Projecto de Resolução N.º 1416/XII/4.ª

Recusa a continuação da política de direita e propõe uma política alternativa, patriótica e de esquerda

Recusa a continuação da política de direita e propõe uma política alternativa, patriótica e de esquerda

1. Romper com a política de direita e com a submissão às imposições da União Europeia

Portugal é hoje um país mais desigual, mais injusto, mais dependente e menos soberano. É este o resultado de décadas de política de direita, de reconstituição dos grupos monopolistas e reforço do seu poder, de financeirização da economia, de submissão aos interesses das grandes potências e de alienação de importantes parcelas da soberania nacional nos planos económico, financeiro, orçamental e monetário.

Tal realidade exprime-se na dimensão colossal do desemprego, na pobreza e miséria que atinge milhões de portugueses, na emigração forçada, nos baixos salários, no enfraquecimento do aparelho produtivo, no aumento do endividamento público e privado, no crescente controlo da economia por parte do grande capital nacional e estrangeiro, na destruição de serviços públicos, na degradação dos apoios sociais, no agravamento das injustiças e desigualdades sociais e regionais, a par de uma política fiscal de saque aos rendimentos dos trabalhadores, dos pequenos e médios empresários e agricultores e de favorecimento dos grupos económicos e financeiros.

A política de submissão e dependência intensificou-se nos últimos anos com os PEC e com o Programa da Troica promovido por PS, PSD e CDS em colaboração com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Apesar do termo formal do Programa da Troica em maio de 2014, esta política não só se mantém e agrava, como ameaça eternizar-se por via do Tratado Orçamental e dos diversos instrumentos da chamada Governação Económica, bem como da submissão ao Euro, imposto pelos poderes dominantes da União Europeia e assumido em Portugal por PS, PSD e CDS.

O Tratado Orçamental e a chamada Governação Económica revelam a natureza e os objetivos da designada construção europeia, direcionada e concebida como um espaço de domínio dos monopólios transnacionais, orientada para a concentração de poder nas principais potências capitalistas da Europa e em instituições supranacionais distantes do controlo dos povos, à custa da erosão da democracia e das condições de vida dos trabalhadores e dos povos.

As disposições do Tratado Orçamental, a serem aplicadas, condenariam Portugal a uma profunda regressão social e civilizacional e o povo português a um empobrecimento inimaginável. Na realidade, os partidos subscritores do Tratado Orçamental, sabendo que as metas deste Tratado não são alcançáveis, o que pretendem ao defender a sua aplicação – mesmo que numa leitura «flexível e inteligente» – é condicionar, de forma inaceitável, o direito do povo português a optar e decidir de forma soberana sobre o seu futuro coletivo, impondo a continuação da política de exploração, empobrecimento e desastre nacional levada a cabo nos últimos anos.

A partir de 2011, a União Europeia impôs a chamada Governação Económica, revendo e reforçando o sistema de órgãos e procedimentos de condicionamento económico em vigor na União Europeia por via da adoção de pacotes de propostas legislativas designados six-pack e two-pack, abrangendo um novo modelo de trabalho sincronizado designado Semestre Europeu e a supervisão mais apertada e intrusiva das políticas orçamentais no quadro do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Por se encontrar sob o Programa da Troica, Portugal não foi inserido até 2014 no Semestre Europeu. Este ano será, pois, a primeira vez que Portugal será sujeito a este mecanismo de submissão e controle. Em fevereiro de 2015, a Comissão Europeia publicou os Relatórios Individuais por País, de análise das políticas económicas dos 27 Estados-membros da União Europeia e do conjunto da zona Euro. Simultaneamente foram publicadas as Apreciações Aprofundadas realizadas ao abrigo do Procedimento dos Desequilíbrios Macroeconómicos para 16 Estados-Membros, incluindo Portugal. Até meados de abril de 2015, os Estados-membros – incluindo Portugal – apresentarão os Programas Nacionais de Reformas, definindo as prioridades em matéria das chamadas reformas estruturais, assim como os Programas de Estabilidade/Convergência, com os objetivos orçamentais de médio prazo. Em maio de 2015, a Comissão Europeia apresentará as Recomendações Específicas por País para 2015/16, as quais, depois de aprovadas pelo Conselho Europeu, se tornarão de aplicação obrigatória.

