Intervenção de

Regras de segurança no transporte colectivo de crianças<br />Intervenção da Deputada Luísa Mesquita

Sr. Presidente e Srs. Deputados,Se a matéria que hoje constitui objecto de análise era, aquando da sua apresentação pelo Partido Ecologista «Os Verdes», de crucial importância, estes vectores qualificativos evoluíram de forma inesperada e deveras preocupante nos últimos meses. Daí também a pertinência do seu agendamento e da sua discussão.Naturalmente que estamos, em primeiro lugar, com a ordem e direitos consagrados e quase que se assume como paradoxal a necessidade urgente de legislar sobre a segurança das crianças em transportes colectivos. Estamos no ano de 2002 e as crianças ainda andam «ao Deus dará» dentro dos autocarros, como foi denunciado há dois meses num órgão de comunicação social nacional. Por isso, temos de nos penalizar, todos, sem excepção. A discussão só peca por tardia.O processo de democratização do ensino, depois da revolução de Abril, consagrou direitos e, naturalmente, deveres. Uns e outros têm tido um percurso, não raras vezes, limitado e limitativo. E a razão é simples: o sistema educativo continua a centrifugar-se e a marginalizar, pondo em causa a igualdade de oportunidades e, consequentemente, o sucesso de todos aqueles que destruíram as margens e têm direito a partilhar o centro, que são os menos favorecidos — é o direito à escola pública de qualidade, é o dever de assegurar o seu acesso e o seu êxito escolar. E, neste âmbito, integram-se os transportes colectivos das crianças que frequentam o sistema, desde as creches às escolas do ensino básico. De facto, só um enorme empenhamento e esforço financeiro de todo o poder local, e mesmo do movimento associativo, viabilizaram a presença das crianças nos espaços escolares, garantindo o transporte de casa para a escola e da escola para casa. Mas não só! Algumas destas crianças só conheceram outras realidades do seu próprio país, de natureza cultural e mesmo territorial, porque, mais uma vez, o poder local e o movimento associativo assumiram responsabilidades que os diferentes governos, sem excepção, ignoraram.Claro que o Governo transferiu as responsabilidades para o poder local. Só que esqueceu, retardou, a necessária e adequada transferência financeira. E como hoje chegámos aqui, é preciso agir e rapidamente.Nos números apresentados pela UNICEF em 2001, Portugal está no topo, Srs. Deputados — poucas vezes nos acontece —, da insegurança infantil no palco da guerra que é a sinistralidade rodoviária. Apenas a Coreia do Sul apresenta uma taxa de mortalidade infantil, entre 1 ano e os 14 anos de idade, provocada por acidentes de estrada, superior à de Portugal. E dos poucos estudos existentes no país, verifica-se que mais de metade dos acidentes fatais com menores de 6 anos ocorre não nas auto-estradas mas, sim, dentro das localidades, a velocidades inferiores a 45 km/h, nos percursos rotineiros casa/trabalho/escola.De facto, o transporte colectivo das crianças é uma aventura onde tudo é possível acontecer: a lotação dos autocarros é excedida frequentemente; a lei, como disse a Sr.ª Deputada, permite o transporte de três crianças em dois lugares desde que a idade seja inferior a 12 anos ou, acrescentamos nós, as crianças não sejam muito deselegantes; a partida e a chegada ocorrem, inúmeras vezes, sem as mínimas precauções e em espaços não próprios nem definidos; as crianças são entregues muitas vezes a si próprias ou ao profissional que conduz o meio de transporte; os meios de transporte utilizados são inadequados, inseguros e perigosos para as crianças, tão-só porque têm como destinatário um público adulto e não a criança; a ausência de cintos de segurança é regra — é sempre regra! — e raramente excepção; a legislação existente é dispersa e redutora, já que prevê apenas o trajecto casa/escola e escola/casa, ignorando todos os outros itinerários com crianças e jovens.Ao longo dos anos foram-se formando grupos de trabalho, comissões, e inventariando as necessidades, mas a legislação ficou sempre por produzir. Substituíam-se os responsáveis — ministros, secretários de Estado ou coordenadores dos grupos de trabalho —, mudavam-se os governos e retomava-se