Artigo de António Abreu na «Capital»

«Reformar o Ensino Superior, a que propósito e para quem?»

Em tempo de recessão e de proximidade de uma guerra que, sem ainda ter começado, já está a afectar a economia de todos os países quanto mais não seja pelos efeitos de choque do aumento do petróleo, perguntar-se-á por que é que os dois ministros (da Educação e do Ensino Superior), perfeitamente condicionados pela política financeira, se lançam em alterações parcelares (reforma curricular do secundário, regime disciplinar dos estudantes do ensino não superior, Conselhos Municipais de Educação e Cartas Educativas , Regime Jurídico do Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior e o debate público para legislar sobre um conjunto muito vasto de questões relativas ao ensino superior), sem esperarem pela própria revisão da Lei de Bases do Sistema Educativo que eles próprios anunciaram?

No mínimo incoerência, necessidade de mostrar trabalho ou de afirmar diferenças em relação a quem os antecedeu.

Não vamos cometer a injustiça de assim os julgar, atribuindo-lhes essa grande irresponsabilidade.

Outro entendimento poderá ser que num funcionamento relativamente independente de uns ministérios em relação a outros, os ministros tenham sido ultrapassados pelos acontecimentos e agora estejam defrontados com uma situação que não dominem e em que tais e novas decisões se destinem a ir para o monte de sucessivas leis, decretos, despachos e experimentalismos diversos que não foram assimilados e só contribuíram para a desmotivação docente, o ollhar desconfiado de estudantes, pais e opinião pública sobre o sistema, sucessivos protestos, a perda da noção da importância de maiores níveis de formação para o futuro nos trazer melhores dias.

Mas também se poderá imaginar que, no meio da confusão, todo estás preparado paras passar entre tanta coisa que nos prende a atenção, que não se deixará de verificar um geral alheamento de muitos e que, talvez seja isso que se quer, só não se percebendo com que dinâmicas institucionais vão contar para proceder aos partos múltiplos.

Mudanças no ensino superior impõem-se? Sem dúvida! Mas vai ser da discussão realizada que se fará luz sobre as mudanças a fazer? Em parte. Porque elas estão condicionadas por outros factores: o sentido da política, o futuro do país que quem decide está a promover, o que a guerra e o pós-guerra vão influir, o nível de articulação que o governo tem já com as instâncias do império, na sequência da subscrição da “carta dos oito” incondicionais com Bush. Inclinamo-nos a pensar que, em graus diferentes dos outros sete, não estarão dentro de muita coisa ,mas esperam vir com alguma coisa a ser bafejados.

O que vai caber às nossas instituições de ensino superior nessa nova situação? Que clareza de missões que impeçam a proliferação de situações não sustentadas em termos de saídas profissionais? Que relação passará a existir entre os milhares de estudantes, em geral deslocados, e a alteração do tecido económico regional em cada centro polítécnico ou universitário( Relação que se não tem, em geral, atingido, contribuindo, sim, para os níveis de prestígio e estatuto regionais, o número de quartos alugados e a animação da actividade comercial de quem aí estuda e depois de lá sai para outros locais, outras actividades e para o desemprego) ?

Que uniformização se vai permitir que seja a linha dominante quando o desenvolvimento exige diferentes tipos de formação, capazes de, com outros factores de inovação perspectivarem o investimento público e privado, por parte de decisores que não se limitem a terem a “ambição” de darem a ganhar muito, depressa, e de qualquer maneira a alguns que se conformaram em ser subcontratados, sem inovarem na organização e gestão, em não se especializarem em certos perfis produtivos, sem promoções de marca que nos imponham no mercado interno e no externo onde passaremos a ter mais dificuldades?

Esperemos que a diversidade de monólogos que este debate permitiu, não conduza apenas a dizer-se que foi feito para figurar nos preâmbulos de nova legislação. Porque o mais certo é que se invoque que as diferentes respostas se anulam entre si para “justificar” decisões que já se começaram a vislumbrar, e que referimos de seguida.

Cristalização de um sistema binário, não como necessidade de responder a diferentes tipos de formação albergáveis num sistema único com missões diferenciadas , mas como o culminar de diferenciados percursos antecedentes que mantenham coutadas de classe.

Associar instituições de excelência aos desígnios do império , remetendo para um e-learning devidamente formatado, asa formações que sirvam missões subcontratadas num quadro de feroz competição, desregulamentada em termos contratuais e com uma investigação garantida por bolseiros sem direito a estatuto mas a cumprirem com necessidades permanentes .

Substituição dos actuais reitores e directores por “gestores profissionais” ou subordinados a “boards of trustees”, constituídos por representantes de entidades, que até à data não revelaram suficiente interesse para melhorarem definições estratégicas, e a pretexto de alguns casos pontuais de má gestão por decisões levianas que deveriam ser evitadas por um outro nível de responsabilidades da tutela e de instâncias de regulação. E quando se sabe que os actuais responsáveis das instituições e respectivas unidades orgânicas já dispõem de staffs qualificados de apoio à gestão cujas dificuldades resultam, como é público e notório, da falta de cumprimento dos compromissos financeiros dos últimos governos para com elas e não da ausência de uma “gestão profissional”.

A substituição de reitores e direcções eleitas, por figuras nomeadas e a redução desadequada da participação dos diferentes corpos (nomeadamente estudantes e não docentes) nas assembleias e órgãos.

A elevação de propinas quando as existentes foram utilizadas para cobrir despesas de funcionamento e não paras melhorar a qualidade do ensino. E quando é sabido que a sua eventual elevação seria um factor de disuassão adicional aos já elevados encargos para quem anda a estudar, e que vê cada vez menos saídas profissionais, com incidência especial nos que provêm de condições sociais mais débeis. Coisa que os “filhos de família” enfrentam com outra segurança, por influências e mesmo que tivessem de pagar os sucessivos chumbos com propinas progressivas, como alguns defendem.

Não se vislumbra uma outra consequência na “consolidação do ensino superior nas várias regiões” que não seja na manutenção do numerus clausus em vez de políticas de desenvolvimento regional, por que as mudanças qualitativas e os investimentos prometidos se adiaram depois da última passagem por lá de P. Lynce ou D., Barroso.

Tudo aponta para perdas de autonomia, com crescente governamentalização, e a consequente perda de responsabilidade para cumprimento das missões atribuídas.

Na sequência do comportamento anterior o financiamento do Orçamento do Estado será reduzido, com apelos a obtenção pelas instituições de mais receitas próprias, que já hoje em alguns casos se aproximam de metade das respectivas receitas, isto é, apelando a um crescente afastamento do ensino e investigação. Não estimulando o governo suficientes estudos e encomendas às instituições de ensino, optando por vezes por fornecedores piores e mais caros.

Não deixa de ser curioso que neste ambiente de possíveis más notícias para o ensino superior público, seja o sector privado que se não pronuncia. Novos compromissos?

Enfim, o que receamos que aí venham são alterações que acentuarão as restrições de classe à sua frequência e conclusão e reduzirão a definição de missões que nos faça sair da recessão e da subserviência para entrar num modelo de desenvolvimento sustentado mais igualitário nos pontos de vista social e regional.

E estamos com aqueles que querem aproveitar a oportunidade para consolidar o ensino superior público e de qualidade tendencialmente gratuito.

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