&quot;&laquo;Constituição Europeia&raquo; ou a institucionalização do Directório<br />Agostinho Lopes no &quot;Independente&quot;

A grande mistificação A primeira anotação a fazer sobre a denominada «Constituição Europeia» é a enorme mistificação que se procura impor com o uso do conceito «Constituição». Como assinalou o constitucionalista Jorge Miranda, «Apenas por sugestão subliminar federalista, tendente à criação de factos consumados é que se fala em “Constituição” e em “Convenção”», (Público, 2 de Julho de 2003), do que nunca poderá ser mais que um mau projecto de tratado entre Estados soberanos, para substituir (condensar, reconfigurar, ...) os tratados que o precederam, Roma (1957), Acto Único Europeu (1986), Maastricht (1992), Amesterdão (1998) e Nice (2002)! Mas a insistência e a formalização, como projecto de «Constituição», de um projecto de Tratado Internacional, tem outros objectivos. Em geral, os cidadãos e os povos têm uma avaliação positiva das «Constituições», associando-as a valores e enunciado de garantias e direitos fundamentais, patrimónios de conquistas democráticas, sociais, económicas e culturais a defender. Logo, para vender bem o peixe cozinhado pela dita «Convenção», nada como baptizá-la como «Constituição». Outro evidente objectivo é consolidar, através do uso sistemático do termo «Constituição», a ideia, que depois se formaliza no articulado, da prevalência das normas da dita Constituição europeia sobre as constituições dos Estados. Ninguém se atreveria a estabelecer que um Tratado Internacional, obrigatoriamente decorrente e submetido às normas constitucionais dos Estados que os subscreveram, se pudesse sobrepor às constituições nacionais. A «Convenção, um processo obscuro e antidemocrático Mesmo como «grupo de trabalho» a «Convenção» teve, pelos seus objectivos, composição e funcionamento, uma evidente natureza antidemocrática e uma missão obrigatória: elaborar um projecto de Tratado adequado aos interesses das grandes potências da União Europeia. Convenção que foi dominada pelas forças políticas da direita e da social democracia, e de onde se afastaram as forças políticas com uma visão crítica e reais propostas alternativas – caso de Portugal, cuja representação ao nível da Assembleia da República foi feita em exclusivo pelo PSD e PS. Convenção que se imiscuiu numa competência exclusiva e soberana dos governos e parlamentos nacionais, a da revisão dos Tratados Internacionais. Convenção cujos trabalhos passaram inteiramente à margem dos povos dos países que integram a União Europeia. O seu funcionamento ao longo de 16 meses é um espanto de democracia. Refere um deputado do Parlamento Europeu que nela participou: «Na Convenção não houve votação, (...). O Presidium (...), que não tinha a representação de todos os países, decidiu qual era a vontade da Convenção, e a isso chamou-se consenso. Como na Convenção havia uma subrepresentação dos federalistas, o consenso foi o seu (...). Na reunião de encerramento «(...) basicamente só intervieram os representantes dos grandes países.». Uma «Constituição» talhada e retalhada à medida das grande potências Era sabido que, perante o processo de alargamento, as grandes potências europeias (bem acolitadas pelo grande capital multinacional de base europeia e as organizações do grande patronato ERT/UNICE), iriam procurar impor uma redistribuição dos poderes nos órgãos da União, que lhes assegurasse, no âmbito de uma União Europeia a 25 (e posteriormente a 27 ou 28) a continuação do comando das políticas e do futuro da União. O alargamento, com a entrada de cerca de mais 9 pequenos e médios países, poderia tornar difícil o posso, quero e mando do eixo Paris / Berlim e das suas triangulações com Londres, Roma e Madrid. Com o novo projecto de Tratado da União procura consagrar-se e consolidar-se a natureza federal presente no percurso da União desde o Tratado de Roma e constitucionaliza-se o directório das grandes potências, através da prevalência e dominância da lógica do peso da população sobre a igualdade de Estados soberanos. Manda-se assim às urtigas este processo nuclear e impostergável. A « constitucionalização» do projecto neoliberal e o lançamento das bases institucionais para a construção de um Bloco Militar Europeu Relevante é também a constitucionalização de um modelo de Europa neoliberal que se pretende «fixar» segundo o Presidente da Convenção para os próximos 30/50 anos. Os 340 artigos que constituem esta 3ª parte do projecto de Constituição não foram sequer objecto de nenhum debate na Convenção. Ora, é todo este articulado que estabelece de forma pormenorizada a política económica e monetária, os poderes exorbitantes de um Banco Central Europeu (obcecado pela «estabilidade dos preços» e a «evolução dos custos salariais») e as normas do Pacto de Estabilidade, isto é, o núcleo duro de Maastricht. É igualmente nesta 3ª parte que se pretendem fixar restrições drásticas à política social, uma concepção de serviços públicos compatíveis com os princípios da ordem neoliberal (privatizações, desregulamentações e serviços mínimos), e «constitucionalização» de políticas comuns inaceitáveis como a PAC, ou as teses neoliberais para o comércio externo conforme as directivas da OMC. Particularmente significativo é o lançamento de bases institucionais da militarização da União Europeia, através de diversas disposições específicas sobre a Política Externa e de Defesa Comum, com a adopção dos conceitos estratégicos que suportam a actual ofensiva do imperialismo norte-americano, como o da paz à força com a admissibilidade da intervenção militar da União Europeia. Assinalável também é o enlace e imbricação estratégicos que nesta matéria se propõe fazer entre a política de defesa comum (da UE) e a NATO, e a decisão de criar uma Agência Europeia de Armamento, de Investigação e de capacidade militar.

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