Declaração de Fernanda Mateus, membro da Comissão Política do Comité Central, Conferência de Imprensa

Regulamentação da Lei de Bases da Segurança Social: por uma informação prévia dos seus conteúdos às organizações sociais

O PCP considera que a natureza das matérias que irá envolver a regulamentação da Lei 32/2002 – Bases de Segurança Social - impõe uma informação prévia e atempada às organizações sociais, já que serão aquelas matérias que determinarão o conteúdo e o alcance das principais alterações enunciadas, no presente e no futuro da Segurança Social, designadamente no que respeita à criação de um sistema complementar, natureza e âmbito da Acção Social e à sustentabilidade do Sistema Público.

Seria profundamente negativo que o processo de regulamentação desta lei viesse a ter lugar nos “bastidores”, não se devendo repetir a metodologia adoptada pelo Governo no processo legislativo anterior, caracterizada pela pressa, pela superficialidade, evitando problematizar sobre os fundamentos das alterações pretendidas e desvalorizando o debate na Assembleia da República, bem como com as organizações sociais e com o conjunto dos interessados.

Opções estratégias do Governo não dão resposta aos problemas fundamentais

O PCP insiste no facto de que as opções estratégicas deste Governo (de que a Lei 32/2002 é uma importante peça) não dão resposta aos problemas fundamentais com que a segurança social se confronta, designadamente:

- O elevado volume de dívidas à segurança social e de evasão contributiva;

- A falta de garantia das transferências devidas ao Estado para a Segurança Social e uma gestão criteriosa do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social;

- Os atrasos verificados nos pagamentos das prestações sociais e melhoria da capacidade de resposta do Sistema Público;

O menor grau de protecção social de Portugal relativamente à União Europeia

Há, ainda, as consequências na segurança social, resultantes das principais opções da política económica, que criam factores de instabilidade e se traduzem num menor volume de receitas de contribuições, devido à forte contenção salarial e ao aumento explosivo da despesa com o subsídio de desemprego.

Dívidas à segurança social avolumam-se como uma “bola de neve”

Não existem dados estatísticos, publicados com regularidade, mas segundo as informações avulsas do Governo tal dívida ascendia a 2743 milhões de euros no final de 2001 (ou mesmo a 3 mil milhões) o que representa um forte crescimento, face a idêntico período de 2000. Só por si esta imprecisão estatística indicia uma desorganização nos serviços, que chegou a um estado considerado caótico nalgumas áreas, como é o caso da informática.

Em Junho do ano passado o PCP apresentou, na Assembleia da República, projectos de lei visando a aprovação de medidas de combate à evasão e fraude de contribuições ao regime de segurança social e de diversificação das fontes de financiamento entre outros.

O PCP considera urgente a adopção de um Programa Nacional de Combate à Fraude e Evasão de contribuições à Segurança Social e, neste sentido, desafia o Governo a tomar as medidas adequadas, designadamente:

- o reforço dos serviços de inspecção dos Centros Distritais da Segurança Social com meios humanos e financeiros adequados ao cumprimento das suas funções;

- a exigência às empresas devedoras do cumprimento das suas obrigações legais;

- e a realização de uma campanha de sensibilização com vista a pôr fim à subdeclaração de salários que se verifica em alguns sectores de actividade.

Neste sentido o PCP agendou, para o próximo dia 5 de Fevereiro, o seu projecto de lei 66/IX – (medidas de combate à fraude de contribuições ao regime da segurança social).

O PCP considera que a sustentabilidade financeira da segurança social poderá, no futuro, correr graves perigos, designadamente pelo avolumar da dívida à segurança social, pelas futuras transferências de receitas da segurança social para as sociedades gestoras de fundos de pensões. Estes perigos não podem ser minorados através de políticas restritivas dos direitos do conjunto dos beneficiários do sistema público, com a destruição da sua universalidade e do princípio de solidariedade nas finalidades do sistema público.

