&quot;Greve Geral (II)&quot;<br />Ruben de Carvalho no &quot;Diário de Notícias&quot;

de Dezembro de 2002 Tendo constatado o afecto de Vasco Graça Moura (VGM) pelo vocábulo estomagado, dele me socorro para qualificar o estado de espírito em que parece ter ficado face ao texto que aqui escrevi sobre a greve geral.VGM discorda em dois pontos:Um primeiro ponto, que o lucro do capital não é hoje obtido através da exclusiva apropriação do valor subtraído entre o que o trabalhador produz e o valor dessa produção, isto é, o que o marxismo qualificou de mais-valia.Em segundo lugar, entende que ao fazer greve, um trabalhador da Função Pública (TFP) cai numa contradição, uma vez que não tem patrão.Quanto ao primeiro ponto, VGM mete os pés pelas mãos.Não escrevi _ e muito menos Marx o fez! - que o lucro do capital é exclusivamente um resultado da apropriação da mais-valia do trabalho.Disse, isso sim, que o era essencialmente - o que faz toda a diferença.Marx jamais ignorou a vastidão de factores da formação do lucro, mas sublinhou uma evidência que David Ricardo já sublinhara e que VGM terá dificuldade em encontrar quem negue: em última instância, o valor acrescentado é-o sempre pelo trabalho, independentemente das evoluções (tecnologia, diferenciação de actividades, descentralização geográfica, etc.).É evidente que a percentagem maioritária dos lucros de qualquer banco suíço não provém directamente das mais-valias dos seus empregados, mas VGM aceitará que os chips saídos das crianças de Singapura ou os salários de miséria dos mineiros chilenos têm tudo a ver com eles.VGM prossegue em duas direcções: por um lado, não tendo patrão, o TFP ficaria privado do outro protagonista da sua luta; por outro, sendo ele que assegura o funcionamento do Estado e este é orientado por Governos saídos de eleições, tudo o que o TFP teria a fazer seria pôr em prática as orientações do Executivo, que viu o seu programa sufragado nas urnas.Sucede que os TFP são, antes de tudo o mais - trabalhadores.Tal como todos os outros, vendem a sua força de trabalho a troco de salários.Ora - e isto é um problema de princípio, cuja negação coloca VGM puramente fora do quadro constitucional - um cidadão que trabalha e vende a sua força de trabalha passa por isso a estar - sem excepção - abrangido pelos direitos que a democracia lhe concede.Em segundo lugar, é pura falácia dizer que o trabalho do TFP não produz lucro, porque não há uma entidade patronal privada a apropriar-se dele.A produção dos TFP é socialmente lucrativa, assegura funções de que colectivamente a sociedade necessita, desde o cidadão até ao capital, que sem elas não poderia desenvolver actividades e com elas lucrar.Tal como um trabalhador privado, ao fazer greve, contrapõe ao patrão a realidade da indispensabilidade do seu trabalho e assim faz valer os seus direitos, o TFP, ao fazer greve, faz da relevância social e colectiva do seu trabalho o instrumento para fazer valer direitos que considera afectados.É plausível que VGM preferisse lidar com TFP de recorte escravo greco-romano ou perfil autómato e robótico, à Hollywood. Mas, por agaste que tal lhe cause, vivemos em democracia. Que inclui a greve geral.rubencarvalho@mail.telepac.pt

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