&quot;O momento eleitoral&quot;<br />Ilda Figueiredo no &quot;Semanário&quot;

A duas semanas das eleições para o Parlamento Europeu, o traço mais saliente não é o debate sobre a nova ronda de negociações entre os 25 Estados, que actualmente são membros da União Europeia, sobre a dita constituição europeia, mas, sim, o enorme descontentamento popular com a política governamental, que aumenta o desemprego e agrava as condições de vida da maioria da população. Por todo o lado por onde se passa, seja à porta das empresas, seja nas ruas, praças, mercados e feiras, ouve-se a crítica à crise económica sem fim à vista; à precariedade do emprego; ao encerramento das empresas; ao ataque brutal aos direitos dos trabalhadores; à redução dos salários reais e constantes aumentos dos preços dos combustíveis e outros bens essenciais; à degradação dos serviços públicos essenciais; ao aumento da pobreza e das desigualdades sociais. Alguns dados económicos recentemente divulgados dão uma ideia mais completa da situação grave que se vive: o total de crédito mal parado que já ultrapassa os dois mil milhões de euros, ou seja, o dobro desde 1999. De acordo com os dados do Banco de Portugal, mais de metade deste crédito mal parado refere-se a empréstimos à habitação. Registe-se que o endividamento dos particulares representa já cerca de 110% do seu rendimento disponível. A verdade é que a crise económica, o agravamento do desemprego, o aumento de preços e os baixos salários, criaram maiores dificuldades às famílias no pagamento dos empréstimos obtidos. No entanto, por parte do Governo, assiste-se à destruição de mecanismos essenciais à manutenção de serviços públicos de qualidade acessíveis à generalidade da população. O recente anúncio da privatização de 49% da Empresa Águas de Portugal veio agravar as preocupações com o futuro próximo. Mas, igualmente, surgem as notícias sobre a abertura dos hospitais públicos ao capital e gestão privada, de que o concurso para a construção e gestão do hospital de Loures é um exemplo, anunciando-se que, até ao fim do ano, serão abertos mais três concursos. É o fartar vilanagem para os grupos económico-financeiros. Diz-se que a saúde é já a nova menina dos olhos da banca. No entanto, recentemente, o Parlamento Europeu, pronunciou-se contra as liberalizações nos sectores da água, da saúde e da educação, mas o Governo português ignora tudo isso e aposta no que interessa aos grupos económicos, independentemente das suas consequências. Para desviar as atenções dos atentados sociais e do descontentamento popular, o Governo dispara sobre quem, no terreno, lhes vai fazendo oposição, como acontece com o PCP. Com a agravante do Primeiro-Ministro parecer um ministro do velho sistema salazarento, a transformar conflitos sociais por dívidas e promessas que não cumpre perante sectores sócio-profissionais significativos, em lutas partidárias que ameaçam a segurança do Estado. O ridículo da atitude não pode escamotear a gravidade do pensamento subjacente a quem fez tais afirmações. É neste quadro que ainda se torna mais preocupante o acordo vergonhoso sobre a revisão constitucional, que a coligação governamental PSD/PP e o PS fizeram, nas vésperas das comemorações dos 30 anos do 25 de Abril, abrindo as portas à submissão a um projecto da dita constituição europeia que põe em causa aspectos fundamentais da soberania portuguesa, que aprofunda o neoliberalismo e a via do militarismo, o que é inaceitável, pois implicaria uma subalternização inadmissível dos preceitos da Constituição Portuguesa aos do Direito comunitário, mesmo o direito secundário. Como recentemente denunciou um grupo de professores da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, docentes de disciplinas do plano de estudos relacionadas com a integração europeia, “na presente fase de integração europeia, marcada pela heterogeneidade que decorre do alargamento das fronteiras da União, é particularmente inoportuno o aprofundamento político das linhas de integração”, ao mesmo tempo que exprimiu a sua preocupação quanto ao teor do “Projecto de Tratado que institui uma constituição para a Europa”, e apelou a um debate profundo sobre o seu conteúdo. Há quem sonhe transformar a União Europeia num super-estado, onde seja mais fácil impor os interesses de grupos económicos e financeiros comunitários, sendo lamentável a posição da coligação PSD/PP e do PS na defesa que fazem dos conteúdos fundamentais da dita constituição portuguesa, embora com uma ou outra pequena divergência, nuns casos por acharem que não foi tão longe como devia, noutros para mostrarem alguma divergência perante verdadeiros atentados ao princípio da igualdade entre Estados e, por conseguinte, da capacidade de Portugal defender os seus interesses vitais, do seu povo decidir do seu destino colectivo, da sua forma de viver, de manter a sua cultura.

  • União Europeia
  • Central