&quot;Vitória ou derrota de Portugal?&quot;<br />Ilda Figueiredo no &quot;Semanário&quot;

A dúvida que sistematicamente me tem sido colocada refere-se às negociações de Portugal com a União Europeia. As pessoas sabem que Portugal recebeu fundos comunitários valiosos, nem sempre devidamente utilizados, seja em termos de prioridades de investimento, seja de benefício concreto para o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida da população. Mas também sabem que há sectores produtivos cada vez mais afectados pelas políticas comunitárias: pescas, agricultura, pequenas e médias empresas da indústria e do comércio, deslocalizações de multinacionais, etc. E começam a interrogar-se sobre as causas desta situação. A culpa será dos governos, que não negoceiam devidamente, ou da União Europeia que é super egoísta e nos impõe regras e condições que afectam perigosamente a nossa estrutura produtiva? Na minha opinião, a culpa divide-se pelos governantes portugueses e pela União Europeia, embora de forma diferente, variando a quota de responsabilidade de caso para caso. É verdade que a perda progressiva do direito de veto e o crescente aumento das áreas sujeitas a decisões por maioria no Conselho colocam Portugal numa situação muito difícil, como se viu recentemente na questão da revisão da PAC. Por isso, nos temos oposto a tais alterações nos tratados, como aconteceu com Nice, e agora querem repetir com a chamada constituição europeia, tendo por base o documento de trabalho que a Convenção elaborou. Daí que uma das nossas reivindicações essenciais para a próxima Conferência Intergovernamental, que se vai iniciar em Outubro, em plena Presidência italiana, seja a da manutenção e reforço do direito de veto, rejeitando o aprofundamento do federalismo, que se prevê no texto elaborado pela Comissão, e que o Conselho considerou uma boa base de trabalho na Cimeira de Salónica, incluindo o Primeiro Ministro Durão Barroso. Mas há também culpas dos sucessivos governos portugueses. Culpas que resultam quer de terem aceite as alterações aos Tratados - o que ainda agora só é possível se for decidido por unanimidade -, quer de não utilizarem uma estratégia negocial coerente e firme na defesa das posições que interessam ao nosso país. Mais uma vez, a questão da PAC é bem elucidativa. Veja-se o exemplo do leite. A Itália, onde os agricultores ultrapassaram em muito as quotas de leite, e portanto, tinham multas muito elevadas para pagar, o governo italiano, na recta final das negociações da PAC, mas noutra reunião, e numa área onde ainda existe a regra da unanimidade - a área fiscal - exigiu que se resolvesse o problema das multas aos agricultores italianos pela ultrapassagem da quota do leite. E conseguiu. Embora em Portugal houvesse um problema semelhante, o governo português não o colocou. Deixou tudo para o Conselho de Agricultura, de Junho passado, onde não existe a regra da unanimidade, com as consequências que são conhecidas. Não só não se resolveu o problema das multas pela ultrapassagem das quotas como se perdeu parte da quota prevista para os Açores. Entretanto, a Grécia, que detinha a presidência do Conselho, levou um bónus de aumento de quota do leite de 120 mil toneladas. O que também mostra a importância da manutenção das presidências rotativas. E daí a necessidade de se rejeitar a proposta contida na chamada constituição europeia, de criar o cargo de Presidente do Conselho por dois anos e meio, e acabar com as presidências rotativas. O que se passa nas pescas, nos fundos estruturais, nas políticas monetaristas e do pacto de estabilidade, na política de concorrência e outras, é igualmente elucidativo quer da má estratégia negocial dos sucessivos governos portugueses, que sempre transformam em vitória interna as verdadeiras derrotas que obtêm nos Conselhos, quer das sucessivas perdas de soberania que têm aceite, designadamente através nas alterações aos tratados, com a crescente transformação do voto por unanimidade, em maioria qualificada. Os novos e mais graves perigos estão aí, com a chamada constituição europeia. É fundamental que o governo português não aceite a proposta nos termos em que está formulada. Ainda estamos a tempo de alterar o que é essencial para garantir a capacidade negociadora de Portugal.

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