os dias.
O caos nas urgências, a situação dramática com que os portugueses se confrontam quando têm necessidade de ir às urgências é a prova do vosso apreço pelo Serviço Nacional de Saúde.
Mas há mais, Sr.ª Deputada: o vosso apreço pelo Serviço Nacional de Saúde está nas escalas que uma empresa de trabalho temporário faz no recrutamento de médicos para assegurarem as urgências hospitalares.
A prova do vosso apreço pelos profissionais do Serviço Nacional de Saúde está na desvalorização social e profissional com que vocês brindam os trabalhadores da saúde.
Veja, Sr.ª Deputada: para o hospital da Figueira da Foz, escalas de janeiro, dia 25, domingo, das 20 horas às 8 horas da manhã. Sabe qual é o valor à hora? Sr.ª Deputada, 18 euros. Está aqui aquilo que é o apreço que o CDS-PP tem pelo Serviço Nacional de Saúde e pelos profissionais que todos os dias «dão o litro», que todos os dias dão o seu melhor, para que a situação das urgências não esteja ainda mais caótica!
E, Sr.ª Deputada, não é o PCP que o diz, é a própria Presidente da Associação dos Administradores Hospitalares.
Os profissionais de saúde estão exaustos, estão no fim, e não é por causa do PCP mas pela política deste Governo, por aquilo que o CDS e o PSD têm feito aos trabalhadores, que leva a que as urgências esteja na situação em que está.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Luísa Salgueiro, do Partido Socialista,
Começo por agradecer a questão que colocou.
Sr.ª Deputada, de facto, a situação caótica de rutura dos serviços de urgência não é de agora, não é resultado dos surtos de gripe ou dos picos de calor. É, sim, decorrente das políticas — políticas, essas, que, já o dissemos hoje aqui, não são de agora, vêm de outros governos e são prosseguidas por este Governo — de redução do número de profissionais, de desvalorização social e profissional dos profissionais de saúde, de redução e de corte de direitos destes profissionais, que levaram muitos profissionais que hoje fazem faltam ao Serviço Nacional de Saúde a abandoná-lo precocemente.
Aquilo que é importante é uma rutura com esta política, uma rutura com a política que tem levado ao encerramento de serviços de proximidade.
Aproveito esta oportunidade para dizer à Sr.ª Deputada Teresa Caeiro que um centro de saúde recentemente encerrado foi a Extensão de Saúde Louro, em Vila Nova de Famalicão. Encerrou em dezembro, no pico da gripe e do frio, naquela altura em que o Governo vinha cá dizer: «Vamos investir nos cuidados de saúde».
Sr.ª Deputada Luísa Salgueiro, aquilo que iremos fazer e aquilo por que nos iremos debater é pela valorização social e profissional dos trabalhadores da saúde, e não só.
Iremos continuar a debatermo-nos para que aqueles centros e extensões de saúde que foram encerrados quer por este Governo, quer pelo anterior sejam reabertos.
Iremos continuar a debatermo-nos pelo fim da prestação de cuidados de saúde, através de empresas de trabalho temporário, mas temos dúvida, Sr.ª Deputada, que o Partido socialista nos acompanhe nestas medidas. É porque muitas das medidas que apresentamos o PS não nos acompanha, o PS não as valoriza e não as vota favoravelmente. Muitas vezes, acompanha mais o PSD e o CDS-PP do que propriamente aquilo que é a defesa do Serviço Nacional de Saúde e as propostas apresentadas pelo Partido Comunista Português.

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