&quot;O paradoxo da produtividade&quot;<br />Ilda Figueiredo no &quot;Semanário&quot;<span class="titulo1">

No momento em que os indicadores económicos demonstram que Portugal entrou em recessão, com valores negativos do PIB durante dois trimestres seguidos, é particularmente escandaloso que se esteja a prever a aplicação de multas a agricultores que após o aumento da sua produtividade tenham ultrapassado as quotas de leite que lhes foram atribuídas. Depois de se andar anos a fio a defender o aumento da produtividade, agora que conseguiram melhorar as suas condições de produção e aumentar não só em quantidade, mas também em qualidade, o leite produzido, estão a ser confrontados com multas pesadíssimas - 74 escudos por litro de leite produzido acima da sua quota individual de referência. É um paradoxo inadmissível. Embora não se conheça cabalmente a situação no plano nacional, dado que o INGA ainda não divulgou os números, e se desconheça a evolução das negociações do governo português relativamente à questão dos Açores, que o Comissário Fischler admite resolver na base da especificidade das regiões ultraperiféricas, na zona de Entre Douro e Minho reina grande inquietação como pude constatar nas diversas reuniões que mantive com organizações de agricultores e da indústria agro-alimentar. Sabe-se que na Agros as quotas já foram ultrapassadas em cerca de 36 mil toneladas e que estão a reter as verbas correspondentes às multas, o que agrava as condições de vida dos agricultores. Mas como o Ministério da Agricultura ainda não forneceu os dados globais da utilização da quota nacional, desconhece-se a possibilidade de haver ainda reajustamentos suficientes de quota não utilizada noutras zonas do país para cobrir estas ultrapassagens, o que torna ainda mais grave todo o processo de retenção de verbas aos agricultores. Por outro lado, as propostas que a Comissão Europeia acaba de apresentar no Parlamento Europeu são profundamente injustas, mantêm as discriminações de que Portugal tem sido vítima, não actualizam as novas condições de produtividade em Portugal quer quanto ao aumento da quota (inferior a um por cento/ano, durante quatro anos), quer quanto ao teor de matéria gorda de referência (mantêm 37, 30 g/quilo, quando actualmente ronda os 42 g/quilo, aproximando-se dos países nórdicos), e apontam novas reduções de preços do leite (menos 28% em cinco anos), limitações graves à intervenção para produção de manteiga (apenas 30 mil toneladas/ano em toda a União Europeia e uma baixa do preço de 35% em cinco anos). Como unanimemente as organizações agrícolas e industriais me referiram, uma proposta deste tipo destrói o que ainda resta da agricultura portuguesa. Se a tudo isto se acrescentar que não houve a esperada intervenção governamental na compra de vacas de refugo; que Portugal tem, desde a adesão à CEE, uma quota completamente inadequada; que só nos últimos dez anos foram eliminados cerca de 75 mil produtores de leite; que o Comissário refere, numa resposta recente a uma pergunta que formulei no Parlamento Europeu, que o governo português não aproveitou todas as possibilidades que tinha para apresentar projectos de apoio aos agricultores açoreanos; que no concurso para a distribuição de leite nas escolas, na zona de Lisboa, ganhou uma empresa espanhola, fica-se com uma ideia mais clara da gravidade da situação. Impõe-se, pois, que, de imediato, haja uma maior responsabilização do governo português em todo o processo, seja na informação atempada, seja na intervenção adequada, seja em negociações capazes de defender efectivamente a especificidade da agricultura portuguesa e o nosso auto-consumo, dando particular atenção ao leite e recusando as imposições de Bruxelas, enquanto é tempo.

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