Todos estes procedimentos mostram cabalmente que, contrariamente à propaganda governamental, com o fim formal do Programa da Troica em maio de 2014 Portugal não recuperou a sua soberania nem deixou de estar sob “protetorado”; pelo contrário, os mecanismos em vigor no âmbito da chamada Governação Económica, aliados ao Tratado Orçamental e ao Euro, mantêm e aprofundam a submissão do País às exigências da União Europeia e do diretório de potências comandado pela Alemanha.

Estes mecanismos de submissão colocam um conjunto de Estados-membros da União Europeia em circunstâncias idênticas à de Portugal, amarrando-os a uma política que impede o crescimento e o desenvolvimento económicos e que acentua a exploração, o empobrecimento e a dependência.

Uma ação convergente com estes países, tal como o PCP vem propondo desde abril de 2011, é essencial para encontrar soluções para problemas comuns, inserindo-se neste objetivo a realização de uma conferência intergovernamental para debater a dissolução da União Económica e Monetária e o fim da chamada Governação Económica, assim como a revogação do Tratado Orçamental. Mas essa acção convergente não significa que no plano nacional não se avancem com opções de rutura que abram caminho a uma perspetiva de futuro que a continuação da actual política não comporta.

Só a recuperação dos instrumentos de soberania e uma outra política permitirão assegurar o crescimento e desenvolvimento económicos, a criação de emprego, a valorização do aparelho produtivo e a elevação das condições de vida do povo português.

2. Abrir caminho a uma alternativa patriótica e de esquerda vinculada aos valores de Abril

A libertação da submissão às imposições da União Europeia – recuperando para o País a sua soberania, económica, orçamental e monetária – e a rutura com a política de direita conduzida sucessivamente por governos do PS, PSD e CDS constituem uma condição básica para a criação de uma alternativa patriótica e de esquerda vinculada aos valores de Abril.

Uma política alternativa, patriótica e de esquerda, que assenta nos seguintes eixos: i) renegociação da dívida nos seus montantes, juros e prazos; ii) promoção e valorização da produção nacional e na criação de emprego; iii) recuperação para o controlo público de setores e empresas estratégias, designadamente do setor financeiro; iv) valorização dos salários, pensões e rendimentos dos trabalhadores e do povo; v) defesa dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, designadamente dos direitos à saúde, à educação, à proteção social e da cultura; vi) uma política fiscal que desagrave a carga sobre os rendimentos dos trabalhadores e das micro, pequenas e médias empresas e tribute de forma mais adequada os rendimentos e o património do grande capital, os seus lucros e a especulação financeira; e vii) rejeição da submissão às imposições do Euro e da União Europeia.

2.1. Renegociação da dívida

A dimensão colossal da dívida pública portuguesa resulta e é a face visível de um conjunto de opções lesivas do interesse nacional, tomadas ao longo de mais de três décadas por sucessivos governos da política de direita, entre os quais se destacam a desindustrialização, a desvalorização da agricultura e das pescas, o abandono do aparelho produtivo, a redução do mercado interno, as privatizações, a crescente financeirização da economia, o favorecimento do grande capital, a submissão às imposições da União Europeia e dos monopólios nacionais e estrangeiros, e a adesão ao Euro.

O crescimento da dívida pública nacional, que antes da adesão ao Euro se encontrava abaixo dos 60% do PIB, conheceu uma dramática aceleração em consequência da resposta dada nas principais economias capitalistas e também em Portugal ao agravamento da crise estrutural do sistema capitalista expressa de forma acentuada a partir de 2007-2008: uma maciça intervenção dos Estados, empenhados em salvaguardar a todo o custo a hegemonia do capital financeiro, apresentado a fatura, pesadíssima, aos trabalhadores e aos povos.

