Projecto de Lei N.º 701/XIII/3ª

Reforça a proteção dos animais utilizados em circos

Exposição de Motivos

A discussão em torno da utilização de animais em espetáculos circenses pode enquadrar-se na discussão mais genérica sobre proteção do bem-estar animal. A incapacidade de fazer cumprir uma legislação que controle efectivamente o uso de animais em circos aponta para a necessidade de caminhar no sentido de terminar com o uso de animais em atividades circenses, ainda que de forma gradual e sem imposições perante as comunidades que dependem ainda da utilização de animais em espectáculos de circo para a sua subsistência.

O que o PCP agora propõe é a criação de legislação que funcione como um estímulo positivo para a alteração dos espetáculos de circo tradicionais no sentido da diminuição significativa do uso de animais e do seu fim gradual, sem mecanismos de imposição ou obrigatoriedade, exceptuando as situações em que seja manifestamente impossível assegurar as condições de bem-estar animal específicas em causa, como é o caso dos grandes símios. Nesses casos, o PCP propõe a criação, não de um regime voluntário de entrega, mas de um regime compulsivo mediante compensação do proprietário.

Propõe ainda a efetiva responsabilização do Estado em matéria de proteção dos animais utilizados em circos, através da criação do Cadastro Nacional de Animais de Circo e da dotação dos meios técnicos e humanos das entidades competentes nesta matéria para garantir ainda a recolha e tratamento dos animais, assim como garantir o respeito pelas suas características e necessidades biológicas e etológicas.

A principal intenção do presente Projecto de Lei é criar as condições para que as companhias circenses optem voluntariamente por uma transição gradual, assim passando a investir os seus meios com o apoio do Estado na busca de novas artes do espetáculo circense e de reconversão profissional dos seus artistas, quando possível e quando seja essa a sua opção, abandonando o uso de animais nos seus espetáculos.

O PCP não entende que seja possível intervir de outra forma para diminuir a utilização de animais em circos, sem prejudicar os direitos daqueles que até hoje têm levado a cabo atividades circenses com uso de animais. Esta orientação a que de alguma forma podemos chamar “pedagógica” contribui, pois, para uma diminuição obrigatória do recurso a animais em espetáculos e para o fim da utilização de algumas espécies particularmente vulneráveis a este tipo de cativeiro, sem que as companhias de circo sejam colocadas num cenário de ausência de escolha e de resposta. Simultaneamente, com esta proposta, o PCP sugere um novo caminho para o circo português que certamente levará a um aumento da procura do circo sem animais, sem que ela aconteça de forma forçada, mas sim natural e gradual e com o mais absoluto respeito quer pela actividade circense quer pelo bem-estar animal.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objecto e âmbito

A presente lei reforça a proteção dos animais, nomeadamente quanto à sua detenção e utilização em circos.

Artigo 2.º

Cadastro Nacional de Animais de Circo

  1. Os responsáveis pela utilização de animais em circos são obrigados a identificar electronicamente os animais e a manter um registo, devidamente documentado, dos animais detidos e utilizados, contendo:
    1. A identificação do detentor do animal, designadamente nome e morada;
    2. A identificação dos animais, nomeadamente o número de identificação, se aplicável, nome, espécie, raça, idade e quaisquer sinais particulares, sempre que aplicável;
    3. O número de animais por espécie;
    4. O movimento mensal, nomeadamente registos relativos à origem e às datas das entradas, nascimentos, mortes e, ainda, datas de saída e destino dos animais.
  2. Cabe à Direção Geral de Alimentação e Veterinária criar o Cadastro Nacional de Animais de Circo, que colige os dados referidos no número anterior, com actualização trimestral, mediante portaria do Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, a publicar no prazo de 6 meses após a publicação da presente lei, assim como proceder à identificação electrónica dos animais selvagens e domésticos detidos e utilizados em circos.
  3. Quanto aos animais de espécies cuja detenção esteja sob a tutela e supervisão do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, cabe a este organismo colaborar com a Direcção Geral de Alimentação e Veterinária no sentido de identificar e cadastrar os animais destas espécies detidos e usados em circos.

Artigo 3.º

Programa de entrega voluntária de animais

  1. Compete à Direção Geral de Alimentação e Veterinária, em colaboração com o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, criar um Programa Nacional de Entrega Voluntária de Animais utilizados em circos.
  2. O Estado indemniza, em termos a regulamentar, os circos ou artistas proprietários de animais que procedam à sua entrega voluntária, responsabilizando-se o Estado pela recolocação destes animais em centros de acolhimento adequados, dentro ou fora do país, que garantam o seu bem-estar de acordo com as características e necessidades biológicas e etológicas dos animais em causa.
  3. Os proprietários ou detentores de animais que optem pela entrega voluntária dos mesmos, ficam impedidos de adquirir novos animais da raça ou espécie dos que foram entregues, para utilização em circos.

Artigo 4.º

Entrega obrigatória de animais

  1. Os circos detentores de grandes símios, nomeadamente de chimpanzés, gorilas, orangotangos e bonobos, devem proceder à sua entrega no prazo máximo de 6 meses após a publicação da presente lei, à Direção Geral de Alimentação e Veterinária, que os recebe em articulação com o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas.
  2. O Estado indemniza, em termos a regulamentar, os proprietários dos animais referidos no número anterior, responsabilizando-se pela recolocação destes animais em centros de acolhimento adequados, dentro ou fora do país, que garantam o seu bem-estar de acordo com as características e necessidades biológicas e etológicas dos animais em causa.

Artigo 5.º

Apoio à reconversão profissional

  1. Compete ao Estado criar uma linha de incentivos financeiros à reconversão das companhias de circo que voluntariamente entreguem animais que detenham e utilizem, em termos a regulamentar, no prazo de 120 dias após a publicação da presente lei.
  2. Compete ao Estado criar, através do Instituto de Emprego e Formação Profissional, incentivos e apoios financeiros à reconversão e qualificação profissional, bem como acções de formação profissional adequadas aos trabalhadores dos circos que voluntariamente entreguem os animais nos termos do número anterior.

Artigo 6.º

Campanhas de sensibilização

O Estado promove campanhas de sensibilização junto dos circos para o cumprimento das normas de protecção dos animais estabelecidas na presente lei, e na demais legislação aplicável.

Artigo 7.º

Autoridades competentes e meios técnicos e humanos

  1. Compete, em especial, à Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), e ao Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), assim como às câmaras municipais, designadamente aos médicos veterinários municipais e à polícia municipal, à Guarda nacional Republicana (GNR) e à Polícia de Segurança Pública (PSP) assegurar a fiscalização do cumprimento das normas constantes na presente lei, sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades e sem prejuízo das competências especiais que a presente lei atribui à DGAV e ao ICNF.
  2. O Estado deve dotar as autoridades competentes referidas no número anterior, e em especial a DGAV e o ICNF, com os meios necessários para a aplicação e fiscalização do cumprimento da presente lei, assim como da legislação de protecção dos animais em vigor, nomeadamente a estabelecida no Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 260/2012, de 12 de dezembro, alterada pela Lei n.º 95/2017, de 23 de agosto e procede à abertura de novos centros de recuperação de animais selvagens e ao reforço dos existentes.

Artigo 8.º

Regime contra-ordenacional

Compete ao Governo estabelecer o regime contra-ordenacional relativo ao incumprimento das disposições da presente lei no prazo de 30 dias após a sua publicação.

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