Intervenção de

Regime disciplinar das Federações Desportivas - Intervenção de Bernardino Soares

Senhor Presidente Senhores Deputados

De um Governo espera-se, no que ao desporto diz respeito, que crie as condições necessárias para que cada vez mais portugueses tenham acesso à prática desportiva.

As prioridades do Governo em matéria desportiva avaliam-se facilmente pelas propostas que faz à Assembleia da República. E facilmente se percebe que a principal preocupação do Governo é intervir nas questões do futebol profissional e não, por exemplo no reforço do desporto escolar que tão atribulados tempos atravessa.

E pode fazê-lo. Deve no entanto ter a coragem de reconhecer que é esse o seu principal objectivo e a sua principal vocação. Contudo o Governo finge estar preocupado em intervir em todo o fenómeno desportivo e ainda por cima atira para a Assembleia da República responsabilidades que não quer assumir.

É a conclusão a que se chega quando se analisa a proposta de lei que hoje discutimos. Esta proposta de lei tem um antecedente muito directo que aliás é referido na parca exposição de motivos que acompanha o articulado. Trata-se do decreto-lei 144/93 que estabelece o regime jurídico das Federações desportivas com estatuto de utilidade pública, e em que desde logo houve ingerência no movimento associativo.

A proposta de lei do Governo copia aquilo que já eram as orientações dadas por este diploma, e que deveriam ser aplicadas pelas diversas Federações desportivas abrangidas.

Só que o Governo resolveu substituir-se às Federações em matéria da sua competência exercida no âmbito das orientações gerais definidas, e avança no caminho de uma regulamentação que não lhe caberia.

Na verdade já estamos habituados a que o Governo se imiscua no que é a esfera do movimento associativo e que na nossa opinião deveria ser respeitada. Já o fez, aliás com a conivência de todos os partidos, excepto o PCP, na alteração à lei de bases do sistema desportivo.

Mas como é por demais evidente para todos neste processo o que o Governo quer em primeiro lugar é ser protagonista do futebol profissional. O Conselho de Ministros constituiu-se em verdadeira Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol e delibera apresentar propostas de carácter geral mas com destinatários concretos.

No caso em presença há ainda outro aspecto a salientar. O que o Governo faz com esta proposta de lei, embora usurpando competências que pertencem às Federações e ao movimento associativo é uma verdadeira regulamentação do decreto-lei 143/93 na parte que diz respeito ao regime disciplinar.

O Governo propõe à Assembleia que também ela interfira nas matérias que dizem apenas respeito ao associativismo.

O que se pretende afinal é que também o plenário da Assembleia da República se constitua como assembleia geral federativa e muito especialmente que seja a Assembleia da República a arcar com o ónus da ingerência no associativismo desportivo. É uma verdadeira instrumentalização da Assembleia da República para os objectivos, também eles instrumentais que o Governo se propõe atingir. E quais são.

Sr. Presidente Srs. Deputados

A proposta de lei visa, segundo o Governo, prevenir e punir os fenómenos anti-desportivos que tantas vezes surgem associados ao desporto. É um objectivo com o qual concordamos. Simplesmente o Governo não foi muito feliz na concretização deste propósito.

Desde logo pelo processo utilizado, mas também pela confusão reinante no texto que nos chegou. Para além da utilização profusa de conceitos imprecisos e juridicamente vagos, chegados ao fim do articulado ficamos sem saber se afinal de contas este regime se aplica às competições de carácter profissional.

Tudo indicaria nesse sentido até porque os instrumentos jurídicos propostos terão especial relevância no âmbito das competições profissionais, onde geralmente se verificarão os fenómenos que o Governo diz querer combater. Mas o artigo 11º da proposta vem dizer que as Federações terão sempre competência nas matérias do artigo 7º mesmo nos casos de competições profissionais. Então e nas restantes disposições? Ou quererá isto dizer que o estatuto disciplinar das federações desportivas só pode ser exercido pelas federações nos casos do artigo 7º?

Surgem também na proposta de lei diversas normas que se aplicam apenas à classe dos árbitros, que aliás merece atenção privilegiada do Governo. Ora sendo os árbitros de competições profissionais amadores e apenas um dos intervenientes do processo, algumas das medidas propostas mereciam maior justificação.

A confusão como se vê é total. Tão delicado assunto mereceria uma atenção mais cuidada e não uma intervenção desajeitada e ainda por cima envergonhada já que o Governo se exime de assumir a responsabilidade nesta matéria.

Sr. Presidente Srs. Deputados

Bom seria que o Governo se empenhasse de facto em que o povo português possa praticar desporto, e que deixasse para o movimento associativo o que legitimamente lhe cabe.

A não ser assim, não tardará muito a constar na agenda do Conselho de Ministros a convocatória para o próximo jogo da selecção nacional de futebol, ou a nomeação dos árbitros para a jornada seguinte do campeonato da primeira divisão.

Disse.

 

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