Em resultado desta intervenção, as contas públicas enfrentaram sérias dificuldades, logo aproveitadas pelo sistema financeiro para, em 2010, lançar contra a dívida soberana do nosso País um ataque especulativo e predatório, alargado e aprofundado com a política do Pacto de Agressão da troica. Em consequência a dívida pública (na ótica de Maastricht) disparou, passando de 83,6% do PIB (€ 146.691 milhões) no início de 2010, para 128,9% do PIB (€ 225.181 milhões) no final de 2014. Em apenas 5 anos a dívida pública cresceu 78.490 milhões de euros (+53,5%).

Os juros e outros encargos anuais com a dívida pública também cresceram de forma acentuada nos últimos quatro anos, prevendo-se que superem os 8 mil milhões de euros em 2015 (superior ao orçamento do Serviço Nacional de Saúde e mais do dobro do investimento público previsto para o ano). A própria Comissão Europeia reconheceu, em resposta a uma pergunta colocada pelo PCP, que de 2014 a 2020 Portugal terá que pagar cerca de 60.000 milhões de euros de juros da dívida pública, ou seja, mais de 8.500 milhões de euros por ano, em média.

A solução para travar este crescimento exponencial da dívida e respetivos encargos anuais passava, tal como proposto pelo PCP em abril de 2011, pela renegociação da dívida pública, nos seus prazos, juros e montantes. Contudo, o PS, o PSD e o CDS, rejeitando a proposta do PCP, optaram, em alternativa à renegociação da dívida, por assinar o Memorando da Troica com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional.

Os acontecimentos dos últimos quatro anos vieram dar razão ao PCP. O País foi sujeito a um brutal pacto de agressão, falsamente designado «programa de ajustamento», que acentuou a exploração dos trabalhadores, empobreceu as populações e afundou a economia nacional, sem que o problema da dívida fosse resolvido. Pelo contrário, o País está hoje mais endividado e mais dependente do que no início do Programa da Troica.

O serviço da dívida pública restringe brutalmente a capacidade de investimento do País e a capacidade de o Estado cumprir as funções e competências constitucionalmente atribuídas, pelo que é uma necessidade e um imperativo nacional proceder à renegociação da dívida, nos moldes propostos pelo PCP.

O processo de renegociação da dívida pública – nos seus prazos, juros e montantes – deve ter como objetivo assegurar o direito a um desenvolvimento soberano e sustentável. Um processo que reclama o apuramento formal da origem da dívida, do tipo de credores atuais e a perspetiva da sua evolução; que considere a possibilidade de uma moratória libertando o país de um sufocante serviço da dívida; que envolva um serviço da dívida compatível com o crescimento e desenvolvimento económico; que envolva a salvaguarda da parte da dívida dos pequenos aforradores e daquela que está na posse da Segurança Social, do sector público administrativo e empresarial do Estado e dos setores cooperativo e mutualista; que envolva a intervenção junto de outros países que enfrentam problemas similares da dívida pública, designadamente no plano da União Europeia; que assegure uma efetiva diversificação das fontes de financiamento do país, a começar no plano interno pelo estímulo à aquisição de títulos do tesouro e certificados de aforro, sem esquecer os acordos bilaterais e multilaterais mutuamente vantajosos com outros países.

O País perdeu muito por, ao longo dos últimos quatro anos, não se ter tomado a iniciativa de renegociação da dívida, mas pode perder muito mais se se persistir na recusa de proceder a esta renegociação.

2.2. Promoção e valorização da produção nacional

Desindustrialização, agravamento dos principais défices externos – energético, agro-alimentar, científico e tecnológico -, controlo estrangeiro dos recursos nacionais, domínio privado dos sectores estratégicos e básicos – banca, energia, telecomunicações, indústrias, etc -, abandono da agricultura e concentração da grande propriedade agrícola, desvalorização do mercado interno e absolutização das exportações, desaproveitamento da força e das capacidades dos trabalhadores - mais de 1 milhão e 200 mil desempregados – eis o retracto de uma economia cada vez mais dependente e periférica.

