Projecto de Resolução N.º 1094/XIII/3ª

Reforço de medidas na área da oncologia pediátrica e de apoio às crianças e adolescentes com cancro e suas famílias

Reforço de medidas na área da oncologia pediátrica e de apoio às crianças e adolescentes com cancro e suas famílias

A literatura científica define a oncologia pediátrica como a subespecialidade médica que abrange a prevenção, o diagnóstico e o tratamento de um conjunto de neoplasias, ou tumores, podendo ser benignas ou malignas e que surgem nas crianças e adolescentes.

Os dados estatísticos revelam que a incidência das neoplasias em crianças não é tão elevada como nos adultos. Porém, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), nas últimas décadas, tem-se assistido a um aumento significativo da incidência de cancro pediátrico, “numa proporção que sugere que dos 6.250 novos casos de cancro diagnosticados a cada ano, 4% ou cerca de 250 mil são crianças”.

Em Portugal surgem todos os anos mais de 300 novos casos de cancro pediátrico, sendo a segunda causa de morte nos jovens até aos 18 anos, logo a seguir aos acidentes.

Os dados do Registo Oncológico Nacional, publicados no Portal de Informação Português de Oncologia Pediátrica (PIPOP), revelam que a grande maioria dos cancros pediátricos diagnosticados são leucemias, seguidos pelos linfomas, pelos tumores nos nervos periféricos e do sistema nervoso autónomo (neuroblastomas) e pelos do encéfalo (sistema nervoso central). Com menos expressão, seguem-se o cancro do fígado e vias biliares intra-hepáticas (tumores hepáticos), os dos rins (tumores renais), os dos olhos e anexos (retinoblastomas) e do tecido conjuntivo subcutâneo ou outros tecidos moles (sarcomas).

Diversos estudos revelam que a sobrevivência da criança com cancro tem vindo a melhorar significativamente desde os anos 70, sendo comumente aceite que tal melhoria se deve a progressos registados ao nível do diagnóstico, designadamente do diagnóstico precoce, do tratamento e no apoio aos doentes.

Em Portugal, tais progressos são indissociáveis da consagração do Serviço Nacional de Saúde como geral, universal e gratuito e a disseminação de cuidados primários de saúde e hospitalares pelo país.

O diagnóstico e tratamento da doença oncológica tem consequências para o doente, para a família e abrange diversas dimensões, com especial impacto do ponto de vista emocional / afetivo, social e económico.

De acordo com um estudo divulgado pela Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro (ACREDITAR) no passado mês de setembro, “o diagnóstico de cancro numa criança ou num jovem tem um impacto imediato e disruptivo na família”, designadamente no “aumento da despesa” e “diminuição da receita”.

Sobre o aumento da despesa, os dados revelam que por ano as famílias gastam mais “3.048,00” euros, sendo os encargos com a “alimentação, deslocações e medicação” que mais contribuem para esse aumento.

Por sua vez, a diminuição de receita decorre do decrescimento dos rendimentos familiares provocado pelo recurso a “baixa médica” ou situações de “desemprego” para acompanharem os filhos nos tratamentos.

Para além destas questões, os participantes no estudo apontaram outras dificuldades, concretamente ao nível dos apoios prestados diretamente à criança ou jovem e às suas famílias.

No que concerne aos apoios às crianças e jovens, salienta-se a necessidade de ter mais “apoio ao nível escolar e do ensino especial” e de “apoio psicológico”.
Segundo os dados do inquérito já aduzido, 63,5% das crianças e jovens “não beneficiou de apoio escolar individual e/ou apoio domiciliário”, sendo admitido pelos inquiridos que “o regime de necessidades educativas especiais é desajustado aos doentes oncológicos pediátricos”.

No que toca aos apoios às famílias, é valorizada a necessidade de ser disponibilizado suporte psicológico, bem como apoios ao nível da proteção social e alterações na legislação laboral que permita aos pais acompanharem os seus filhos desde o diagnóstico até ao final dos tratamentos.

