Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

"Repetem até à exaustão que o país está melhor, mas continuam as medidas de empobrecimento dos trabalhadores e do povo"

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Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo,

Este Orçamento do Estado representa uma tentativa de prosseguir, não só em 2015, mas por décadas, a política de exploração e empobrecimento dos PECs e do Programa da Troica.

O Governo repete até à exaustão que o país está melhor, que entramos num período de crescimento económico e de criação de emprego, que o défice orçamental está controlado e que a dívida pública irá finalmente diminuir, mas, simultaneamente, continua a impor medidas de empobrecimento dos trabalhadores e do povo.

Confirmando esta contradição insanável entre o seu discurso e as suas opções políticas, o Governo apresenta uma proposta de orçamento que confisca salários e pensões, que promove o desemprego e a precariedade, que prossegue o desmantelamento das funções sociais do Estado e dos serviços públicos, que agrava ainda mais a insuportável carga fiscal que recai sobre os trabalhadores e o povo, que acentua o ataque ao poder local e à sua autonomia, que consagra a criminosa política de privatização de empresas e setores estratégicos da economia nacional.

É um orçamento que soma mais de 1.200 milhões de euros de austeridade adicional à já difícil situação em que se encontra o país e as vidas dos trabalhadores e do povo.

Impossibilitado pelo Tribunal Constitucional de cortar os salários como pretendia, o Governo mantém congelados os salários na Administração Pública até 1.500 euros e aplica a partir desse valor novos cortes que podem ir até 8%. Empurra milhares de trabalhadores da Administração Pública para a chamada requalificação – antecâmara do despedimento – e, por essa via, aplica-lhes um corte de pelo menos 60% nos seus salários. Insiste nos cortes dos suplementos remuneratórios, do subsídio de refeição, das ajudas de custo e da remuneração do trabalho suplementar e trabalho noturno. Renova os aumentos dos descontos para ADSE, SAD e ADM e prossegue com o seu objetivo de destruição de mais 12.000 postos de trabalho na Administração Pública, número que ultrapassa os 100.000 no período compreendido entre 2010 e 2015.

Impossibilitado pelo Tribunal Constitucional de aplicar nas pensões os cortes que pretendia por via da Contribuição de Sustentabilidade, o Governo insiste em novos cortes nas pensões de valor mais elevado, para as quais os pensionistas fizeram os seus descontos ao longo de uma vida de trabalho, e renova o congelamento da generalidade das pensões. Prevê várias medidas que dão expressão ao aumento da idade de reforma por via do chamado fator de sustentabilidade, insiste no corte dos complementos de pensão dos reformados das empresas públicas, congela o valor das prestações sociais por via da não atualização do Indexante de Apoios Sociais. Através da imposição de um teto máximo, o Governo corta 100 milhões de euros nas prestações sociais.

Com este Orçamento do Estado, o Governo prossegue a política de redução do investimento público. Não é possível obter um crescimento sustentável do PIB em torno dos 3% se o investimento representar menos do que 25% do PIB e o investimento público for inferior a 5%. Para 2015, o Governo prevê um investimento global e um investimento público muito abaixo destes limiares, não permitindo sustentar um crescimento adequado às necessidades de desenvolvimento nacional.

O Governo prossegue ainda a política de estrangulamento financeiro e desmantelamento dos serviços públicos e das funções sociais do Estado. Encerra serviços públicos, corta 8,3% nos orçamentos da Educação e do Ensino Superior, 0,7% nos serviços públicos de Saúde e 1,4% na Solidariedade, Emprego e Segurança Social, ao mesmo tempo que aumenta as verbas para os negócios privados feitos com dinheiros públicos do Orçamento do Estado.

Os brutais sacrifícios impostos aos trabalhadores e ao povo em nome das imposições da União Europeia, do equilíbrio das contas públicas ou com a justificação das dificuldades económicas que o país enfrenta contrastam com o favorecimento do grande capital. Com este Orçamento do Estado, continua a transferência maciça de recursos públicos para os grandes grupos económicos e financeiros por via dos 8.200 milhões de euros em juros da dívida pública, dos 1.300 milhões de euros em parcerias público-privadas e dos 3.900 milhões de euros comprometidos com o BES. Com este Orçamento do Estado o Governo prossegue a entrega ao grande capital, por via das privatizações ou de concessões, de empresas públicas estratégicas, acrescentando-se agora a TAP ao já extenso rol que incluía STCP, Metro do Porto, Carristur, Metro de Lisboa, CTT, REN, Caixa Seguros, EMEF e CP-Carga.

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo,

Com esta proposta de Orçamento o Governo leva mais longe a opção de utilizar a política fiscal como instrumento de agravamento das desigualdades e de empobrecimento dos trabalhadores, concedendo, em sentido contrário, ainda mais benefícios ao grande capital.