A defesa da produção e do aparelho produtivo nacional, é uma necessidade incontornável e inadiável para responder aos problemas estruturais com que o país se defronta. Não há saída para os problemas do crescimento económico, do emprego, do ordenamento do território, do endividamento externo e mesmo das finanças públicas sem uma política que inverta de forma sustentada o rumo de destruição da base produtiva do país.

O agravamento da crise do capitalismo expôs mais claramente a fragilidade do tecido produtivo português. Os persistentes défices comerciais fazem-se sentir agora no brutal endividamento externo e nos constrangimentos impostos pela agiotagem em torno do serviço da dívida.

Não há solução para este problema sem atacar frontalmente a causa primordial de as importações de bens excederem sistematicamente as exportações. Não há solução sem aumentar a produção nacional. E não apenas para aumentar as exportações, como defende uma certa linha de pensamento ligada às ambições económicas de alguns grupos, que no fundo em vez de pôr as exportações a servirem o país gostariam de pôr o país a servir as suas exportações. Aumentar a produção também para reduzir as importações: em vez de, como sucedeu durante anos, as importações substituírem a produção nacional, tem que ser agora a produção nacional a substituir as importações.

Uma política dirigida para a defesa, promoção e valorização da produção nacional passa inevitavelmente por uma rutura com opções passadas que envolvam um programa de industrialização do país, o cabal aproveitamento dos recursos nacionais, a dinamização do investimento público voltado para os sectores produtivos, o necessário planeamento económico tal como previsto na CRP e que tenha como objetivo garantir a soberania e a segurança alimentar, o pleno emprego e o emprego com direitos, aposte prioritariamente na dinamização do mercado interno sem desguarnecer as exportações num quadro de alargamento e diversificação de relações externas.

2.3. Recuperação para o controlo público de setores e empresas estratégias

As privatizações impostas ao longo das últimas décadas constituíram um trágico e criminoso processo que está na origem de muitos dos problemas que hoje o país enfrenta. Em nome da chamada libertação da economia do papel do Estado, temos hoje, o controlo do país por via dos grupos económicos, muitos deles estrangeiros, e que alavancaram o seu poder também à conta das privatizações. Com as privatizações Portugal perdeu e perde soberania, instrumentos para a intervenção na vida económica do país, receitas provenientes dos lucros das empresas e dos impostos que muitas vezes deixaram de pagar, emprego, milhares de micro e pequenas empresas que foram arrastadas para a ruína, e, em alguns casos, as próprias empresas que foram privatizadas ou já não existem, como é o caso do BES, ou estão sobre profunda ameaça como a PT. Privatizações que tiveram nos últimos anos uma aceleração apadrinhada pelo acordo estabelecido com a troica e o PS, o PSD e o CDS.
Na verdade, este foi o governo que, na continuidade dos PEC dos governos do PS, acelerou em larga medida o processo de concentração monopolista que se tem vindo a verificar em Portugal. De todas as medidas já concretizadas e que terão uma inevitável projeção para o futuro destacou-se novamente “o ambicioso programa de privatizações” e que levou nos últimos três anos à entrega, sobretudo ao grande capital estrangeiro, da ANA ao grupo francês Vincy, da EDP e da REN à chinesa Three Gorges, dos Seguros da CGD aos chineses da Fosun, da CIMPOR aos brasileiros da Camargo Correa, da PT (com a alienação da Golden share), dos CTT aos americanos da Goldman Sachs e alemães do Deutch Bank, da EGF empresa de recolha de resíduos sólidos à Mota-Engil, dos ENVC à Martinfer. Pelo caminho ficou adiada a privatização da RTP, sendo que estão também na calha para privatizar empresas de transportes como o Metro de Lisboa, a CARRIS, os STCP, a CP Carga, a EMEF e a TAP.

Face a este cenário, o país precisa não só de parar com as privatizações, como de iniciar uma estratégia de recuperação do controlo público das empresas estratégicas para a economia nacional, a começar pela banca comercial, que abra caminho a uma outra perspetiva de desenvolvimento. Seja por nacionalizações ou outro tipo de medidas de intervenção do Estado, é urgente inverter o atual caminho, rompendo com o poder dos monopólios.