Em Portugal existe um quadro legal e normativo que prevê a atribuição de apoios sociais às famílias, assim como licença para acompanhamento de filho.

Das prestações sociais atribuídas salienta-se o subsídio para assistência a filho com deficiência ou doença crónica, o qual é “atribuído por um período até 6 meses” podendo ser prolongado “até ao limite de 4 anos” e cujo montante tem um “limite máximo de 842,64 EUR, que corresponde a 2 vezes o valor do indexante dos apoios sociais (IAS) e um limite mínimo [cujo] valor diário não pode ser inferior a 11,24 EUR que corresponde a 80% de 1/30 do IAS (IAS = 421,32 EUR)”,.

Existe ainda o subsídio de assistência à 3ª pessoa, cujos destinatários são as “Pessoas (crianças ou adultos) com deficiência que necessitem de acompanhamento permanente de uma 3.ª pessoa”. Trata-se de uma “prestação mensal em dinheiro que se destina a compensar as famílias com descendentes, a receber abono de família com bonificação por deficiência ou subsídio mensal vitalício, que estejam em situação de dependência e que necessitem do acompanhamento permanente de 3.ª pessoa”, cujo montante está fixado no valor de 88,37 EUR. Este montante é muito parco para todas as tarefas e funções executadas pelos cuidadores.

No que respeita à licença de acompanhamento de filho, a legislação prevê que a mesma possa ser prorrogada até ao limite de 4 anos, sucede, no entanto, que no caso das doenças oncológicas este período pode ser manifestamente insuficiente, pelo que os pais advogam que, sempre que haja uma justificação clínica devidamente atestada por médico assistente especialista na área da oncologia, deveria ser “abolido o limite de 4 anos de licença para acompanhamento de filho”

Existe, igualmente, um quadro legal que possibilita a comparticipação de despesas com produtos de apoio, vulgarmente conhecidos por ajudas técnicas. Pese embora existir esta legislação, as associações representativas de doentes oncológicos consideram que ficam aquém das necessidades dos doentes.

Os especialistas defendem, ainda, que o tratamento e acompanhamento das crianças e jovens com cancro devem obedecer às normas internacionais, as quais postulam que as “crianças devem ser tratadas em Unidades de Oncologia Pediátrica, que terão de obedecer a vários pressupostos, entre os quais dispor de meios de diagnóstico e de estadiamento adequados, participar em protocolos de tratamento multicêntricos, e garantir o suporte do doente nos efeitos adversos do tratamento.”

Em Portugal, o diagnóstico e tratamento de crianças e jovens com doença oncológica é feito em unidades especializadas do Serviço Nacional de Saúde. Tal como acontece com outras unidades do Serviço Nacional de Saúde também estas unidades sofrem as consequências de um subfinanciamento crónico, da existência de elevada obsolescência dos equipamentos, os quais necessitam de ser substituídos com a máxima brevidade, assim como de um número insuficiente de profissionais de saúde, pelo que também urge reforçar, por via da contratação, estas unidades com mais profissionais de saúde de diferentes áreas para que sejam prestados cuidados de forma mais atempada e de qualidade às crianças e jovens com cancro e às suas famílias.

O PCP defende que o Serviço Nacional de Saúde é o único capaz de responder de forma cabal às necessidades dos doentes oncológicos e, particularmente às crianças e jovens que padecem de doença oncológica, mas para tal é necessário que sejam tomadas medidas que visem o reforço de meios humanos, materiais e técnicos de forma a prestar cuidados de saúde de qualidade e atempadamente, isto é, que esteja garantido o acesso a todos os cuidados de saúde em tempo útil.

No que respeita ao acesso às terapêuticas, o PCP defende que a todos os doentes seja disponibilizada a terapêutica mais adequada, incluindo os novos medicamentos, porém tem que estar presentes duas premissas: comprovação científica e clínica e que o Estado tome medidas que salvaguardem o interesse público e não fique refém dos interesses das farmacêuticas.

