&quot;Céu estrelado&quot;<br />Ruben de Carvalho no &quot;Diário de Notícias&quot;

Tenho ideia que foi Rosseau quem escreveu qualquer coisa como «não sei como aprendi a ler, só me lembro das minhas primeiras leituras». Comigo, assim é, de facto.De entre essas primeiras leituras, ficou-me a memória de uma colecção de livrinhos -, capa de cartolina grossa, poucas dezenas de páginas, tenho a impressão que ainda não havia o agrafe, desenhos coloridos, letras grandes. Era uma colecção, talvez uma dúzia, folheei-os vezes sem conta, mas são curiosas as recordações que deles ficaram: de todo esqueci histórias, possivelmente tão elementares elas seriam, mas quedaram até hoje imagens, frases, palavras. Bondoso é um termo que deles não consigo dissociar, tal como que deles não consigo dissociar, tal como água límpida, alazão fogoso, alfazema ou lençol de linho...Sem serem propriamente histórias, algumas narrativas ficaram também. Entre elas, uma, onde havia inevitavelmente uma princesa e um avô erudito e trovador que deixava a vida exactamente ao mesmo tempo que se consumava a casamenteira felicidade da neta. E, face às lágrimas desgostosas da princesa, a indispensável – e bondosa... – velha ama, apontando o firmamento nocturno dizia-lhe: «Minha querida, o teu avô está ali. Porque sempre que morre um poeta nasce uma estrela».Esta noite vou andar a olhar atentamente o céu. Quero ver onde está a estrela de Sophia, para saber onde encontrá-la enquanto continuar a lê-la. E vou encontrá-la.