2.4. Valorização do trabalho e dos trabalhadores

Um dos eixos centrais para uma política alternativa, patriótica e de esquerda passa, inevitavelmente, pela valorização do trabalho e dos trabalhadores como condição fundamental para o desenvolvimento do país.

Portugal está, já há bastante tempo, confrontado com uma injusta e inaceitável distribuição da riqueza nacional‎ que se aprofundou com a troica e o seu pacto de agressão. Hoje, 50% da riqueza nacional está concentrada em apenas 5% da população.
Para por termo a este caminho urge romper ‎com o caminho de cortes e ataques aos direitos e salários de quem trabalha e adotar uma efetiva politica de valorização de quem constrói o país.
Política de valorização dos trabalhadores que passa, entre outras medidas, por promover a contratação coletiva, revogando a caducidade e repondo o princípio do tratamento mais favorável, passa por melhorar a legislação laboral dos trabalhadores do setor privado e do setor público, passa pelo combate ao trabalho precário, a promoção do pleno emprego, a reposição dos cortes salariais e dos feriados eliminados e passa pela redução do horário de trabalho de todos os trabalhadores para as 35 horas semanais.

O PCP considera que uma política que responda aos anseios e aspirações dos trabalhadores e que vise a projeção dos valores de abril no futuro de Portugal tem que passar pela melhoria das condições de vida e trabalho dos portugueses.

2.5. Defesa dos serviços públicos e das funções sociais do Estado

É evidente a opção política de sucessivos governos de desmantelamento dos serviços públicos, das funções sociais do Estado e da sua ação cultural. A estratégia deste governo é muito clara, desinvestir, descredibilizar para justificar a privatização.

De uma forma geral o desinvestimento (visível nos sucessivos cortes orçamentais) nas funções sociais do Estado, na sua ação cultural e nos serviços públicos tem sido a marca de vários governos nos últimos anos, fruto das imposições dos PEC e das troicas. Desinvestimento que se traduz no encerramento e redução de serviços e valências, na redução de trabalhadores, na retirada de direitos e desvalorização profissional e social dos trabalhadores, no aumento dos custos para as pessoas, na introdução de uma perspetiva assistencialista e caritativa em detrimento de um perspetiva solidária e universal e na entrega de mais serviços e valências para a gestão por entidades privadas.

Estas medidas não são casuais, antes inserem-se numa opção de reconfiguração do Estado, ao serviço dos interesses dos grupos económicos e financeiros. O objetivo é a mercantilização das funções sociais do Estado, da sua ação cultural e dos serviços públicos, tornando-as em negócios altamente lucrativos para os privados, em vez de assegurar os direitos consagrados constitucionalmente, de forma universal para todos os portugueses, sem discriminações em função das suas condições económicas e sociais.

Embora o governo insista em não reconhecer, esta opção política já provou que não serve os interesses do povo e do país. As populações e os trabalhadores rejeitam este caminho e clamam por um Governo que cumpra com as suas responsabilidades constitucionais.
É preciso pôr fim a este rumo e, também no que respeita aos serviços públicos e funções sociais do Estado e da sua ação cultural, adotar uma política patriótica e de esquerda que assuma o seu compromisso com os interesses do povo e do país, assente nos valores de Abril. É preciso uma política que defenda as funções sociais do Estado, garantindo o acesso de todos os portugueses aos direitos que a Constituição da República Portuguesa consagra e serviços públicos, de qualidade, eficientes e próximos das populações, respeitando e valorizando os trabalhadores.

É preciso uma política que assegure uma Segurança Social universal e solidária, que proteja os mais vulneráveis. Uma política que reforce e alargue as prestações sociais, em especial o abono de família, recuperando o seu carácter universal, o rendimento social de inserção e o complemento solidário para idosos. Uma política que assegure uma resposta pública de equipamentos sociais na área da infância, dos idosos, das vítimas de violência, entre outros.

