&quot;Agarra que é polícia&quot;<br />Bernardino Soares na &quot;Capital&quot;

de Janeiro de 2003 Alguma explicação existirá para que sempre que qualquer poderoso ou membro de um grupo dirigente é visado por uma investigação judicial, se levante um indignado coro de protestos contra supostos excessos de actuação das instâncias judiciais ou policiais.É claro que é indispensável (e ainda mais nos tempos que correm) uma permanente vigilância e atenção crítica sobre o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.Mas é também absolutamente justificado o sentimento popular de que a justiça é morosa, ineficaz e tantas vezes inconsequente quando se trata de atingir os interesses mais poderosos.Um claro exemplo disso foram as inusitadas reacções e inaceitáveis ameaças de alguns dos dirigentes desportivos mais destacados da nossa praça em relação às declarações do Procurador Geral da República. O ruído ensurdecedor de tais protestos quase terá feito esquecer a muitos que as declarações do Procurador Geral eram em resposta a uma pergunta directa, a cuja resposta o próprio tratou de acrescentar que não estava em causa uma suspeição geral sobre o futebol português e os seus clubes.As reacções deste tipo multiplicam-se a propósito da detenção de Fátima Felgueiras. Desde logo nas páginas de “A Capital” em que Guilherme Silva afirmava na passada sexta-feira não querer “até por não dispor de elementos, fazer qualquer apreciação do caso da Dra. Fátima Felgueiras” mas não se coibia apesar disso de sentenciar que “é inaceitável que se tenha recorrido à detenção daquela autarca e inexplicável que se pretenda impor-lhe a prisão preventiva …”Guilherme Silva, juntou-se assim ao ilustre e diversificado coro dos indignados com tais diligências, bem acompanhado por Alberto João Jardim, que afirmou não confiar (vá-se lá saber porquê) na justiça da 3ª República. E até o Bispo do Porto, D. Armindo Lopes Coelho se dignou convocar uma conferência de imprensa afirmando que a sua “sensibilidade está ferida” mesmo reconhecendo não saber “do que é acusada” e onde acrescentou ainda, segundo relatos dos jornais, que “muito do que é crime não passa de irregularidades que fazem parte da vida de muita gente que anda à solta …”!Evidentemente que Fátima Felgueiras é inocente até prova em contrário. Mas não deve ser tratada de forma diferente só por ser titular de um cargo autárquico. Nem as autoridades judiciárias devem passar a principais acusadas sempre que está alguém mais poderoso em causa, transformando o tradicional “agarra que é ladrão” num verdadeiro “agarra que é polícia”A não ser que a justiça, supostamente cega seja influenciada pelo perfume inebriante do poder.Não quero finalizar o artigo de hoje sem uma referência final. Foi com tristeza que assisti ao desaparecimento do João Amaral, camarada com quem partilhei vários anos de trabalho parlamentar. Neste momento de pesar é justo salientar, não as públicas e recentes discordâncias, mas a relevante intervenção cívica e política que norteou a vida de João Amaral, quer como militante comunista, quer como autarca, quer como Deputado e Vice-Presidente da Assembleia da República, contribuindo para a acção do PCP e para a defesa e o aprofundamento da democracia.