o grau zero do processo.Perdeu-se tempo, perdeu-se dinheiro, mas, mais importante do que isso, Srs. Deputados, perderam-se e mutilaram-se vidas de crianças.Claro que há excepções, excepções que pesam nos orçamentos das famílias, excepções que evidenciam quão longe estamos ainda da igualdade de oportunidades para todas as crianças. E, retomando a afirmação que formulei no início desta intervenção, as medidas tomadas nos últimos meses pelo actual Governo do PSD e do CDS-PP poderão constituir um agravamento inaudito da situação existente. E gostaria de repetir esta afirmação: um agravamento inaudito da situação existente.Como é do conhecimento de todos os Srs. Deputados, foram muitas as escolas do 1.º ciclo que este Governo decidiu encerrar. Muitas destas decisões foram tomadas exclusivamente na 5 de Outubro, sem conhecimento dos parceiros e sem nenhum diálogo com eles; nem com pais e encarregados de educação, nem com os professores nem com as autarquias.O resultado é claro, não fechemos os olhos: vão ser necessários mais meios de transporte, vão ser necessários mais profissionais qualificados, vai ser necessário percorrer maiores distâncias por caminhos municipais em misérrimas condições, vai ser necessário responder com mais meios de transporte ao cumprimento da lei. E dou só dois ou três exemplos: refeitórios, tempos livres e todas as outras actividades curriculares e extracurriculares, matérias, aliás, legisladas por alguns dos Srs. Deputados presentes nesta Câmara.Naturalmente que o Governo teve um claro objectivo com esta medida: penalizar as crianças, responsabilizar o poder local pelas decisões que não tomou e pôr em causa direitos constitucionais.Assistimos, portanto, a actividades curriculares e extracurriculares cada vez mais centralizadas e com um número cada vez mais diminuto de infra-estruturas. É a desertificação do mundo rural, Srs. Deputados, são as assimetrias regionais, é o interior sem voz, são os investimentos «litoralizados» que todos nós conhecemos. Contemplou o Governo, Srs. Deputados do PSD e do CDS-PP — porque conhecerão já, neste momento, o orçamento que a oposição não conhece —, em sede de Orçamento do Estado para 2003, as verbas necessárias para responder às medidas que de forma autista tomou? Terá de fazê-lo, senão estamos perante uma decisão que tem os objectivos de que há pouco falei.Podem as crianças portuguesas estar, pelo menos, confiantes de que não continuarão a ser deixadas nas mãos do acaso, da incúria e da irresponsabilidade dos homens que têm responsabilidades?Srs. Deputados, faço um último apelo: aprovado, na generalidade, este projecto, melhorado e alargado o seu âmbito na especialidade, viabilizado um conjunto de audições indispensáveis — e cito, como exemplos, a Associação Nacional de Municípios Portugueses, a Associação Portuguesa de Segurança Infantil e a CONFAP (Confederação Nacional das Associações de Pais) —, ficava bem à Assembleia dar início a este processo.Pela nossa parte, a disponibilidade e o empenhamento são — e continuarão a ser — totais.Sr. Deputado, (Machado Rodrigues/PSD)Muito obrigada pela questão colocada, se bem que tenha feito o favor de colocar a questão e de a ela responder. Ou seja, o Sr. Deputado fez questão de dizer que havia um processo de intenções e depois disse: afinal não há, a Sr.ª Deputada limitou-se a enunciar as consequências da medida do Governo.É verdade, Sr. Deputado: não há qualquer processo de intenções; limitei-me a enunciar as consequências. A medida de racionalização baseada e sustentada, para questões de natureza financeira, sem audição dos interlocutores, tem exactamente as consequências que o Sr. Deputado acabou de afirmar e que eu subscrevo por inteiro.De facto, os penalizados são o interior, as crianças e o poder local, que não tem condições económicas para responder às necessidades que lhe são exigidas, e em causa são postos os princípios constitucionais do direito à educação, ao ensino, e à igualdade de oportunidades.Portanto, Sr. Deputado, fico-lhe grata pelo reconhecimento da verdade que aqui lhe trouxe e que o Sr. Deputado, que é autarca como eu, tão bem conhece e tão bem domina.

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