É preciso uma política que defenda o Serviço Nacional de Saúde, que garanta cuidados de saúde gratuitos, de qualidade para todos. Uma política de saúde que ponha fim às taxas moderadoras, que atribua médico de família a todos os utentes, implemente o enfermeiro de família, com uma rede de cuidados de saúde primários de proximidade e uma rede hospitalar que responda às necessidades das populações e que adote medidas concretas de prevenção da doença e de promoção da saúde.

É preciso uma política que salvaguarde uma Escola Pública, gratuita e de qualidade para todos. Uma política de educação que garanta o acesso de todos os estudantes aos mais elevados níveis de ensino, numa efetiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolar, que combata desigualdades sociais e que contribua para a emancipação individual e coletiva. Uma política de educação que invista na qualificação da escola pública, incluindo nas orientações pedagógicas, que garanta a gratuitidade dos manuais escolares, que cria os gabinetes pedagógicos de integração escolar, com equipas pluridisciplinares, que ponha fim às propinas e que garanta uma verdadeira ação social escolar.

É preciso uma política cultural que garanta a criação e a fruição culturais, descentralizada e que contribua para a democratização do conhecimento e eleve a consciência individual e coletiva, através do reforço do investimento nas estruturas artísticas, respeitando a livre criação artística.

2.6. Uma nova política fiscal

Ao longo dos anos, sucessivos governos da política de direita foram impondo uma política fiscal de escandaloso favorecimento dos grupos económicos e financeiros, ao mesmo tempo que oneravam de forma brutal os rendimentos do trabalho.

Enquanto os grupos económicos beneficiam de múltiplos e generosos benefícios e isenções fiscais, assim como de diversos instrumentos de planeamento fiscal agressivo, que lhes permitem reduzir substancialmente o valor dos impostos que entregam ao Estado, a carga fiscal que incide sobre os rendimentos dos trabalhadores vai aumentando de ano para ano.

Também as micro, pequenas e médias empresas têm sido duramente castigadas por esta injusta política fiscal, designadamente por via da manutenção do pagamento especial por conta, do atraso na introdução e insuficiência do regime de IVA de caixa, da insistência em manter o IVA da restauração em 23%.

Sob a tese de impostos a mais, construíram-se as premissas para opor acriticamente a despesa pública à carga fiscal, premissas sob a capa das quais se tem fundado a política de destruição de direitos e de funções sociais do Estado. Não há, em Portugal, impostos a mais em abstrato, o que há é um peso fiscal insuportável e crescente sobre os rendimentos dos trabalhadores e uma desoneração escandalosa da tributação do grande capital, dos seus lucros e da especulação financeira.

A diminuição do IRC – de 25% para 21% em apenas dois anos –, associada ao significativo aumento do número de anos em que é possível fazer reporte de prejuízos e à criação de instrumentos de planeamento fiscal agressivo, permite que as grandes empresas reduzam substancialmente o valor dos impostos entregues ao Estado. Em 2014, a receita do IRC caiu 580 milhões de euros e nos dois primeiros meses de 2015 caiu, em termos homólogos, 10,9%.

A redução do peso do IRC na receita fiscal é uma evidência que não pode ser negada. Em 2000, o IRC representava 16% da receita fiscal; em 2014 já representava apenas 11%. No reverso da medalha, o IRS passou de 24% da receita fiscal em 2000 para 31% em 2014. A diminuição do IRC e o aumento do IRS levou a uma profunda alteração quantitativa do peso relativo destes dois impostos nas receitas fiscais do Estado. Em 2014 a receita de IRS foi quase o triplo da receita de IRC.

Em 2013, o Governo impôs um brutal aumento do IRS, imposto que incide sobre os rendimentos dos trabalhadores, levando a um aumento da receita deste imposto, em apenas uma ano, de cerca de 3.200 milhões de euros (+35,5%). Para 2015, o Governo pretende manter este esbulho dos trabalhadores, prevendo uma receita cerca de 4.100 milhões de euros superior à de 2012 (+45%). Em apenas 3 anos – 2013, 2014 e 2015 – a receita adicional em IRS será de mais de 11 mil milhões de euros. Ou seja, em apenas 3 anos o Governo cobrou aos trabalhadores o IRS de 4 anos.

