&quot;Governo em descrédito&quot;<br />António Abreu na &quot;Capital&quot;<span class="titulo1">

O Governo vai-se desacreditando e desgastando nos escândalos, na erosão do apoio que teve com políticas contrárias às promessas feitas, na vergonha que provocou entre os portugueses a sua atitude perante os massacres no Iraque. Mas continua a disparar em todas as direcções, para garantir a consagração de medidas neo-liberais , reduzir a capacidade dos cidadãos em influirem na vida política e mitigar as vertentes política, social, económica e cultural da democracia portuguesa. Do estatuto do trabalho à chamada reforma do sistema político, da redução da efectividade ou privatização de direitos sociais fundamentais e sistemas públicos que os sustentam ( saúde, educação e segurança social) à alienação dos meios que permitem sustentar a prevalência, consagrada na Constituição, do poder político sobre o poder económico. Do respeito cego de uma política contra o deficite decorrente de um pacto europeu de estabilidade, que outros países contestam, à forma de (não) enfrentar a recessão económica. Esta sofreguidão poderá ser fatal ao governo. É neste frenesim de prática de malfeitorias, no mais curto prazo de tempo, que a Assembleia da República aprovou recentemente, por imposição da maioria, e com votação contrária do PCP, duas propostas de lei do Governo que, articuladas, impõem que as associações de municípios de fins gerais, se transformem em órgãos de administração territorial do Estado. Uma das propostas dizia respeito às comunidades intermunicipais e a outra às áreas metropolitanas. A roupagem descentralizadora de que estas e outras decisões têm usado é um logro que esconde, no caso das comunidades intermunicipais um efectivo carácter centralizador, traduzido na passagem para instâncias, de um outro nível, de actuais competências municipais e na contratualização arbitrária por ser feita caso a caso, da descentralização de novas competências. O objectivo central é retirar aos municípios os poderes de gestão bem como os poderes regulamentar genérico e tributário nos seus territórios . E esse é insofismàvelmente o grande objectivo que o Governo quer atingir, já que fica consagrada a irreversibilidade das novas situações que entretanto se forem criando, não podendo qualquer município recuperar autonomia regulamentar, mesmo que consiga vencer o difícil percurso de abandono de uma comunidade, que, soberanamente, deseje realizar. Em coerência com o comportamento que se está a tornar habitual na relação do Governo com os Municípios, estes recebem também neste processo novos encargos sem as correspondentes contrapartidas e é-lhes imposta a redução do emprego público a propósito de novas necessidades de pessoal especializado no desempenho de determinadas novas funções. Esta ilusão de uma alternativa à regionalização vai traduzir-se na manutenção dos actuais poderes da administração central, na retirada para os novos órgãos de poderes municipais importantes e na redução drástica da participação efectiva dos cidadãos e dos partidos políticos em decisões regulamentares, de tributação e de concessão de serviços públicos em benefício de assembleias intermunicipais.Se a proposta anterior era relativamente recente, já a que respeita às Áreas Metropolitanas se referem a matéria que tem anos de debates autárquicos, acompanhados pela comunidade científica, relativos a soluções, às questões da legitimidade democrática e dos poderes efectivos, à capacidade de elaborar e organizar instrumentos jurídicos de planeamento ou de programar investimentos e garantir o carácter vinculativo das decisões para entidades públicas e operadores de serviços públicos. O que o Governo aproveitou disso tudo é decepcionante. Poderes municipais são retirados para estas instituições, de forma irreversível, enquanto sai reforçado o carácter associativo delas em vez de as aproximar do modelo definido na Constituição da República. Os equívocos já atrás referidos, entre a descentralização que insinuam constituir e o real carácter centralizador que as enforma, ferem irremediàvelmente o conceito. Ao longo do articulado legal são múltiplas as disposições que podem conduzir a uma descaracterização do poder local, no tocante à própria natureza dos municípios e também à sua real capacidade de intervenção. A previstos poderes executivos não correspondem serviços e pessoal necessários. A competências deliberativas das Assembleias correspondem poderes para as Juntas lhes proporem projectos de regulamentos num vasto e diversificado conjunto de matérias. O impedimento de os municípios poderem fazer parte de mais do que uma Área ou Comunidade configura, assim, impedimento da liberdade dos municípios se associarem e, como já referimos, pretende transformá-los em órgãos de administração territorial do Estado.

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