Projecto de Resolução N.º 478/XIII-2ª

Recomenda ao Governo a promoção de medidas que salvaguardem a produção leiteira nacional

Recomenda ao Governo a promoção de medidas que salvaguardem a produção leiteira nacional

A produção leiteira em Portugal, que já existiu em praticamente todo o país, mantem grande importância no Entre Douro e Minho, na Beira Litoral e nos Açores, apesar de em pouco mais de 20 anos o número de explorações se ter reduzido em 90%. Este é um setor que respondeu aos apelos de modernização e organização lançados a partir da União Europeia e dos seus defensores como forma de sobrevivência. Como o PCP sempre avisou não há modernização nem organização que resistam a políticas, como é o caso da Política Agrícola Comum que não respeite a soberania nacional e o direito dos países a produzir e que promova um acesso desigual aos apoios à produção.

Apesar da redução no número de explorações, Portugal continuou a ser autossuficiente em lei cru (não em produtos lácteos) até à extinção das quotas leiteiras. Este processo, ocorrido a 31 de março de 2016 mas preparado antes através da chamada aterragem suave, serviu para que alguns países do centro e norte da Europa se fossem preparando através do aumento de produção para aniquilar o setor em países como Portugal para a seguir dominarem o mercado. O efeito desse aumento de produção veio pressionar os preços pagos aos produtores em Portugal. O produtor vende hoje o leite a 27 cêntimos por quilograma quando o custo de produção se situa acima dos 31 cêntimos. Os produtores estão a perder dinheiro para trabalhar e a perspetiva de intervenção da União Europeia é de reduzir produção. Cada litro de leite que Portugal deixar de produzir é mais um litro de leite estrangeiro que entra no nosso país. A viabilidade das explorações está comprometida e os apoios anunciados não são suficientes para colmatar este défice.

A grandeza do problema e a importância que tem para o país a manutenção do setor leiteiro exigem medidas de caracter estrutural, que teriam de passar necessariamente por uma outra política agrícola, mas que de imediato podem revestir um caracter de justiça no pagamento à produção.

Muitos utilizam como argumento para a inação em determinados sentidos, a integração do nosso país num mercado único e aberto em que as leis de mercado prevalecem sobre tudo, incluindo sobre o interesse nacional. Na prática, muitos, até dos que defendem o mercado aberto, são hoje vítimas desta ideologia, num mercado aberto que fundamentalmente serve para que entre leite em Portugal para concorrer com a produção nacional.

A ideia de que as regras da União Europeia precisam de ser alteradas para que a produção nacional possa ser salvaguarda, não sendo assumida frontalmente, não deixa de se ir colocando. As evidências a isso obrigam, como aliás o PCP tem defendido. Hoje, partidos que até há pouco tempo tiveram responsabilidades governativas e se recusaram questionar as regas da união, propõe que num sistema de mercado aberto se rotule as embalagens com a indicação do país de origem do leite. Chegam notícias que também a União Europeia adequa as suas regras para abrir a possibilidade de poderem ser rotuladas as embalagens de leite com indicação do país de origem. Por isso, as evidências começam a sobrepor-se à intransigência de aplicação de regras contrárias ao interesse e soberania de Portugal e de outros países.

Um dos grandes entraves à viabilidade das explorações leiteiras está na atuação da grande distribuição que utiliza o leite como chamariz de cliente para a venda de outros produtos e nesse processo recorre, quando é preciso, à importação de leite para condicionar e baixar os preços em Portugal. A realidade tem demonstrado que a grande distribuição pode até fazer profissões de fé pelo respeito pela produção nacional, mas na prática não altera o seu comportamento. Basta recordar as campanhas de promoção de leite realizadas após as reuniões do gabinete de crise onde eram assumidos compromissos da natureza dos descritos. Nesta matéria, apelar à boa vontade e ao bom senso não é suficiente. Num estado de direito as regras podem e dever estar fixadas por instrumentos legais. Como em qualquer atividade económica ou comercial, o espaço de atuação das grandes superfícies deve estar delimitado por regras que salvaguardem os setores produtivos e a economia do país. O direito à acumulação de lucros não se pode sobrepor à necessidade de um país manter os seus setores produtivos, que, no caso do leite, irremediavelmente se perderá se não for protegido de apetites vorazes e respeitado e valorizado em função da sua importância e da qualidade da sua produção.

Neste contexto faz todo o sentido definir regras que impeçam a transação do produto leite abaixo do preço de custo. Até porque regras da União Europeia impedem a transação comercial de produtos abaixo do custo – ao que se chama dumping. Por isso também não faz sentido que a cadeia de valor se inicie com a introdução no mercado de leite adquirido por um preço abaixo dos custos de produção. Para ultrapassar esta dificuldade é necessário criar os instrumentos, públicos, de monitorização dos custos de produção, para posteriormente sancionar quem efetuar ou impuser transações do produto abaixo dos custos de produção.

Em Portugal, hoje, há uma aparente unanimidade em torno da reposição de um sistema de regulação da produção que cumpra as funções que desempenhava o sistema de quotas. Segundo tem afirmado o ministro da agricultura também em Bruxelas o número de países que defendem uma solução desta natureza, não sendo ainda maioritário, tem vindo a aumentar. É por isso fundamental que alguém possa dar o passo para abrir junto das instâncias da União Europeia um processo tendente à análise destas posições e à reposição de um sistema de regulação da produção.

É neste sentido e na absoluta certeza de que é imperioso salvaguardar e incentivar a produção nacional, que o PCP apresenta um conjunto de seis medidas que não só permitirão intervir onde o problema se coloca de forma estrutural, como vêm ao encontro daquilo de são as reivindicações de muitos produtores e das entidades que os representam.

Nestes termos, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte
Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:

1. Estabeleça o enquadramento legislativo que lhe permite definir regras que obriguem a grande distribuição a utilizar nas suas vendas preferencialmente o leite produzido em Portugal;

2. Desenvolva as medidas necessárias para obrigar à inclusão da origem do leite na rotulagem das embalagens;

3. Regulamente o volume máximo de leite, comercializado num mês com marcas do distribuidor, ditas marcas brancas, como uma percentagem, nunca superior a 25%, do volume total de leite vendido no mesmo período;

4. Estabeleça em articulação com o Observatório dos Mercados Agrícolas e Importações Agroalimentares os mecanismos que permitam a monitorização dos custos de produção no setor do leite;

5. Crie mecanismos de sanção para as transações de leite que ocorram abaixo do valor que a cada momento se verifique nos custos de produção;

6. Tome as medidas para despoletar junto das instâncias da União Europeia o processo tendente à reposição de um regime de regulação da produção em cumprimento de Resoluções da Assembleia da República já aprovadas nesse sentido.

Assembleia da República, 23 de setembro de 2016

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