Ao longo dos anos o PCP denunciou as injustiças e iniquidades fiscais impostas por governos do PS, PSD e CDS, propondo alternativas para uma tributação mais justa e mais adequada às necessidades de desenvolvimento económico e social do País que assegure o investimento e o financiamento das funções sociais do Estado, rompa com o favorecimento da banca e dos grupos económicos e alivie a carga fiscal sobre os trabalhadores e o povo, assim como sobre as micro e pequenas empresas.

O Projeto de Lei n.º 686/XII/4.ª do PCP, apresentado em novembro de 2014 e rejeitado pelo PSD e CDS com a abstenção do PS, demonstra que é possível desonerar fiscalmente os trabalhadores e as famílias, assim como as micro, pequenas e médias empresas, permitindo simultaneamente um aumento da receita fiscal anual em cerca de 3.800 milhões de euros, desde que se tribute de forma mais adequada o grande capital.

2.7 Uma política de investimento público

Ao fim de quase quatro anos de Governo PSD/CDS, o investimento público, a preços correntes, está a níveis inferiores aos de 1996. Nessa data, o investimento público representava 4,9% do PIB; hoje representa menos de metade.

O Governo optou por desresponsabilizar o Estado pela dinamização económica e social, reduzindo em 30% o investimento público desde 2011. Para 2020, a meta do Governo é de 18%! O valor mais baixo das últimas décadas. Um valor manifestamente insuficiente para o desenvolvimento e o progresso do país.

A brutal redução no investimento público, em particular nas funções sociais do Estado, conduziu à degradação da qualidade de vida dos portugueses e ainda ao declínio da produção nacional e ao aprofundamento das assimetrias regionais. Para inverter esta situação é imprescindível apostar no investimento público.

O investimento público é um elemento determinante para a resolução dos graves problemas nacionais mas também para a modernização do país, das suas estruturas sociais e económicas.
Uma política que assuma verdadeiramente o objetivo de recuperar a soberania nacional e desenvolver o país tem de assumir o investimento público como elemento central na resolução dos problemas do presente e na preparação do país para os desafios do futuro.

Pelo exposto, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:

Resolução

A Assembleia da República resolve:

a) Defender a renegociação da dívida pública, nos seus prazos, juros e montantes, com o objetivo de reduzir substancialmente o seu volume e os seus encargos anuais, compatibilizando o serviço da dívida com o desenvolvimento económico e social.
b) Recomendar ao Governo a realização das diligências necessárias, junto dos Estados-membros da União Europeia, para a convocação de uma Conferência Intergovernamental para debater o fim da chamada Governação Económica, assim como a revogação do Tratado Orçamental.
c) Defender a desvinculação de Portugal do Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (Tratado Orçamental) e dos mecanismos da chamada Governação Económica, no quadro da recuperação e afirmação da soberania nacional.
d) Assumir a necessidade de estudar e preparar o país para a sua libertação da submissão ao Euro.
e) Defender os setores produtivos e a produção nacional e a recuperação para o Estado de um papel determinante na eco¬nomia, pondo fim às privatizações e garantindo o controlo público dos setores básicos e estratégicos da eco¬nomia, designadamente da banca.
f) Defender a valorização do trabalho e dos traba¬lhadores, através de uma justa distribuição do rendimento, assente na valorização dos salários, no pleno emprego, na defesa do trabalho com direi¬tos e maiores reformas e pensões, no combate ao desemprego e à precariedade.
g) Defender os serviços públicos e as funções do Estado, em particular as suas funções sociais.
h) Defender uma nova e alternativa política fiscal, mais justa e mais adequada às necessidades de desenvolvimento económico e social do País, que assegure o investimento e o financiamento das funções sociais do Estado, rompa com o favorecimento da banca e dos grupos económicos e alivie a carga fiscal sobre os trabalhadores e o povo, assim como sobre as micro e pequenas empresas.

Assembleia da República, em 10 de abril de 2015

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Regime Democrático e Assuntos Constitucionais
  • Trabalhadores
  • União Europeia
  • Assembleia da República
  • Projectos de Resolução