Projecto de Resolução N.º 59/XIII/1.ª

Recomenda a promoção de medidas de defesa da produção leiteira nacional

Recomenda a promoção de medidas de defesa da produção leiteira nacional

O setor leiteiro em Portugal sofreu profundas alterações com a entrada do país na União Europeia. Essas alterações promoveram a modernização e o incremento da organização. No dizer de muitos, estas seriam as medidas necessárias para fazer face à concorrência europeia e à entrada num mercado aberto. A realidade veio mostrar que essa não era a verdade e que apesar das transformações operadas no setor, ocorreu uma redução drástica do número de explorações. Nos últimos 20 anos as explorações leiteiras em Portugal passaram de 70 000 para menos de 6000, uma redução de mais de 90%. Esta redução correspondeu a uma concentração da produção uma vez que se manteve o volume de produção. Este processo de concentração da produção corresponde também um processo de concentração da riqueza produzida pelo setor e que fica cada vez menos nas mãos de quem continua a produzir.

A produção leiteira, apesar destas alterações, continua a ter uma expressão significativa na região de Entre Douro e Minho e na Beira Litoral, já menos em Trás-os-Montes e muito grande nos Açores. Os números mais recentes indicam que no continente existem apenas cerca de 3600 produtores e 2600 nos Açores e, é sabido, todos os dias estão a desaparecer explorações.

Com a última Reforma da PAC e o fim das quotas leiteiras, que ocorreu a 31 de março deste ano, o futuro dos produtores de leite em Portugal e nas zonas ultraperiféricas, está posto em causa. O indício das dificuldades que se aproximavam começou a surgir quando os grandes países produtores, com melhores condições edafo-climáticas e maior capacidade de produção, com custos de produção inferiores e apoios públicos mais elevados, começaram a preparar-se para o fim das quotas, aumentando as suas produções e assim pressionando, em baixa, o preço do leite.

Este processo de preparação para o fim das quotas, executado através de um mecanismo de aumento de quota anual – a aterragem suave - teve como consequência o aumento de produção em países do centro e do norte da Europa (bem para lá da quota) o que tem vindo a fazer baixar o preço desde meados do ano passado. Por essa altura ocorreu uma descida do preço do leite pago à produção, na ordem dos 4,5 cêntimos/kg. Já no passado mês de janeiro o problema voltou a ser colocado com a redução de 3 cêntimos/kg. Em agosto o preço base pago à produção situava-se abaixo dos 27 cêntimos. Os produtores dizem que 40 cêntimos/kg é o limite mínimo de viabilidade das explorações.

Desde abril de 2010 que o preço em Portugal permanece abaixo da média europeia. Os baixos preços à produção conduzem a um agravamento do rendimento dos agricultores, que afeta principalmente os pequenos e médios produtores, e através desse efeito promovem o seu desaparecimento. No país existe já um conjunto de produtores de leite muito endividados, muitos deles ainda a pagar as quotas que compraram e que agora deixam de ter valor, mas também os investimentos para garantir a higiene, a segurança alimentar e a sanidade animal. É por causa desta dívida e do serviço da mesma, que muitos deles não desistem da atividade.

Nem as estruturas europeias esconderam a implicações do fim das quotas para Portugal. Os relatórios apresentados assumiam que: “A liberalização deste sector potenciará, em determinados países, risco de fortes aumentos de produção, eventuais excedentes da oferta e consequente quebra de preços. Em países/regiões com elevados custos de produção provocará uma perda de competitividade e consequente baixa de produção, tornando particularmente vulneráveis algumas regiões onde o sector leiteiro tem significado na economia local e na manutenção de emprego”. Referia-se ainda que “A estrutura produtiva do sector do leite nacional e os custos de produção relativamente elevados potenciam uma forte vulnerabilidade a situações de excesso de produção e consequente baixa de preços do mercado da UE que poderão pôr em risco a rentabilidade e viabilidade das empresas nacionais do sector”.

O PCP sempre defendeu a existência de mecanismos de regulação que salvaguardasse o direito do país a produzir. Como o sistema de quotas foi associado ao histórico, o país nunca conseguiu alargar a sua produção e nesse quadro o PCP sempre defendeu a atribuição de uma quota maior a Portugal, que tivesse em conta as necessidades, potencialidades e perspetivas de desenvolvimento do setor e do país e que garantisse um nível de capitação que não estivesse muito abaixo do de outros países.

A tendência é para o agravamento da situação, não só porque há países, como a Letónia ou a Lituânia, onde já foi vendido leite a 18 e 20 cêntimos/kg, mas também com a entrada no mercado de outros interesses. Na área da transformação, a Jerónimo Martins Agroalimentar já adquiriu a Serraleite, o que levará não só à concentração da produção, como à transformação de leites vindos de fora do país. A história tem demonstrado que os milhares de euros investidos na indústria, fortemente apoiados por dinheiro público, raramente se têm traduzido em aumentos de preços ao produtor. Ou seja, os ganhos de eficiência que os fundos públicos aí aplicados têm trazido não se traduzem na melhoria das condições de vida dos pequenos e médios produtores de leite.

