&quot;Vem aí &#8220;tempo novo&#8221; da construção sem regras?&quot;<br />António Abreu na &quot;Capital&quot;

Na passada semana começamos a comentar aqui a intenção da maioria da CML de proceder a uma alteração simplificada do PDM em vigôr (A caixa de Pandora). Com o objectivo de proporcionar “soluções” para promotores (públicos e privados), em alguns pontos da cidade que estariam “paralisados no ponto de vista urbanístico”. Retomando a questão, é nosso entendimento, depois da apreciação do que nos foi entregue em reunião com a senhora vereadora do urbanismo, que se abandona ou adia o anunciado empenho prioritário na revisão do PDM e na conclusão de outros instrumentos legais de planeamento, mesmo em forma simplificada, um dos grandes temas de campanha eleitoral do actual presidente da câmara, para aumentar a celeridade no encontrar das tais “soluções”. A “paralisia” invocada deve ser entendida, porém, não como a impossibilidade de fazer cidade, mas sim de a fazer, não de acordo com as regras aplicáveis, mas com outras a criar devido ao facto desses promotores não se conformarem com o que podem fazer com ele. Também está por provar que a tal “paralisia” se deveu à ausência de instrumentos de planeamento inferiores ao PDM que está em vigôr.Esta iniciativa vem na sequência da proposta de suspender parcialmente o PDM e alterar o RGEU no ano passado, que acabou por ser retirada. E de uma versão menos elaborada da presente proposta, retirada em Junho passado.Quanto a nós, o que está em causa, é a vontade da actual maioria de entrarmos no “tempo novo” de construir em Lisboa sem regras.Quando recentemente a Ministra das Finanças e o Primeiro-Ministro confirmaram a intenção de vender património do Estado a instituições financeiras que seriam intermediárias da sua rentabilização para terceiros, estão a querer dizer-nos o seguinte: vendemos com determinadas regras e outros obterão novas regras que lhes viabilizarão mais-valias. A isto chama-se especulação, opção pelo negócio imobiliário, uma das atitudes responsáveis por vários dos nossos atrasos estruturais.São novas achas para a fogueira da actualidade das preocupações, que no caso concreto, que, com alterações “simplificadas”, vastíssimas, e com a introdução de um novo instrumento de planeamento (o “plano urbanístico”) por uma autarquia, ao arrepio da lei geral, para seu uso interno, de âmbito ilimitado de aplicação, configuram uma verdadeira revisão do PDM. Com a agravante de não estarem garantidas explicitamente a necessária consulta pública e a decisão, não só pela Câmara mas também pela Assembleia Municipal. A questão não está em alguém querer valorizar o seu património, mas disso ser feito pela elevação artificial dos preços dos terrenos através de alterações de usos, incluindo do uso de logradouros, de cérceas, ou alterações excepcionais de regras em algumas zonas. Que deveriam ter sede de discussão e decisão no processo de revisão do PDM. E não em alteração simplificada deste instrumento, só permitida em situações que neste momento não se verificam.Importa que se diga que as orientações gerais contidas nesta proposta, e transcritas do PROTAML, estão já adquiridas no PDM, não se vislumbrando a ocorrência de qualquer das condições requeridas no Artº 97º do DL 380/99, de 22 de Setembro para realizar qualquer “alteração simplificada” do PDM, o que torna tal proposta ilegal, como aliás foi sublinhado em anterior tentativa de a aprovar em reunião de Câmara passada. O novo “instrumento” de planeamento que agora se pretende introduzir, o “plano urbanístico”, passaria, se a proposta fosse aprovada, a ser referido 37 vezes no Regulamento do PDM, quando um seu antecessor, não aplicado por duvidosa legalidade, o “plano urbano”, e de aplicação muito mais restrita, só lá estava referido uma vez! Se o processo avançasse como está, sem se vislumbrarem sequer pareceres dos serviços municipais, só poderiam, no nosso entendimento, ter parecer negativo dos competentes organismos especializados da administração central desconcentrada. As já conhecidas derivas urbanísticas, resultantes da atitude dos anos 80 de condução dos processos pela lógica do imobiliário, iriam acentuar-se se este caminho fosse prosseguido. O espírito do PDM (que tem erros, limitações, incumprimentos, e em cuja revisão devemos empenhar-nos) inverteu esse caminho. Agora o espírito dos anos 80 deixou de estar apenas à espreita, a cantar o “ó tempo, volta para traz” e julga ter o campo livre para a viagem no tempo. Não vem de moca, mas com um omnipresente plano urbanístico, embrulho que pretende travestir o acerto de contas com a História mais recente.Se existem proprietários/promotores que se estão a sentir “paralisados urbanisticamente”, importa em alternativa que a cidade os conheça, com a indicação do que, em cada um dos casos, hoje podem fazer com este PDM, das razões por que o não fazem, o que reivindicam fazer, para permitir a transparência, a análise concreta de cada situação concreta, mas também o avaliar colectivo da coerência das “soluções” a encontrar com uma estratégia para a cidade. Estratégia que não pode ignorar a qualidade de vida urbana, os fogos devolutos, o exorbitante preço da habitação, enfim o excesso de áreas habitacionais já hoje existente no conjunto dos PDMs e que uma nova série destes planos deveria corrigir e não acentuar.

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