O Governo optou por agravar a carga fiscal que incide sobre os rendimentos do trabalho, ao mesmo tempo que reduz, pelo segundo ano consecutivo, a taxa de imposto sobre os lucros das empresas sem adiamentos nem condições como os que são estabelecidos para a devolução da sobretaxa de IRS. Esta redução da taxa de IRC, associada ao aumento do número de anos em que é possível fazer reporte de prejuízos e a outros instrumentos de planeamento fiscal agressivo, introduzidos com a reforma do IRC, levará a uma redução dos impostos pagos pelas grandes empresas e pelos grupos económicos. É o próprio Governo a admitir que em 2015 a receita de IRC representará apenas 35% da receita de IRS, valor que há apenas alguns anos ultrapassava os 60%.

A carga fiscal que incide sobre os rendimentos dos trabalhadores e do seu consumo sofrerá, em 2015, um aumento de 4,7%. Só em sede de IRS e de IVA são 947 milhões de euros adicionais. Em apenas três anos – 2013, 2014 e 2015 – o Governo pretende arrecadar 11 mil milhões de euros adicionais em sede de IRS, por via do brutal aumento deste imposto concretizado em 2013.

O suposto alívio fiscal resultante de uma eventual devolução da sobretaxa em 2016 é um embuste. Na realidade, as condições para que a sobretaxa seja devolvida são tão difíceis de cumprir que é pouco provável que ocorra qualquer devolução. Mas mesmo que isso viesse a acontecer, para devolver 100 milhões de euros da sobretaxa em 2016 seria necessário cobrar em 2015 cerca de 27.760 milhões de euros em IRS e IVA.

A reforma do IRS, apresentada pelo Governo como amiga das famílias, não ilude o brutal aumento da carga fiscal sobre os rendimentos dos trabalhadores, imposta em 2013 e mantida desde então. É o próprio Governo que vem desmentir a sua propaganda ao introduzir, à última hora, uma cláusula de salvaguarda, confirmando que para a maioria das famílias a reforma do IRS se traduziria em mais um aumento de impostos.

Aumento de impostos que se consumará por outra via, a da fiscalidade verde, em que as preocupações de ordem ambiental não passam de um mero pretexto para tributar adicionalmente os trabalhadores e o povo. Algumas famílias poderão não ser prejudicadas, no curto prazo, com a reforma do IRS, mas todas pagarão desde já o aumento de impostos da fiscalidade verde, com a agravante de um aumento dos impostos indiretos aprofundar as injustiças fiscais, já que estes impostos não têm em conta os rendimentos dos contribuintes.

O Governo e a maioria PSD/CDS que o suporta, tendo estabelecido como objetivo a redução ou mesmo a eliminação das funções sociais do Estado, contrapõem despesa pública à carga fiscal, tentando iludir que não há impostos a mais em abstrato, o que há é um peso fiscal insuportável e crescente sobre os rendimentos dos trabalhadores. O país precisa de uma política fiscal mais justa, como aquela que o PCP propõe, que, assegurando as funções sociais do Estado e o investimento público, alivie a carga fiscal sobre os trabalhadores e o povo, assim como sobre as micro e pequenas empresas, e, ao mesmo tempo, rompa com o escandaloso favorecimento da banca e dos grupos económicos.

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo,

Ao mesmo tempo que corta em salários, pensões e prestações sociais, que esmaga os trabalhadores com uma insuportável carga fiscal, que ataca as funções sociais do Estado e encerra serviços públicos, o Governo continua a canalizar avultados recursos públicos para o pagamento de juros da dívida pública. Em 2015 os juros ascenderão já a 8.200 milhões de euros, prevendo a Comissão Europeia que Portugal tenha que pagar, no período de 2014 a 2020, um total de 60 mil milhões de euros em juros. Apesar de o Governo proclamar que um dos objetivos centrais do Programa da Troica era a redução da dívida pública, a verdade é que desde 2010 ela aumentou mais de 51 mil milhões de euros, excedendo em muito qualquer limiar de sustentabilidade.

Defende o Governo que é possível reduzir a dívida pública para 60% do PIB. Mas omite que este objetivo só poderia ser alcançado à custa da imposição, durante décadas, de brutais medidas de austeridade como aquelas que têm sido aplicadas no âmbito dos PECs e do Programa da Troica. Para garantir chorudos lucros àqueles que especularam com a dívida soberana, o Governo não hesita em condenar o país e os portugueses a um empobrecimento sem fim.

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo,

A proposta de Orçamento do Estado para 2015 confirma a impossibilidade de resolver os graves problemas nacionais insistindo na política de direita que nos conduziu a esta situação.

O PCP apresentará um conjunto de propostas de alteração ao Orçamento do Estado que afirmam a rutura com esta política de exploração, empobrecimento e desastre nacional. Propostas que, valorizando o trabalho e os trabalhadores, defendendo as funções sociais do Estado e os serviços públicos e concretizando uma política fiscal mais justa, apontam para uma política alternativa verdadeiramente ao serviço do povo e do país. Propostas que convergem com a luta dos trabalhadores e do povo, de todos os democratas e patriotas, para a derrota deste Governo.

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