Projecto de Resolução N.º 1575/XII/4.ª

Recomenda ao Governo a realização de concursos de apoio à produção literária e apoio às artes e a publicação dos resultados dos últimos concursos

Recomenda ao Governo a realização de concursos de apoio à produção literária e apoio às artes e a publicação dos resultados dos últimos concursos

É consagrada na Constituição da República Portuguesa, no n.º 3 do artigo 73.º, a responsabilidade do Estado para a promoção da “democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural (…)”. A criação artística livre é a primeira condição para a livre fruição cultural e artística, sendo assim imprescindível que o Estado promova a realização dos vários concursos de apoios às artes, da DGArtes e de apoio à produção literária da Direção Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB).
Todavia, não é este o entendimento do atual Governo PSD/CDS, seguindo a política do anterior Governo PS, procedendo a cortes crescentes no apoio às artes, sendo que o apoio direto às artes em Portugal perdeu cerca de 75% do total do valor quando comparado com 2009. Mesmo contabilizando a fatia do financiamento que o Governo afetou aos apoios tripartidos, o total fica-se pela metade do financiamento disponível para o apoio às artes em 2009. Comparativamente ao ano 2014, em 2015 os apoios diretos às artes viram uma redução de um milhão de euros.
Essa política de censura pela via financeira traduz-se numa evidente censura política, na medida em que aplica à cultura e às artes uma triagem ideológica, deixando aos grupos económicos e às entidades privadas a capacidade de escolher todos os conteúdos culturais disponibilizados às populações. A supressão da criação artística livre, nas várias disciplinas, desde a literatura à dança, passando pelo teatro, implica o fortalecimento da hegemonia cultural como simples reflexo da hegemonia económica e ideológica. O Estado retira-se no panorama da política cultural, à margem da Constituição da República Portuguesa, deixando que toda política cultural, a decisão do que é distribuído e difundido, fique na esfera decisória dos grupos económicos do setor, bem como nos grupos económicos monopolistas da distribuição, como é o caso da literatura e do cinema.
O facto de os resultados dos concursos abertos em janeiro de 2015 só terem sido publicados em finais de maio é inadmissível e torna insustentável a sobrevivência dessas estruturas e companhias. Estas têm responsabilidades assumidas que têm de dar resposta, nomeadamente a nível de pagamentos à segurança social, aos seus trabalhadores tal como têm programas a desenvolver. Tem responsabilidades sociais, laborais e fiscais, e não se admite que as mesmas se endividem para poderem continuar o seu trabalho de criação artística.
A existência de um apoio às artes, dinamizado através de concursos pela DGArtes e pela DGLAB constituem a salvaguarda da arte livre e independente em Portugal. A simples existência desses concursos, todavia, não assegura a plenitude dos direitos constitucionais, na medida em que na ausência de critérios transparentes e do financiamento adequado, nenhum resultado é inteiramente justo. Neste momento, nenhuma das duas condições está assegurada. Nem o critério se mostrou totalmente justo nos últimos concursos, dada a incapacidade de os júris aplicarem sem constrangimento os mesmos critérios a diferentes candidaturas; nem o financiamento se mostrou minimamente suficiente para manter o nível de produção artística das estruturas de criação artística e ainda menos suficiente para assegurar o respeito pelos profissionais, técnicos ou artistas, e pelos seus direitos laborais. A precariedade e a exploração no setor agravam-se também como consequência desta política, que se junta à política de constante ataque ao valor do trabalho e aos direitos dos trabalhadores em geral.
Para corrigir os problemas gritantes introduzidos pela política de direita e de abdicação do interesse nacional do Governo PSD/CDS, urge tomar medidas que possibilitem o financiamento adequado ao apoio às artes. Isso implica toda uma nova política cultural, o que por sua vez é incompatível com a política de direita que entende a cultura apenas como uma mercadoria e um instrumento de domínio ideológico. Esse será certamente o resultado da luta dos portugueses contra a política de submissão vertida nos memorandos de entendimento com as instituições estrangeiras e nas cartas de intenções do Governo Português. Todavia, a Assembleia da República tem a possibilidade de corrigir, no âmbito do apoio às artes, parte importante dos efeitos da política do Governo e isso mesmo propõe o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português através do presente Projeto de Resolução.
Deste modo, consideramos que, ainda este ano, devem ser abertos os concursos da DGLAB de apoio à produção literária - que não se realizam desde 2009. Acrescente-se que para 2016, os mesmos devem contar com toda uma nova orientação política acompanhada de um novo orçamento.
Entendemos que tendo em conta os resultados dos apoios diretos às artes que saíram no final último mês e tendo em conta as despesas já efetuadas pelas estruturas de criação artísticas e pelas companhias para a sua manutenção, consideramos que as mesmas devem ser ressarcidas por essas despesas, particularmente porque algumas estruturas poderão ter recorrido a empréstimos bancários ou contraído dívidas com encargos.
É fundamental que o Estado não se retire do seu papel e que não deixe de cumprir as suas funções culturais, como vem sucedendo cada vez com maior intensidade, quer na programação cultural própria, quer na política para os órgãos de comunicação social, quer no apoio às artes através da DGArtes e da produção literária, através da DGLAB.
O Grupo Parlamentar do PCP não tem dúvidas de que a livre criação e fruição culturais vencerão sempre os grilhões e que a criatividade individual e coletiva se sobreporá às limitações orçamentais e políticas. A cultura e as artes alternativas ou independentes surgirão sempre como expressões sociais e intelectuais da humanidade e nenhuma política poderá apagá-las. Todavia, não pode ser aceite um tamanho retrocesso na política cultural do nosso país. É a própria Constituição da República Portuguesa, conquista de Abril, que consagra o direito à livre produção e fruição, tal como o dever do Estado perante o apoio à criação e é nesse sentido que defendemos as conquistas, sabendo que os artistas, autores, atores, intérpretes, técnicos, realizadores, dramaturgos, argumentistas, pintores, escultores, rejeitarão o retrocesso civilizacional que significam estas políticas e resistir-lhe-ão.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Resolução:

A Assembleia da República recomenda ao Governo, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República que:

1 – Se proceda ao ressarcimento pelas despesas realizadas pelas estruturas artísticas – nomeadamente juros - candidatas aos concursos de apoios diretos às artes, para a sua manutenção até à publicação do resultado dos concursos, ou à perceção do financiamento pelas estruturas.
2 - Seja promovido um concurso extraordinário de apoio direto às artes a que se possam candidatar todas as estruturas que não tenham obtido apoio no concurso de janeiro 2015.
3 – Sejam promovidos concursos de apoio à produção literária da DGLAB até ao final do ano 2015.
4 – Que seja previsto no próximo Orçamento Geral do Estado, as verbas necessárias para a realização em 2016 de todos os concursos de apoio às artes da DGartes e de apoio à produção literária da DGLAB.

Assembleia da República, em 3 de julho de 2015

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