O PCP defende ainda que devem ser reforçados os mecanismos de comparticipação de despesas com produtos de apoio de modo a permitir que todos independentemente da sua condição económica, do local de residência ou do hospital do SNS em que é acompanhado, tenham acesso a esses mesmos produtos, bem como ao transporte não urgente de doentes.

Assim como devem ser introduzidas mudanças no quadro legal na área da proteção social e acesso aos benefícios sociais que são disponibilizados às crianças, aos jovens e suas famílias, bem como seja instituída a obrigatoriedade de as entidades patronais cumprirem a legislação que permite adequar o horário de trabalho e as funções a desempenhar às especificidades concretas do cuidador da criança e, ou jovem com doença oncológica.

Assim, tendo em consideração o acima exposto, e ao abrigo nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de

Resolução

A Assembleia da República resolve recomendar ao Governo, nos termos do n.º 5 do Artigo 166.º da Constituição, as seguintes medidas na área da oncologia pediátrica e de apoio às crianças e adolescentes com cancro e suas famílias:

1. No domínio da saúde e do Serviço Nacional de Saúde (SNS) seja:

a) Providenciado tratamento em tempo adequado às crianças e jovens a quem foi diagnosticado cancro;
b) Disponibilizado as terapêuticas mais adequadas aos doentes, incluindo aos novos medicamentos, sempre que haja comprovação científica e clínica da sua vantagem, e simultaneamente salvaguardado sempre o interesse público;
c) Reforçado o apoio psicológico à criança, ao jovem com doença oncológica e à sua família em todas as fases da doença (desde o diagnóstico, tratamento e pós tratamento);
d) Contratados os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapêutica, psicólogos, técnicos superiores de serviço social) de modo a responder de forma mais atempada e que sejam respeitados os tempos de resposta garantidos;
e) Renovado e substituído os equipamentos utilizados nos tratamentos oncológicos existentes nos hospitais do SNS;
f) Reforçado os mecanismos de comparticipação de atribuição de produtos de apoio aos doentes oncológicos;
g) Comparticipado a 100% os suplementos diatéticos destinados às crianças e jovens com cancro.

2. No domínio da escolaridade seja:

a) Permitido o acesso ao apoio especial educativo às crianças e jovens com doença de cancro, designadamente às condições especiais de avaliação e frequência escolar; apoio educativo e/ ou ao domicílio sempre que seja necessário e haja uma justificação clínica para tal; adaptações curriculares e que os equipamentos especiais de compensação sejam atribuídos de forma célere.
b) Reforçadas as equipas de docentes colocadas pelo Ministério da Educação nos hospitais de forma a que seja feito um melhor e mais adequado acompanhamento das crianças e jovens com cancro.

3. No domínio dos apoios sociais a prestar aos pais e aos cuidadores de crianças e jovens com cancro seja:

a) Eliminada a condição de recursos para efeitos de atribuição dos subsídios sociais, prevista no Decreto-Lei nº 91/2009, de 9 de abril, e a indexação do seu limite a 100% do valor do IAS;
b) Providenciado o alargamento das condições de acesso e dos montantes das prestações sociais disponibilizadas aos pais e cuidadores das crianças e jovens com cancro;
c) Estudada a possibilidade de prorrogação da licença de acompanhamento do filho para além dos 4 anos, desde que a doença persista, ou tenha havido recidiva que o justifique.

4. No domínio dos direitos de trabalho a aplicar aos progenitores e cuidadores das crianças e jovens com cancro:

a) Garantia de que a obrigatoriedade de a entidade patronal adequar o horário de trabalho e as funções a desempenhar, seja realizada no respeito pelas especificidades concretas do cuidador da criança ou jovem com cancro;
b) Reforço efetivo dos meios de fiscalização da ACT, nomeadamente, dos meios e mecanismos de fiscalização no que respeita à redução do horário de trabalho, nos termos da alínea anterior.

Assembleia da República, 20 de outubro de 2017

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