Intervenção de

Regime de requalifica??o pedag?gica do 1? ciclo do ensino b?sico<br />Intervenção da Deputada Luísa Mesquita

Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados,A matéria que hoje é objecto de discussão - o primeiro ciclo do ensino básico - é provavelmente o melhor teste de aferição às práticas dos diversos governos, quer do PSD, quer do PS, nas últimas décadas.É na continuada ausência de investimento neste nível do sistema educativo nacional que os responsáveis pela definição da política educativa devem, na nossa opinião, procurar muitas das razões do insucesso e do abandono escolares.Não obstante o Texto Constitucional e a Lei de Bases do Sistema Educativo definirem nesta área, princípios, direitos e deveres inequívocos, muito continua por fazer, apesar deste nível de ensino ter vindo a manifestar uma acentuada redução do número de alunos, decorrente não só do abaixamento demográfico mas também da persistente migração para os centros urbanos.Esta situação levou à desertificação e isolamento de grandes áreas do território nacional e ao encerramento de muitas salas de aulas, sobretudo nas zonas do interior do país.É neste quadro que deveremos avaliar as dificuldades deste nível do sistema educativo.As condições de trabalho e o equipamento existente determinam a qualidade do processo de ensino-aprendizagem destas crianças.Os diferentes governos têm vindo a optar de 1984 até hoje pela transferência avulsa e não programada das competências, em matéria educativa, para o Poder Local, sem as necessárias contrapartidas financeiras e sem a avaliação dos recursos dos respectivos municípios.A partir da primeira experiência de transferência - os transportes e a acção social escolar - as seguintes decorreram, ou sem o acordo da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, ou da imposição de acordos lesivos para as autarquias e não poucas vezes, da pressão de serviços desconcertados do governo para que os Municípios prestassem serviços que não eram da sua responsabilidade.Hoje, é evidente que a desresponsabilização da administração central, relativamente ao 1º ciclo do ensino básico, teve e continua a ter consequências graves, visíveis na ausência de uma estratégia nacional capaz de superar as assimetrias instaladas.O investimento minimalista de que tem sido alvo o 1º ciclo do ensino básico, transformou a grande maioria destas escolas em espaços onde reina a penúria..Entretanto, as medidas avulsas muitas vezes desajustadas às necessidades das escolas têm contribuído para o agravamento da situação.E hoje, ensina-se e aprende-se, nestes anos de escolaridade, ainda em muitas escolas, como há 3 ou 4 décadas.A rede escolar, os edifícios, os materiais pedagógicos, a formação de professores, continua à espera de medidas inadiáveis.O partido socialista, apostando numa lógica economicista do sistema educativo, optou, em 1998, por um modelo de organização e gestão que ditou, mais uma vez, o isolamento, a discriminação e a descaracterização destas escolas.Recentemente, o Sindicato dos Professores da Região Centro divulgou um estudo sobre as condições de funcionamento das escolas do 1º ciclo do ensino básico da região centro do país, onde afirmava que a escola deste nível de ensino está "completamente desajustada do mundo e da vida neste início do século XXI" e que "uma escola que unicamente conta com os manuais escolares e com a extrema dedicação dos professores não exerce qualquer poder de atracção sobre as crianças."E acrescentava que "Equipamentos que deviam ser considerados vulgares, (...) são privilégio de poucas escolas, com o recurso sistemático a sorteios, rifas e peditórios diversos."Como se vê a paixão socialista foi pouca e efémera. Quatro anos foram considerados suficientes para resolver os enormes atrasos estruturais do sistema educativo.Agora, dizem, é só racionalizar os recursos. O pior é quando não existem.Repare-se, por exemplo, neste estudo, suportado por um questionário enviado às escolas. Responderam 860 escolas do 1º ciclo do ensino básico, que representam 1951 turmas, 1926 salas de aula e 27.931 crianças.· 495 escolas dizem não possuir nenhum auxiliar de acção educativa. Valerá a pena perguntar quem faz a limpeza das salas, quem acompanha os alunos nos intervalos e na hora do almoço. · 234 escolas dizem não possuir telefone. E quando ocorre um acidente escolar? Correm à procura do telefone público. · 746 escolas dizem não possuir qualquer serviço de refeições. · 26 escolas dizem não possuir qualquer tipo de aquecimento.Relativamente aos equipamentos, os resultados não são menos preocupantes. · Cerca de 48% não têm biblioteca. · Mais de 70% não têm campo de jogos. · Quase 90% não têm balneários. · Quase 60% não têm televisão e vídeo. · 69% não têm computador. · Mais de 80% não têm ligação à internet. · Mais de 70% não têm impressora. · Quase 80% não têm fotocopiadora. · 94% não têm qualquer material experimental. · Cerca de 90% não têm instrumentos musicais. · Cerca de 60% não têm material desportivo.Não será exagerado afirmar que muitas possuem exactamente o mesmo material há décadas, agora, naturalmente, mais degradado. Não pretendemos generalizar estes resultados.Mas também nos recusamos a acreditar que a Região Centro constitua uma excepção.Justifica-se perguntar ao governo do partido socialista se são estas as escolas do 1º ciclo que o país precisa.Justifica-se perguntar se o governo está em condições de informar a Assembleia da República e o país das condições de funcionamento das restantes escolas do 1º ciclo do ensino básico.Justifica-se perguntar qual a avaliação do resultado de algumas medidas anunciadas pelo governo do partido socialista, como por exemplo - o KIT material didáctico distribuído; a entrega de telemóveis às escolas sem informação de quem suportava as despesas; os orçamentos atribuídos às escolas agrupadas e que, de acordo com o decreto-lei 115-A/98, devia dar uma "especial atenção às escolas do 1º ciclo do ensino básico." Justifica-se perguntar se as alterações propostas pela reforma curricular, imposta pelo PS ao 1º ciclo do ensino básico, estarão efectivamente no terreno em Setembro próximo, como abriga o diploma.Justifica-se perguntar se o carácter optativo das novidades curriculares, como por exemplo o ensino de línguas estrangeiras, dependentes das condições existentes nas escolas, constituem a aposta do partido socialista na defesa das condições de igualdade, de equidade e de universalização a todas as crianças de todas as medidas que venham a ser tomadas.Senhor Presidente Senhoras e Senhores Deputados,É neste cenário de reduzida modernização e humanização da escola primeira, que é suporte fundamental de aprendizagens futuras que se situa o projecto de lei em discussão.Enuncia algumas medidas, repetidamente anunciadas pelo governo, confessa a sua quota parte de responsabilidade na actual situação e partilha de alguma ausência de clarificação na definição das competências em matéria educativa.Pela nossa parte, estamos disponíveis para assumir a sua discussão na especialidade, na procura de propostas e soluções que clarifiquem responsabilidades e garantam um melhor funcionamento destas escolas num quadro de desenvolvimento da sua autonomia e identidade própria.

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