Projecto de Lei N.º 1008/XII 4.ª

Regime jurídico da modernização de Centros de Recolha Oficial de Animais e dos serviços municipais de veterinária

Regime jurídico da modernização de Centros de Recolha Oficial de Animais e dos serviços municipais de veterinária

Exposição de Motivos

Em muitas localidades do país, principalmente partindo do trabalho que as autarquias locais levam a cabo, há práticas de tratamento de animais e de animais errantes que devem servir como exemplo para uma relação mais saudável e equilibrada entre os cidadãos e os animais domésticos e errantes.

Por todo o país, os centros oficiais de acolhimento de animais são, além de um instrumento fundamental no âmbito da política de saúde pública, também um foco de atenções, nem sempre pelos melhores motivos. Cada vez mais se afirma uma sensibilidade e preocupação públicas com o bem-estar dos animais e para com a situação de animais domésticos e errantes.

A degradação da condição de vida das populações não contribui para uma maior capacidade de acolhimento de animais e isso tem implicações também no abandono de animais de companhia, com custos para as autarquias e com a consequente degradação da saúde pública e da higiene urbana. Ao mesmo tempo, muitos continuam a manter animais de companhia, mesmo sem dispor de meios económicos e financeiros para garantir os tratamentos necessários para uma boa convivência entre humanos e animais. Tal opção não pode ser considerada como um luxo, até porque é sabido que em Portugal, perante os fenómenos de solidão e pobreza entre os idosos, o animal de companhia acaba por ser, muitas vezes, um apoio para muitos cidadãos. Além dos idosos, muitas famílias e cidadãos sem recursos podem ter o gosto e tomar a opção de adotar animais ou cuidar de animais adquiridos por qualquer via. Para tal, é importante salvaguardar, além dessa possibilidade por parte das pessoas, a saúde pública, a higiene e o próprio bem-estar dos animais.
A ausência de uma política consistente de esterilização faz com que muitos animais abandonados ou outros animais errantes continuem a reproduzir-se e a aumentar as populações que acabam por vir a constituir um problema para as cidades e para as autarquias. O problema é circular: abandono e ausência de esterilização gera populações errantes mais numerosas e tal aumento gera sobrelotação dos centros de recolha nos municípios. Também por isso, muitas vezes, as autarquias e os centros de recolha, dadas as condições materiais e humanas de que dispõem - também resultado de uma constante diminuição das verbas transferidas para os municípios e pelo aumento das suas competências e obrigações - são confrontadas com opções que são cada vez menos aceites pelas populações em geral e para as quais há cada vez maior sensibilidade.

O alojamento, os cuidados, a política de limitações - ou ausência delas - ao abate de animais, a falta de recursos para esterilização e vacinação de animais errantes são problemas em muitos concelhos do país. Mas há igualmente exemplos de que é possível ultrapassar ou minimizar esse tipo de problemas, particularmente tendo em conta a experiência de vários executivos municipais. As opções de esterilização, recolha temporária e vacinação, de gatos para devolução à comunidade e à rua, são exemplo de um método e de uma política que respeita simultaneamente o bem-estar comunitário e o dos animais.

É claro que para que tais experiências possam ser generalizadas, é fundamental que existam meios e recursos para que as autarquias possam realizar os investimentos e as requalificações adequadas e necessárias, dotando-se assim de centros de recolha modernizados e capazes de dar resposta com dignidade aos problemas gerados pelo abandono, pelas doenças animais ou pela sobrepopulação de animais errantes. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que não apenas os animais errantes - principalmente cães e gatos - são a fonte da proliferação que se verifica em algumas cidades. Na verdade, a ausência de uma política que aposte na esterilização gratuita e na sua promoção, concorre para uma situação de descontrolo sobre o número de animais que pode acabar por viver na rua, sem estar ao cuidado de ninguém. Os casos de gatos comunitários, em casos destes, e devidamente esterilizados e vacinados, são uma forma de lidar com o problema, mas não resulta com canídeos, para os quais as campanhas de esterilização e vacinação devem ser acompanhadas de campanhas de promoção e facilitação de adoção.

Assim, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português propõe que seja criado um programa de modernização dos centros oficiais de recolha de animais em sede de orçamento do Estado e que sejam criados mecanismos legais que estimulem campanhas de esterilização e de vacinação gratuita. Se é verdade que ter um animal é uma opção de cada pessoa, não é menos verdade que há implicações de saúde pública que devem ser assegurados por todos, por a todos dizerem respeito. Essas implicações, independentemente de ser um animal de companhia ou errante, podem ser bastante limitadas com a proposta que o PCP aqui apresenta. Ao mesmo tempo, as autarquias devem poder dotar-se desse serviço para a sua prestação gratuita às populações, sem uma prestação de cuidados veterinários que vá além das matérias que têm implicações na saúde pública e no controlo de animais errantes e doenças animais.

Aplicando todos estes mecanismos, deixa de fazer sentido o recurso a qualquer forma de "eutanásia" ou abate de animais, salvo por motivos médicos devidamente justificados. Como tal, a presente iniciativa do PCP propõe igualmente a proibição do abate de animais sempre que tal abate não seja concretizado por motivos estritamente relacionados com o bem-estar do animal em causa ou com a saúde, segurança e higiene públicas.

