Intervenção de Ilda Figueiredo no Parlamento Europeu

Relatório Menrad - Quadro de acção para promover a participação financeira dos trabalhadores

A questão da participação financeira dos trabalhadores nas empresas é muito polémica. Recentes acontecimentos relacionados com o colapso de várias empresas que tinham sistemas de participação dos trabalhadores no capital são reveladores dos riscos potenciais ligados a este sistema.

O caso Enron e outros similares mostram como é necessário estudar as consequências da aplicação dos sistemas existentes, analisar com maior profundidade as diversas alternativas de participação, sejam as que estão associadas aos planos de poupança-reforma, sejam as ligadas à participação no capital, nos lucros ou nas opções de compra.

Experiências anteriores alertam não apenas para os riscos, mas também para as muitas dúvidas relativamente ao incentivo que podem constituir de criação de emprego e para os perigos da sua utilização com objectivos de tornear a aplicação da legislação laboral e de pôr em causa direitos dos trabalhadores, designadamente no domínio salarial, da organização e do horário de trabalho, da igualdade de oportunidades de homens e mulheres e dos direitos da maternidade e paternidade.

Todos deviam ter presente a crescente volatilidade dos mercados financeiros e o lento esvaziar da bolha especulativa, nos EUA, em Março de 2000, com reduções dos preços dos activos mobiliários entre 40% a 60% nas principais praças financeiras mundiais. Há que perceber que trazer para lógicas de rentabilização privada os recursos financeiros dos sistemas de pensões nacionais e, de alguma forma, os salários e as poupanças dos trabalhadores, que a participação financeira dos trabalhadores implica, é potenciar o risco de propagação das crises financeiras e das suas consequências sócio-económicas. Como, aliás, o relator afirma, significa colocar os trabalhadores num risco duplo em caso de insolvência das empresas, perdendo o seu posto de trabalho e a sua participação financeira.

Obviamente que há vários tipos de participações financeiras, que podem até gerar determinados regimes de gestão. Mas a discussão não está tanto no como, mas sim no objectivo fundamental da proposta. Ora, não se pode admitir que sirva para interferir no processo de formação dos salários e pressionar no sentido de uma maior flexibilização do mercado do trabalho.

O colega Menrad procurou estabelecer algumas regras e melhorar a comunicação da Comissão, nomeadamente quanto à negociação colectiva, defendendo que os aumentos dos salários não coincidam temporalmente com negociações sobre a participação financeira. Ou, ainda, que a participação dos trabalhadores deve ser um elemento adicional e não deve substituir o salário normal de base ou outras componentes dos salários, como o regime de pensões. Claro que uma eventual adesão a regimes de participação será sempre voluntária e não poderá nunca gerar quaisquer discriminações entre trabalhadores, nem pôr em causa outras formas de participação na vida das empresas, designadamente na área da organização sindical dos trabalhadores. Tal como é fundamental assegurar que, antes da criação de qualquer sistema de participação financeira dos trabalhadores, se definam regras claras e transparentes, se assegure previamente a criação de garantias que cubram os riscos que os trabalhadores podem correr quando aceitam sistemas destes, bem como a manutenção de um sistema de fiscalização do cumprimento da legislação laboral.

Mas não podemos esquecer que toda a tónica do relatório se enquadra na progressiva financeirização da economia, agora também ao nível do trabalho, como defende a proposta da Comissão, o que não apoiamos.

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