Reduzir direitos não é o caminho

Portugal é um dos países da União Europeia com prestações sociais mais baixas, relativamente ao PIB, o que constitui um dos factores para o elevado número de pobres e excluídos no nosso País. As medidas já avançadas pelo Governo não visam a alteração desta situação, bem pelo contrário: as promessas de convergência das pensões ao salário mínimo nacional são um logro – trata-se de perpetuar baixos salários e baixas pensões e as medidas anunciadas no domínio das prestações sociais, justificadas pelo Governo por razões de justiça social, visam, objectivamente, um caminho de redução do universo dos beneficiários ou a redução dos valores pecuniários da grande maioria destas prestações.

Quanto ao subsídio familiar a crianças e jovens (abono de família) é importante recordar que esta prestação social sofreu alterações nos últimos anos quanto ao critério de atribuição tendo sido introduzida uma diferenciação com a criação de quatro escalões, consoante o nível do rendimento das famílias e o número de filhos. A intenção do Governo, de resto expressa em declarações do Ministro Bagão Félix, visa objectivamente acabar com o princípio da universalidade deste direito, ainda que, nas suas últimas declarações, tenha sido especialmente cauteloso, receando, porventura, a contestação a tal intenção por inconstitucionalidade, como aconteceu na exclusão dos jovens até aos 25 anos como tutelares do rendimento mínimo garantido.

Se a intenção do Governo fosse beneficiar as famílias, teria anunciado não uma nova alteração de critérios mas uma actualização dos valores desta prestação para todas as crianças e suas famílias, beneficiando as de mais baixos recursos e com maior número de filhos. Esta é a opção que o PCP considera ser ajustada e, nesse sentido apresentou em Junho do ano passado na Assembleia da República, o projecto lei n.º 74/IX visando a actualização do subsídio familiar a crianças e jovens e a actualização da Bonificação por Deficiência.

Quanto ao subsídio de doença o propósito do Governo é baixar o valor actual para a grande maioria dos trabalhadores portugueses com o pretexto de, com essa redução, vir a aumentar o subsídio dos que necessitam de ter baixas mais prolongadas.

Importa recordar: que os três primeiros dias de baixa não são, em regra, subsidiados; que o montante do subsídio corresponde a 65% da remuneração de referência; que a atribuição deste subsídio não resulta de um acto unilateral do trabalhador mas de um documento certificado por um médico. Tomando como referência o ano de 1998 pode-se verificar que o universo de trabalhadores que beneficiaram deste subsídio foi de 3,7% do conjunto dos trabalhadores por conta de outrém, o que comprova a não existência de uma situação generalizada de abusos. E, nestes casos, as atribuições indevidas devem ser corrigidas através do reforço dos meios de controle e fiscalização, dispondo a segurança social de serviços próprios de verificação e não retirando ou reduzindo direitos à maioria dos doentes.

A demagogia não resolve os problemas

O PCP recorda que a proposta de actualização salarial para a Administração Pública, se pauta por valores inferiores aos da inflação prevista e pela não actualização salarial de uma parte significativa dos trabalhadores, princípio que se aplica, igualmente, aos reformados. O Governo continua a desenvolver a sua acção numa linha de ataque aos direitos dos trabalhadores e aposentados da função pública, reduzindo o seu poder de compra, sem dar qualquer sinal positivo de assumir as suas responsabilidades no financiamento da Caixa Geral de Aposentações, como qualquer entidade patronal.

Esta medida insere-se numa ofensiva ideológica que procura criar “bodes expiatórios” para as consequências da chamada convergência nominal da União Europeia, onde se inclui o badalado “défice orçamental” da responsabilidade única e exclusiva dos sucessivos governos, e cujas consequências são dolorosamente pagas pelos trabalhadores e pelos reformados que não foram “tidos nem achados” em tais decisões. Acrescem a isto as graves injustiças sociais pretendendo criar uma clivagem entre trabalhadores com baixos salários e trabalhadores com salários mais elevados, entre reformados com pensões baixas e aqueles que têm pensões mais elevadas. Ao contrário, estas injustiças decorrem das opções das políticas de direita que acentuam as desigualdades na distribuição da riqueza, beneficiando claramente o capital em detrimento do factor trabalho.