A Resolução n.º 69/2011, de 25 de fevereiro da Assembleia da República, que recomendou ao Governo uma nova política de controlo das populações de animais errantes, nomeadamente, promovendo "uma política de não abate dos animais errantes recolhidos nos centros de recolha oficiais, adotando meios eficazes de controlo da reprodução" (1), prevendo "meios para que os centros de recolha oficiais detenham condições de alojamento adequadas e condições para a realização de tratamentos médico-veterinários, cumprindo as normas de saúde e bem-estar animal" (3) e ainda prevendo meios "para que os centros de recolha oficiais possam realizar a esterilização dos animais errantes recolhidos, em especial dos não reclamados nos prazos legais" (4) ainda não foi concretizada nem implicou alterações significativas no relacionamento do Governo com as autarquias locais.

Assim, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais em vigor, apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto

A presente lei cria o regime jurídico da modernização de Centros de Recolha Oficial de Animais, dos serviços municipais de veterinária e estabelece o princípio tendencial de “abate-zero”.

Artigo 2.º
Deveres do Estado

1- O Estado assegura a integração de preocupações com o bem-estar animal no âmbito da Educação Ambiental desde o 1º Ciclo do Ensino Básico.

2- O Estado, em conjunto com o movimento associativo e as organizações não governamentais de ambiente, dinamiza anualmente e em todo o território, campanhas de sensibilização sobre o respeito e proteção dos animais e contra o abandono.

3- O Estado, em conjunto com autarquias e o movimento associativo e as organizações não governamentais de ambiente, leva a cabo campanhas de esterilização de animais errantes e de adoção de animais abandonados.

4- O Estado assegura, articulando o Governo e as Autarquias Locais, a construção, manutenção e modernização de Centros Oficiais de Recolha de Animais capazes de dar resposta de qualidade às necessidades que resultem da quantidade de animais.
Artigo 3.º
Programa de Apoio à construção e modernização de Centros Oficiais de Recolha de Animais municipais

1- Para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo anterior, o Governo realiza concurso anual para apoio à construção e modernização de Centros Oficiais de Recolha de Animais, com vista à melhoria global dos canis e gatis municipais, priorizando as instalações e meios mais degradados, obsoletos ou insuficientes.

2- As autarquias apresentam candidaturas voluntárias ao Programa de Apoio à Construção e Modernização de Centros Oficiais de Recolha de Animais, no cumprimento dos requisitos definidos em regulamentação própria.

3-As candidaturas podem ser apresentadas:
a)Por juntas de freguesia;
b)Por câmaras municipais;
c)Por procedimento conjunto entre autarquias.

Artigo 4.º
Occisão e eutanásia em Centros Oficiais de Recolha de Animais

1- Os animais acolhidos pelos Centros de Recolha Oficiais que não sejam reclamados pelos seus detentores no prazo de 30 (trinta dias) dias podem, sob parecer obrigatório de médico veterinário ao serviço do município, ser alienados pelas câmaras municipais, por cedência gratuita, quer a pessoas individuais, quer a instituições zoófilas devidamente legalizadas e que provem possuir condições adequadas para o alojamento e maneio dos animais.

2- Para os efeitos do disposto no número anterior, as câmaras municipais devem divulgar ao público, de forma adequada e regular, e pelo período mínimo de 30 dias, os animais de que disponham para cedência, nomeadamente, entre outros meios, através de plataforma informática a ser criada por meio regulamentar no prazo de 120 dias a partir da entrada em vigor do presente diploma.

3- É proibida a occisão dos animais que não sejam reclamados nem cedidos nos termos dos números anteriores, salvo no caso de zoonose que ponha em causa a saúde pública e animal, circunstância em que poderão ser abatidos por um médico veterinário de forma indolor e conforme às normas de boas práticas.

4- Os animais que apresentem lesão ou doença irreversíveis que lhes cause elevado e irremediável sofrimento, poderão mediante parecer do médico veterinário ser alvo de occisão de forma indolor e conforme às normas de boas práticas.

5- Para efeitos do cumprimento do disposto no número anterior, toda a occisão, individual ou coletiva, realizada em Centros de Recolha Oficial de Animais públicos, deve estar devidamente justificada pelo veterinário municipal, ou pela entidade competente pelo departamento de saúde pública ou proteção civil.

6- Todos os Centros Oficiais de Recolha de Animais devem tornar públicos os relatórios de gestão, nomeadamente com os números de recolhas, occisões, adoções, vacinações e esterilizações efetuadas.

Artigo 5.º
Vacinação e Esterilização

1- É assegurado através do Orçamento do Estado o financiamento próprio e adequado para a vacinação, esterilização e a captura, sempre que necessária, dos animais errantes e a promoção de campanhas de adoção, nomeadamente as realizadas por autarquias locais, assim como financiamento para a concretização de programas CED (Captura, Esterilização, Devolução) para gatos urbanos.

2- É assegurado através do Orçamento do Estado, o financiamento próprio e adequado para a vacinação e esterilização gratuitas de animais de companhia nos serviços municipais de veterinária das autarquias que o solicitem para prestação desses serviços.

3- A vacinação gratuita dos indivíduos abrange a vacinação obrigatória prevista na lei, bem como o conjunto das doenças transmissíveis ao ser humano ou passíveis de gerar problemas de saúde pública.

4- A esterilização gratuita de cães ou gatos depende da avaliação clínica dos serviços municipais de veterinária.

Artigo 6.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua aprovação.

Assembleia da República, em 19 de junho de 2015

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