Outra vertente do problema assenta no domínio do mercado interno pelas grandes cadeias da distribuição que, com as respectivas marcas brancas e com grandes importações de leite e lacticínios, constituem, por si só, um problema na imposição de baixos preços e na falta de escoamento da produção nacional.

O que sucede com o setor leiteiro é um bom exemplo de que não basta um sector estar organizado e modernizado para ultrapassar os seus problemas. Questionado sobre soluções para o problema, o anterior governo PSD/CDS, respondia, dogmaticamente, que a solução passava por “aprofundar a organização e a concentração da produção de forma a obter ganhos de escala”, não explicando como é que, sendo este o setor mais organizado do país e dos mais organizados da Europa e onde a concentração da produção foi efetiva, não se têm resolvido os problemas.

Outra solução do anterior governo apontava para uma evolução “numa perspetiva de racionalização de custos de produção, maior eficácia na utilização de recurso, e de reforço competitivo”. O problema desta solução é que esquece a falta de capacidade competitiva do setor em Portugal comparativamente com outros países, onde por exemplo os preços dos fatores de produção não se aproximam dos valores atingidos em Portugal. Este discurso servia para esconder que o governo não estava disponível para mexer no essencial, como por exemplo, para impor à comercialização margens de lucro menores que permitissem partilhar com a produção as dificuldades. Os contratos obrigatórios não passam de uma panaceia, em que, por ausência de entidades públicas que defendam soluções justas, vai prevalecer a lei do mais forte - o comprador.

Segundo a FENALAC, em agosto e desde o início do ano, já tinham encerrado 250 explorações. A situação levou a que os produtores manifestassem a sua insatisfação com a situação, como aconteceu no mês de junho em Aveiro e no de julho na Póvoa do Varzim. Mas também pela Europa fora as manifestações têm acontecido, como em França, na Bélgica, na Galiza e em Inglaterra no decurso dos meses de julho e agosto. No mês de setembro acabou por acontecer uma grandiosa manifestação em Bruxelas com mais de 6000 agricultores e mais de 2000 tratores agrícolas.

Foram entretanto anunciadas algumas medidas avulsas para o setor, em paralelo com o rateio dos 4,8 Milhões de euros do pacote extraordinário da UE, objectivamente curto para os problemas existentes, mas a realidade é que só em 2015 o número de explorações leiteiras em Portugal terão tido uma redução de 8%.

Entretanto, algumas estruturas estão a estabelecer limitações à entrega de leite, renegociando contratos e reduzindo em alguns casos os valores anteriormente acordados o que estabelece duplos prejuízos para o leite produzido acima desses quantitativos.

Neste contexto é fundamental manter em Portugal um setor leiteiro que, apesar das alterações mantém relevância e contribui para a autossuficiência do país em leite. Permitir a sua destruição é reduzir produção e emprego e promover as importações desnecessárias.

Nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Resolução:

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:

1. Atribua uma ajuda extraordinária no âmbito das ajudas “de minimis” das regras Europeias, esgotando o plafond da ajuda.
2. Desenvolva esforços para que as cantinas e refeitórios públicos dêem o seu contributo para o escoamento da produção nacional;
3. Desenvolva esforços junto das instituições europeias para a manutenção de um quadro de regulação da produção e do mercado no plano europeu que dê resposta aos problemas do sector leiteiro, propondo medidas de defesa dos produtores nacionais, designadamente a garantia de preço justo à produção e de proteção do mercado nacional face à entrada de leite estrangeiro;
4. Defenda no quadro do Conselho Europeu a elevação dos preços de intervenção, para garantir uma mais célere atuação das autoridades Europeias.
5. Assuma a regulamentação efetiva e a fiscalização da atividade especulativa das cadeias de distribuição alimentar, impondo limites ao uso das marcas brancas, bem como estabelecendo "quotas" de vendas da produção agroalimentar nacional;
6. Encontre os mecanismos, designadamente pela intervenção das estruturas do Ministério da Agricultura, para garantir que os preços a estabelecer nos "contratos" tenham de ter em conta os valores locais dos fatores de produção;
7. Defina medidas de médio e longo prazo nos instrumentos de apoio e financiamento da atividade agrícola, nomeadamente nos Regulamentos de aplicação dos fundos comunitários;
8. Defina medidas de intervenção imediata para fazer face às dificuldades prementes que levam ao encerramento de explorações a cada dia que passa.

Assembleia da República, em 23 de dezembro de 2015

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