Recorda-se, entretanto, que em Portugal existem três milhões de reformados, na sua grande maioria com reformas muito baixas, em risco ou mesmo já inseridos no âmbito da pobreza, penalizados com precárias condições de vida, nomeadamente aqueles a quem são atribuídas as pensões mínimas e a quem, antes do último acto eleitoral, foram prometidas reformas equivalentes ao salário mínimo nacional.

Após cerca de um ano de governação, tal promessa não passa de um logro, sabido como se sabe, que o que está assumido, em forma legal, é que haverá quatro escalões de pensões mínimas, cabendo, apenas, aos reformados com mais de 30 anos de descontos aquela possibilidade, mas de forma gradual que poderá ir até ao ano de 2007.

Daqui decorre que a grande maioria dos reformados continuará a ter reformas inferiores ao salário mínimo nacional, donde resulta uma forte penalização social na medida em que é claro que o Governo pretende fixar, anualmente, aquele valor a taxas inferiores à inflação, como já se verificou este ano.

A ser perpetuada esta política resulta claro que a convergência das pensões mínimas com o salário mínimo nacional será transformada na convergência do salário mínimo nacional com as pensões mínimas, alcançando-se, assim, estatisticamente, o objectivo do Governo, só que construído na pobreza alargada dos reformados conjuntamente com os trabalhadores do activo, transformando, por esta via, os actuais dois milhões de pobres em outros tantos no futuro próximo.

Esta profunda demagogia tem como objectivo escamotear as pesadas responsabilidades deste Governo no futuro enfraquecimento do Sistema Público – face ao avolumar da perda de receitas devidas para o Sistema, a que acresce a transferência de vultuosas receitas da segurança social para os bancos e seguradoras – com a introdução dos tectos contributivos, a par da manifesta intenção de reduzir, ainda mais drasticamente, a protecção social aos idosos, à infância e às famílias.

Não estão regularizados os pagamentos das prestações sociais

Pelas informações que dispomos o pagamento das prestações sociais dos regimes contributivos está longe de estar regularizado. Persistem as dificuldades dos Serviços em corresponder, em tempo útil, ao conjunto dos problemas que decorrem das deficiências detectadas no registo de remunerações e contribuições, a que se junta o elevado volume de pedidos de subsídio de desemprego face aos despedimentos que se têm agravado nos últimos tempos.

Não obstante as promessas feitas pela Secretária de Estado da Segurança Social, quando confrontada com as perguntas do Grupo Parlamentar do PCP sobre a gravidade desta situação, a verdade é que não existem sinais que demonstrem a adopção de medidas estruturantes que visem, a curto e a médio prazo superar os problemas de desorganização funcional, designadamente no sistema informático e a melhoria e a qualidade do Sistema Público. O PCP considera que, a persistir esta situação, terão que ser tomadas medidas que permitam minorar os prejuízos destes atrasos para os seus beneficiários. E, neste sentido, o PCP não deixará de, muito brevemente, avançar com propostas concretas na Assembleia da República.

Travar esta linha de rumo – por um forte sistema público

Esta linha de rumo – num tempo marcado crescentemente pelo desemprego, pela precariedade de trabalho, pelos baixos salários entre outros factores de instabilidade social – vai destruindo, progressivamente, a capacidade e o papel do Sistema Público de segurança social de funcionar como “amortecedor” das crescentes desigualdades sociais, da pobreza e exclusão social que vão afectando um número crescente de portugueses e portuguesas.

O PCP continuará numa linha de intransigente defesa da consolidação do Sistema Público de Segurança Social e na apresentação de propostas que melhor sirvam o necessário reforço da protecção social em Portugal.

O PCP continua a exortar os seus militantes, os trabalhadores e trabalhadoras, as organizações sociais para que continuem a defender o valor estratégico de um forte sistema público de segurança social, enquanto valor insubstituível de solidariedade e de coesão social dando combate ao objectivo do Governo de o descaracterizar.

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