Projecto de Resolução N.º 728 /XIII/2ª

Rejeita a entrada em vigor de forma parcial e provisória do Acordo Económico e Comercial Global (CETA) entre a União Europeia e o Canadá

Rejeita a entrada em vigor de forma parcial e provisória do Acordo Económico e Comercial Global (CETA) entre a União Europeia e o Canadá

O Parlamento Europeu aprovou por maioria, no passado dia 15 de fevereiro, em Estrasburgo, o tratado comercial entre União Europeia e Canadá (CETA), apesar dos fortes protestos quer dentro quer fora deste hemiciclo.

As negociações entre a UE e o Canadá para firmar um acordo de livre comércio, designado por Acordo Económico e Comercial Global (CETA), começaram formalmente em maio de 2009, tendo na prática sido iniciadas em 2007, quando na cimeira UE/Canadá, realizada em Berlim, foi decidido elaborar um estudo sobre uma maior liberalização das relações económicas entre a UE e o Canadá.

Em outubro de 2013, depois de 5 anos de negociações marcadas pelo secretismo, a UE e o Canadá anunciam que chegaram a um acordo de princípio. Cerca de um ano depois, agosto de 2014, a UE e o Canadá informam que concluíram o texto final do acordo, dando assim por concluídas as negociações. Em julho de 2016, a Comissão Europeia dirige ao Conselho da UE uma proposta de aprovação e assinatura do CETA, sendo este assinado em outubro durante a cimeira UE-Canadá.

Pese embora o secretismo das negociações e o facto de esta ter sido feita à revelia dos povos, elemento que traduz bem o desrespeito pela democracia e soberania dos Estados por parte da UE, foi crescendo a contestação e a rejeição ao CETA por parte dos trabalhadores e dos povos, rejeição que ficou bem visível nos protestos no dia da votação em Estrasburgo.

Foi precisamente a forte expressão da rejeição deste acordo por parte de largos sectores da opinião em vários países, que obrigou a UE considerar o CETA como um acordo de natureza «mista», o que implica a sua ratificação por parte de cada um dos Estados-membros segundo as suas normas constitucionais e consequentemente pelos seus parlamentos nacionais.

A Comissão Europeia pretende agora que o acordo entre em vigor de forma parcial e provisória, ou seja, sem a ratificação dos parlamentos nacionais. A Comissão Europeia alega que só entra em vigor a parte que corresponde às denominadas «competências exclusivas» da UE e não a parte das «competências partilhadas» com os Estados. Uma pretensão que constitui mais uma expressão da natureza antidemocrática da UE.

O PCP rejeita categoricamente tal propósito, na medida em que tal constituiria mais um inaceitável desrespeito pela soberania dos Estados.

Acresce, que como é do conhecimento público, a entrada em vigor do acordo de comércio livre EU-Singapura (EUSFTA) aprovado em 2013 – de conteúdo aproximado ao CETA – foi adiada em conformidade com a análise de um parecer emitido em dezembro de 2016 pela advogada-geral do Tribunal de Justiça Europeu cujo processo está em curso (Avis 2/15), além de não terem sido concretizadas as ratificações necessárias. Esta pendência no Tribunal de Justiça Europeu é, de resto, uma das justificações pela opção da figura de “entrada em vigor de forma parcial e provisória” relativamente ao CETA.

A ser ratificado e à semelhança de outros tratados de livre comércio, este acordo trará negativas consequências para Estados como Portugal, nomeadamente na agricultura e produção agrícola, segurança alimentar, saúde pública, serviços públicos e na legislação laboral.
Na agricultura, o acordo irá afetar a produção e a comercialização de produtos regionais, degradando a situação económica e social nas regiões caracterizadas por este tipo de produção; contribuirá para a destruição da pequena e média agricultura. O acordo possui um reconhecimento muito insuficiente das denominações geográficas existentes nos Estados-Membros da UE, uma vez que o CETA apenas reconhece centena e meia das mais de duas mil existentes, entre os quais 19 produtos portugueses a que acresce, de forma parcial, o queijo de S. Jorge nos Açores, o que representará a sua desproteção e terá implicações na quebra dos rendimentos dos produtores.

Ao nível da segurança alimentar, designadamente no que toca aos organismos geneticamente modificados (OGM), aos fatores de crescimento ou às hormonas, as diferenças entre o Canadá e a UE são enormes. No acordo não é explícito quem fará e como será feito, supostamente na origem, o controlo das toneladas de carne de bovino que entrarão nos diversos países da União Europeia.

