Projecto de Resolução N.º 1085/XIII/3.ª

Recomenda ao Governo a adoção de medidas que garantam o cumprimento efetivo dos horários de trabalho e a conciliação do trabalho com a vida familiar

Recomenda ao Governo a adoção de medidas que garantam o cumprimento efetivo dos horários de trabalho e a conciliação do trabalho com a vida familiar

Os avanços científicos e tecnológicos que a humanidade tem conhecido não têm tido tradução direta na melhoria das condições de vida de milhões de seres humanos por todo o mundo.

A evolução significativa da ciência e a tecnologia, as surpreendentes descobertas científicas e tecnológicas das últimas décadas não têm estado ao serviço de uma mais justa distribuição da riqueza, da redução dos horários de trabalho e da melhoria das condições de vida. Na verdade, os avanços científicos e tecnológicos têm servido a acumulação de riqueza por uma minoria extraída diretamente das condições de agravamento da exploração, através de formas mais ou menos novas de criar mecanismos de pressão e controlo sobre os tempos de trabalho.

O capital nunca aceitou o avanço civilizacional da conquista das 8 horas de trabalho e fixação do horário de trabalho, e criou instrumentos ardilosos para afastar a lei: transformou todo o período normal de trabalho em tempo de trabalho efetivo; eliminou pausas; impôs diversas “flexibilizações” e aumentou a intensidade e os ritmos de trabalho.

Hoje, o horário de trabalho, a sua fixação e cumprimento, o respeito pelos tempos de descanso, as respetivas condições de pagamento e de compensação, e a articulação com a vida familiar, pessoal e profissional assumem uma enorme atualidade.

Sob o pretexto da dita competitividade, sucessivas alterações à legislação laboral resultaram sempre em degradação dos direitos dos trabalhadores, corporizando novos conceitos que apenas recuperam velhas ideias de desumanização do trabalho, tais como adaptabilidades ou bancos de horas. A eliminação de obrigações de informação à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) relativas a mapas de horários e o ataque à contratação coletiva resultou numa profunda degradação das condições de trabalho e de fiscalização ao cumprimento dos horários.

A discussão em torno da dita “desconexão” dos trabalhadores através de contacto eletrónico com a entidade patronal surge, sobretudo, no contexto de utilização de tecnologias de comunicação à distância cujos instrumentos são fornecidos, em regra, pela entidade patronal; bem como nas situações de prestação da atividade à distância, onde a tecnologia de comunicação constitui o elemento mediador (seja telefone, email ou outra plataforma informática).

É neste contexto que surge a discussão sobre se o trabalhador, utilizando os meios de comunicação fornecidos pela entidade patronal, é obrigado ou não, a permanecer contactável e a estabelecer comunicação para além dos limites normais e legais da prestação de trabalho.

A fixação dos horários de trabalho promovendo a conciliação da vida profissional, pessoal e familiar é um princípio consagrado na Constituição. Os tempos de trabalho, os períodos de descanso, o trabalho suplementar e a isenção do horário de trabalho, quanto à sua previsão e definição, estão tipificados na legislação laboral. Pelo que parece claro e incontestável que, à luz dessa fixação, durante os períodos de descanso os trabalhadores não estão obrigados a receber ordens da sua entidade patronal e a executar normalmente o seu trabalho.

A matéria em torno da “desconexão” do trabalhador parece surgir num contexto em que, nas mais diversas profissões as entidades patronais fornecem os mais diversos instrumentos de comunicação eletrónica à distância (telemóvel, tablet, computador). E sendo verdade que existem atividades que obrigam a permanência de contacto em caso de urgência (cuidados de saúde, serviços informáticos, piquetes de serviços universais, bombeiros, socorristas, entre outras) dada a natureza contingente dessas profissões, a verdade é que, na generalidade dos casos, esta questão não se coloca, precisamente porque a legislação em vigor estabelece com grande precisão os limites dentro dos quais o trabalhador está obrigado a permanecer contactável pela entidade patronal e, nomeadamente, ao seu serviço, tais como:

• Limite diário e semanal à duração do período normal de trabalho;
• Obrigação da entidade patronal de estabelecer a fixação de um horário de trabalho;
• Limites relativos ao trabalho suplementar;
• Limites relativos à organização do horário de trabalho;
• Limites relativos à mobilidade geográfica e à determinação do local de trabalho;
• Limites relativos à retribuição do trabalho prestado;
• Limites relativos ao direito ao descanso, durante o tempo de trabalho e entre jornadas de trabalho consecutivas;
• Direito à conciliação da vida familiar, pessoal e profissional.

Ora, estes limites determinam que fora dos limites legais e convencionais estabelecidos para a vigência do contrato individual de trabalho, não possui a entidade patronal qualquer poder sobre o trabalhador. Este princípio existe de forma inequívoca na legislação nacional, não necessitando de qualquer esclarecimento, uma vez que, fora do contrato de trabalho, o trabalhador está totalmente livre de qualquer ónus ou obrigação laboral. No entanto, a confirmar-se de facto, a necessidade do contacto superveniente e intervenção urgente e de permanência em estado de prevenção nalgumas atividades, deve ser em sede de contratação coletiva que se responde a essa necessidade.

Nos dias de hoje, surge como determinante o combate à desregulação do horário de trabalho, o respeito pelos seus limites diários e semanais, a garantia de dois dias de descanso semanal e a revogação dos bancos de horas, adaptabilidades, horários concentrados e do prolongamento da jornada diária com o abuso do trabalho extraordinário. É inadiável colocar os avanços científicos e tecnológicos ao serviço do crescimento e desenvolvimento do país, da redução do horário e da penosidade do trabalho, colocando a ciência e a tecnologia ao serviço não dos lucros de uma minoria, mas das condições de vida da maioria e assim transformar conquistas tecnológicas em conquistas sociais.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b)) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:

Resolução
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que adote medidas com os seguintes objetivos:

1. Reposição da obrigatoriedade de entrega por parte das entidades patronais à ACT, em cada ano civil, dos mapas de horários de trabalho que estejam em vigor nos locais de trabalho que estão sob a sua direção;
2. Reforço efetivo dos meios de fiscalização da ACT, nomeadamente, dos meios e mecanismos de fiscalização da aplicação dos direitos ligados à organização do tempo de trabalho;

3. Reforço da contratação coletiva, através da adoção das normas e mecanismos que promovam uma negociação coletiva eficiente capaz de proteger os direitos dos trabalhadores nas situações especiais e, ao mesmo tempo, responder às necessidades específicas relativas a determinadas atividades;

4. Garantia de que a regulação de situações especiais que obriguem à manutenção, por parte dos trabalhadores, de estados de prevenção ou de estados em que estão contactáveis, seja feita no respeito pelos limites aplicáveis à duração do período normal de trabalho, à retribuição do trabalho suplementar, à retribuição do trabalho noturno e por turnos e da isenção de horário;

5. Garantia de que a organização do tempo de trabalho em resposta às situações referidas no ponto anterior, seja regulada no respeito pelos tempos de descanso, pelos intervalos de descanso e pelo direito a férias, bem como, garantindo os respetivos descansos compensatórios aplicáveis;

6. Garantia de que a organização do tempo de trabalho prevista nos números anteriores seja realizada no respeito pelo direito à conciliação do trabalho com a vida privada, no direito à realização pessoal e social, reforçando os meios oficiais disponíveis para a fiscalização destas situações.

Assembleia da Republica, 13 de outubro de 2017

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