Projecto de Resolução N.º 826/XIII/2.ª

Recomenda ao Governo a elaboração de um Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais

A intensificação dos ritmos do trabalho e a sua cada vez maior precarização está forte e intrinsecamente ligada a doenças profissionais e a acidentes de trabalho. Além de estar provado que a produtividade dos trabalhadores aumenta com a estabilidade no emprego, com empregos de qualidade, com a observância dos seus direitos fundamentais dos trabalhadores, e não com a desregulação, com o trabalho precário, com o trabalho sem direitos, não é admissível que se sacrifique o bem-estar, a saúde e mesmo a vida dos trabalhadores a bem do aumento da exploração e da acumulação de lucro.

As várias alterações ao Código do Trabalho, pelas mãos de sucessivos governos, introduziram mecanismos de maior desregulamentação dos tempos e horários de trabalho, colocando em risco a saúde dos trabalhadores e pondo em causa o direito fundamental ao repouso, ao descanso e à articulação da vida pessoal e familiar com a vida profissional.

À realidade de baixos salários e precariedade, junta-se a fragilidade da protecção social (como em situações de baixa médica, doença profissional ou sinistro laboral), que ganham particular relevância quando procuramos enquadrar as diferentes dimensões sociológicas que envolvem a sinistralidade e a sua reparação.

“A precariedade dos vínculos laborais, a atipicidade e a organização mais flexível do trabalho apresentam, como temos procurado avançar, uma correlação negativa com a saúde no trabalho, o que se justifica tanto pelos sentimentos generalizados de insatisfação, pelo menor envolvimento dos trabalhadores na definição nos processos internos e portanto pela diminuição dos comportamentos de segurança: “os trabalhadores temporários, sejam eles contratados a prazo, ou através de agências de emprego temporário, referem sentir-se mais expostos aos factores de risco que os trabalhadores permanentes” (Sousa et al, 2005: 39).

Não será por acaso que a probabilidade de vitimação laboral sobe quando o tempo de trabalho numa organização é inferior a dois anos. Estudos realizados têm demonstrado que uma parte significativa dos acidentes acontecem com trabalhadores recém-admitidos, temporários, subcontratados ou a tempo parcial, sendo que a experiência da situação concreta de trabalho é também fator importante para evitar acidentes de trabalho – uma aquisição cada vez mais incompatível se tivermos em conta as inúmeras situações de constante rotatividade de trabalhadores.

Importa refletir, no âmbito das doenças profissionais e da sinistralidade laboral em alguns pontos demonstrados por vários documentos e comprovados pela realidade laboral:

• As lesões músculo esqueléticas são a principal doença profissional, afetando milhares e milhares de trabalhadores;
• Centenas de milhares de pessoas sofrem de problemas de saúde, não acidentais, causados ou agravados pela sua atividade profissional, sendo, na maioria, problemas são do foro músculo-esquelético (hérnias, tendinites, dores lombares), desenvolvidos por posturas, movimentos repetitivos ou manuseamento de pesos, que tanto afetam operários como informáticos, jornalistas ou técnicos de saúde, contando-se também situações de stress, depressão e ansiedade;
• Em 2017 ocorreram já 20 acidentes mortais no trabalho, sendo que 8 são no sector da construção civil e nas indústrias transformadoras.

Relativamente às doenças profissionais, há muitas que apesar de não estarem como tal devidamente classificadas, na realidade são-no verdadeiramente. Há muitas doenças que não dão origem a baixa por doença, como as do foro psíquico - são, sobretudo, as que se identificam no stress, na depressão e na angústia - constituindo uma tremenda injustiça que os trabalhadores, vítimas das péssimas condições de trabalho, de brutais ritmos que lhes são impostos, de discriminações no trabalho, de terrorismo psicológico, se vejam classificados como absentistas.

Os acidentes de trabalho e as doenças profissionais não são uma inevitabilidade. A garantia de emprego com direitos e de condições de trabalho adequadas, o combate à desregulação dos horários de trabalho e a adoção de medidas concretas de prevenção e combate às doenças profissionais e aos acidentes de trabalho são condições fundamentais para se fazer um caminho que erradique estas situações.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:

1. Proceda ao levantamento da incidência das doenças profissionais em Portugal, por sector de atividade;
2. Publique, anualmente, a incidência das doenças profissionais desagregadas por tipo de doença e por sector de actividade;
3. Elabore, anualmente, um relatório da consequência da incidência de doenças profissionais, nomeadamente:

• No número de baixas por doença;
• Na incapacidade para o trabalho;
• Na reforma por invalidez.

4. Proceda, através da Autoridade para as Condições no Trabalho (ACT) e do Centro Nacional de Protecção Contra os Riscos Profissionais à criação de um Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais que preveja, designadamente:

• À monitorização da incidência das doenças profissionais;
• A realização de campanhas de informação e sensibilização para a utilização de meios de produção ergonómicos;
• O reforço da fiscalização da ACT;
• O apoio em matéria de higiene, segurança e saúde aos trabalhadores;
• A redução da intensidade dos ritmos e tempos de trabalho, sem redução salarial.

Assembleia da República, 27 de abril de 2017

  • Saúde
  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Projectos de Resolução