&quot;Zangam-se as comadres, escondem-se as verdades&quot;<br />Artigo de Bernardino Soares na &quot;Capital&quot;

As comemorações do 25 de Abril ficaram sem dúvida negativamente marcadas pela aprovação de duas leis do 24 de Abril. Primeiro e nefasto capítulo da chamada “reforma do sistema político”, as duas leis são do 24 de Abril por duas razões: por terem sido aprovadas nesse dia, com a provocatória intenção de as associar ao aniversário da Revolução; e por constituírem graves retrocessos democráticos, que não respeitam os valores de Abril e da sua Constituição.Para muitos terá ficado apenas na memória a zanga entre Barroso e Ferro, as acusações mútuas de falta de palavra, de rompimento de acordos à última hora ou de revelação pública de telefonemas privados.Mas na verdade o que aconteceu é que as alterações aprovadas, à lei dos partidos e à lei do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, resultam do acordo entre PS e PSD. Apesar dos arrufos de última hora, PS e PSD, trazendo pela mão o CDS, estiveram sempre concubinados para produzir estas alterações. A despeitada gritaria mediática a que ambos se entregaram, exibindo honras ofendidas e confianças quebradas, resume-se à discordância em apenas um aspecto. É que, estando ambos dispostos a aumentar substancialmente as subvenções do Estado aos partidos, de que são os principais beneficiários, enquanto os salários as reformas e as condições de vida dos portugueses atravessam muitas dificuldades, divergiram quanto ao momento do aumento. O PSD, apercebendo-se da impopularidade da medida e de que, estando no Governo, pagaria a principal factura política, e resolveu adiar o aumento para 2005, na esperança de que a sua aplicação seja iniciada mais discretamente do que agora seria. O PS, ao contrário, queria o dinheiro já e foi essa a razão que o levou a votar contra a lei de ambos.Deixando para outras núpcias as restantes alterações ao regime de financiamento, importa olhar para as mudanças na lei dos partidos, que, injustamente, acabou por ser ofuscada pela sua gémea. Pensem bem! Nestes quase trinta anos de democracia alguém encontrou na lei dos partidos insuficiências que prejudicassem o funcionamento do sistema democrático? Claro que não! A lei dos partidos foi sempre respeitada sem haver necessidade de falar nela, o que comprova o seu acerto. O que move então CDS, PSD e especialmente o PS, num momento em que o combate à política da direita devia ser a prioridade? Na verdade, ao estabelecer um intolerável princípio de ingerência nas formas de organização e funcionamento dos partidos, determinando os seus órgãos, as formas de votação ou os procedimentos eleitorais internos, a lei invade um campo que tem de estar reservado à decisão dos militantes de cada partido.A questão não está nas opiniões sobre as diversas formas de organização partidária, está em sabermos se os deputados do PS, PSD e CDS têm legitimidade para impor essas e outras normas aos restantes partidos. Ao contestar o modelo único que agora tentam impor, defendemos valores profundos da Revolução de Abril, como o direito à diferença, à liberdade de organização política e ao auto-governo dos partidos. Não estamos a pedir uma lei especial para o PCP, mas o respeito pela lei, e pela maioria que a aprova, do direito de cada partido a organizar-se conforme a vontade dos seus militantes. Defendemos o direito de os homens e mulheres livres que constituem um partido, poderem decidir sobre o partido que querem.

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