Importa salientar a este propósito as diferenças entre a UE e o Canadá. A título de exemplo, na UE a lógica do controlo da carne é feita ao longo de toda a cadeia de produção, enquanto no Canadá, o controlo é feito apenas no fim da linha de produção. Esta diferença não é despicienda, antes pelo contrário, mostra bem os riscos para a segurança alimentar e para a saúde das populações.

Embora a Comissão Europeia e o Governo português insistam que o CETA não visa promover a privatização dos serviços públicos, na verdade, a redação ambígua adotada e a existência em todos os artigos de uma norma de exceção, será bloqueada a possibilidade de estes voltarem para a esfera pública, caso um Estado decida soberanamente que determinados serviços devem ser prestados e geridos de forma pública e universal. Ou seja, os serviços públicos que foram já privatizados ou funcionam numa lógica de concessão, ficam abrangidos pelo CETA e à disposição das transnacionais e dos seus interesses. Este processo insere-se nas tão propaladas reformas estruturais promovidas pela União Europeia, cujo objetivo é o desmantelamento das funções sociais do Estado e a introdução de lógicas mercantis em todas as áreas até há pouco tempo abrangidas pelo serviço público: energia, transportes, serviços postais entre muitas outras.

Na área da legislação laboral não existe no CETA um único mecanismo para defender os direitos dos trabalhadores, impedir que se baixe os níveis de proteção, evitar um mais do que previsível dumping legislativo em matéria laboral. É de referir ainda que a legislação laboral e a proteção dos direitos dos trabalhadores no Canadá - nomeadamente, porque este não ratificou grande parte das Convenções da Organização Internacional do Trabalho, como a da contratação coletiva - são muito inferiores aos existentes em países que integram a UE, como é o caso de Portugal.

Entre outros organismos encarregados de forçar a harmonização legislativa, revendo em baixa e em retrocesso o acervo regulamentar, seja ele de cariz social, laboral, ambiental ou higiene-sanitário, este acordo prevê igualmente a criação de um dito tribunal arbitral para resolução de litígios (ICS, na sua sigla em inglês) destinado a funcionar como um «tribunal» acima dos Estados nacionais e que tem – pese embora as alterações de cosmética introduzidas na fase final em resposta aos protestos generalizados – o poder para proteger os interesses das transnacionais, colocando-os acima da soberania dos Estados e do bem-estar dos trabalhadores e dos povos.

Pela sua natureza, pelos seus objetivos e pelo seu conteúdo, o CETA, mais do que um simples acordo comercial, assume-se como um tratado que procura estabelecer princípios, normas e mecanismos prevalecentes sobre as instituições soberanas de Estados e sua ordem jurídica interna – inserindo-se no objetivo de impor uma ordem jurídica ao nível global que abra caminho ao domínio e à rapina das transnacionais.

Na verdade, o CETA é um TTIP disfarçado, porque cerca de 24 mil empresas dos EUA operam no Canadá, 81 por cento das companhias canadianas estão ligadas, como subsidiárias, a empresas dos EUA, e perante o impasse em torno do TTIP, o CETA será a sua porta de entrada na UE.

O PCP rejeita os tratados de livre comércio e serviços ditados pelos interesses do capital transnacional - como o CETA, o TTIP ou o TISA - e pugna por acordos de cooperação mutuamente vantajosos, que salvaguardem a soberania nacional, que respondam às necessidades e interesses dos povos, que defendam e promovam os direitos sociais, laborais e democráticos, o direito ao desenvolvimento económico e social.

O PCP considera que o CETA deve ser obrigatoriamente sujeito a processo de ratificação pelos Estados, e rejeitado pela Assembleia da República.

O PCP considera que a aplicação provisória do acordo antes de os parlamentos nacionais se pronunciarem, significaria a secundarização dos órgãos de soberania nacionais. O PCP rejeita a política de factos consumados, ou seja, que a Comissão Europeia e outras instituições da União Europeia imponham o acordo à revelia dos Estados e, nomeadamente, dos parlamentos nacionais democraticamente eleitos.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução
Nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, a Assembleia da República resolve

1. Rejeitar a entrada em vigor de forma parcial e provisória do Acordo Económico e Comercial Global (CETA) entre a União Europeia e o Canadá;
2. Rejeitar os objetivos e propósitos inscritos no CETA e, consequentemente, este acordo.

Assembleia da República, 13 de março de 2017

  • Soberania, Política Externa e Defesa
  • Assembleia da República
  • Projectos de Resolução